sexta-feira, julho 20, 2007

Minisutras




"Cada um deve dar conta de si mesmo.
Segundo esta matemática invariável do universo,
dando a cada um sua medida,
conforme seus atos, suas palavras e seus pensamentos.
Esta lei exata, implacável e imutável, vigia eternamente,
e faz com que todos os futuros sejam frutos do passado".

"Produzem-se as COMPOSIÇÕES.
Condicionada pelas COMPOSIÇÕES,
Produz-se a CONSCIÊNCIA.
Condicionados pela CONSCIÊNCIA,
Produz-se o NOME e a FORMA.
Condicionados pelo NOME e a FORMA,
Produzem-se os CINCO DOMÍNIOS SENSORIAIS.
Condicionado pelos CINCO DOMÍNIOS SENSORIAIS,
Produz-se o CONTACTO.
Condicionada pelo CONTACTO,
Produz-se a SENSAÇÃO.
Condicionada pela SENSAÇÃO,
Produz-se a SEDE.
Condicionada pela SEDE,
Produz-se a APROPRIAÇÃO.
Condicionada pela APROPRIAÇÃO,
Produz-se a EXISTÊNCIA.
Condicionada pela EXISTÊNCIA,
Produz-se a NASCENÇA.
Condicionados pela NASCENÇA,
Produz-se a VELHICE e a MORTE,
os DESGOSTOS, as LAMENTAÇÕES,
os SOFRIMENTOS e os TORMENTOS.
Tal é a origem do conjunto de todas as dores"*.

'Há um não-nascido, um não-produzido, um não-feito, um não-condicionado: se não houvesse um não-nascido, não haveria saída para aquilo que é nascido; mas como há um não-nascido, há saída para aquilo que é nascido, produzido, feito, condicionado (Udana, VIII, 3,80; Itivuttaka, 37; Udánavarga, Bechk, XXVI, 21/24).

*Fragmentos do Tripitaka, que pode ser traduzido como os três cestos, é conhecido como o Cânon Páli,a primeira forma escrita dos ensinamentos do Buda, registrados em uma língua semelhante à que ele falava.

Para quem se interessar em ler o comentário que anexei a esse post, com o título 'A verdade sobre o Nirvana', compartilho um pouco do que instiga em mim a reflexão. Foi a psicanálise quem primeiramente me trouxe a idéia de que é preciso ter para ser e não ser para ter. Lógica que se assemelha ao fragmento do sutra que nos fala da sede de apropriação para que haja existência. E assim há o nascimento, mas um nascimento já apegado, sedento. E a consciência, dentro dessa ótica, notem, é prévia ao nome, à forma, à existência, ao nascimento.

E o que sempre pensei disso tudo: que há um caminho onde a busca do ser começa quando a busca do ter acena que ter não é tudo.

E eis o que basta por hora. Prosseguir na dicotomia aproximação/distanciamento entre tais óticas é tarefa que se mostra impossível para o meu aqui e agora.

Um comentário:

Cláudia disse...

A VERDADE SOBRE O NIRVANA

"A lei de causalidade, o encadeamento das causas e dos efeitos, tudo isto é uma coisa difícil de ser compreendida pela humanidade. Da mesma forma, também difícil de compreender é a entrada no repouso de todas as formações, o desapego ou desprendimento das coisas da terra, a extinção da cobiça, a cessação do desejo, a finalidade última, o Nirvana (Vynaya, I, 5). O Nirvana é o objeto da terceira verdade santa, a verdade sobre a destruição do sofrimento ou da dor (dukkhanirodha).

"Se o desejo produz o ato, se o ato engendra, por seu turno, a existência, basta eliminar o desejo, para neutralizar o ato, e o ato, assim neutralizado, não amadurecerá mais em novas existências. Pela supressão do nascimento, são suprimidas, assim, velhice e morte, sofrimento e lamentações, dor, tristeza e desespero: tal é a supressão de todo o império da dor (Vinaya, I, 1-2)".

" O nirvana apresenta um duplo aspecto: ele é a supressão do desejo; o fim da existência:
- O Nirvana, neste mundo, se confunde com a santidade (arhattva): 'A extinção do amor, a extinção do ódio, a extinção do erro, eis aí o que se chama o Nirvana e a santidade' (Samyutta, IV, 251, 252). O santo, em possessão do Nirvana, destruiu o desejo e suprimiu toda causa de renascimento, mas a destruição do desejo deixa intactos os elementos da existência chamados 'skandha', tais como corporeidade, sensações, noções, volições e conhecimentos. O Nirvana-neste-mundo do liberto em vida é chamado Nirvana 'com condicionamento restante' (sopadhiesa).
- Após a morte do nirvanado neste mundo, ou do santo, não há mais nenhuma nova existência. Com efeito, 'o corpo do santo continua a existir, embora tendo sido extinta a sede que produziu uma nova existência. Tanto tempo durará seu corpo, tanto mais tempo os deuses e os homens o verão. Mas quando seu corpo será desagregado, sua vida partida, a partir desse momento os deuses e os homens não o verão mais' (Digha, I, 46). É aquilo que se chama o Nirvana 'sem condicionamento restante' (nirupadhiesesa). Do mesmo modo como a chama, apagada pelo sopro do vento, que vai na direção da quietude, escapa ao olhar, assim o sábio, despojando-se dos 'nama-rupa' (os agregados físicos e mentais da existência) penetra na serenidade, escapando a todos os olhares. Ninguém o pode apreciar, comparar: para falar sobre ele, não existem palavras. Aquilo que o espírito poderia conceber, se desvanece, e todo caminho é interditado à linguagem (Suttanipata, 1074 ss).

No mundo do devenir (devir), todos os elementos da existência, submetidos à Produção em Dependência, são ao mesmo tempo causas e causados: eles são, diz-se 'condicionados' (samskrta). O Nirvana, situado para além do devenir, escapa ao encadeamento das causas. Ele é um 'incondicionado' (asamskrta). Vários textos afirmam este absoluto, dizendo:

'Há um não-nascido, um não-produzido, um não-feito, um não-condicionado: se não houvesse um não-nascido, não haveria saída para aquilo que é nascido; mas como há um não-nascido, há saída para aquilo que é nascido, produzido, feito, condicionado (Udana, VIII, 3,80; Itivuttaka, 37; Udánavarga, Bechk, XXVI, 21/24).

Considerado sob este aspecto, o Nirvana é destruição (nirodha), serenidade (santa), excelente (pranita) e saída ou salvação (nihsarana) (Kosa,VII, 31 ss).

"As escolas budistas e os historiadores das religiões têm discutido, a perder de vista, a verdadeira natureza do Nirvana, defendendo, alternativamente, e segundo duas tendências íntimas, ora o Nirvana-Existência, ora o Nirvana-Aniquilamento. Mas, para abordar esta questão com conhecimento de causa, é necessário estar convencido, previamente, da impessoalidade e da vacuidade de todas as formas de existência, das quais nenhuma é um Ego e nenhuma pertence ao Eu. Nessas condições, se na ordem do devenir o sofrimento e a atividade se explicam sem sujeito, nem agente, do mesmo modo, na ordem do absoluto, o Nirvana não implica de nenhuma maneira a existência do nirvanado:

A dor existe, mas ninguém é afligido,
Não se tem nenhum agente, mas a atividade é um fato,
O Nirvana é, mas o sujeito nirvanado não está em nenhum lugar,
O Caminho existe, mas ninguém o trilha.
(Visuddhimagga, Warren, 436).
(Lamotte, 43-45).

Fonte: Etienne Lamotte - Histoire du Bouddhisme Indien (Des Origens à lÉre Saka). Louvain- la-Neuve, Institute Orientaliste: Université de Louvain, Editions Peters, 1976, retiradado de 'Fundamentos Básicos do Budismo Originário-Brasília-DF-2005, Prof. Antônio Carlos da R. Xavier e Paulo Ramos Coêlho Filho.