segunda-feira, setembro 04, 2006

Ah, lo previdi! Ah, t'invola agl'occhi miei.




ANDROMEDA:

Ah, lo previdi!
Povero Prence, con quel ferro istesso,
Che me salvò, ti lacerasti il petto.
(ad Euristeo)
Ma tu sì fiero scempio
Perché non impedir? Come, o crudele,
D'un misero a pietà non ti movesti?
Qual tigre ti nodri? Dove nascesti?

[Aria]

Ah, t'invola agli'occhi miei,
Alma vile, ingrato cor!
La cagione, oh Dio, tu sei
Del mio barbaro dolor.
Va, crudele! Va, spietato!
Va, tra le fiere ad abitar.

[Recitativo]

Misera! Invan m'adiro,
E nel suo sangue intanto
Nuota già l'idol mio... Con quell'acciaro,
Ah Perseo, che facesti?
Mi salvasti poc'anzi, or m'uccidesti.
Col sangue, ahi, la bell'alma,
Ecco, già usci dallo squarciato seno.
Me infelice! Si oscura
Il giorno agli occhi miei,
E nel barbaro affanno il cor vien meno.
Ah, non partir, ombra diletta, io voglio
Unirmi a te. Sul grado estremo, intanto
Che m'uccide il dolor, fermati alquanto!

[Cavatina]

Deh, non varcar quell'onda,
Anima del cor mio.
Di Lete all'altra sponda,
Ombra, compagna anch'io
Voglio venir con te.


"AH, LO PREVIDI!" - "AH, T'INVOLA AGL'OCCHI MIEI" -
"DEH, NON VARCAR QUELL'ONDA" K.272, atribuída a Giovanni Escena.

Essa ária, conhecida como Ah, lo previdi, K. 272, foi escrita por Wolfang Amadeus Mozart em agosto de 1777, em Salzburg, para uma de suas cantoras prediletas, a soprano Josepha Dussek. Foi inserida na Ópera Andromeda, baseada na mítica história da princesa que foi prometida em casamento por seu pai ao rei de Argos, para livrar-se de uma terrível maldição: a obrigação de oferecer uma virgem para ser sacrificada todos os meses. Chegada a hora, Andromeda foi entregue a Argos, que a transformou em uma estátua de pedra à margem do mar. Perseus, inconformado, saiu em defesa de seu amor, matou o mostro e salvou Andromeda. Seu pai, mesmo assim, se opôs ao casamento. Convencido de que nunca poderia casar-se com a mulher que amava, Perseus, espada em punho, foi-se embora com a inteção de matar a si próprio. É nessa hora que entra Andromeda, atormentada pela idéia de que Perseus havia cometido suicídio. Ela chama por ele, para que a espere e assim possam juntar-se no mundo submerso, atravessarem juntos o Rio Styx e enfim tomarem a poção oferecida por Lethe, que promete o alívio para todas as dores do mundo.

Músicas diferentes, feitas em épocas tão diferentes quanto a do post anterior, Desvelo, será que dizem enfim de mundos tão distintos, a partir da subjetividade em busca da representação do lugar do 'outro', aqui ocupado pelo amado? Ou seja: diante dessa impossibilidade, assim como Perseus e Andromeda, o que dizer da procura da morte para o alívio da dor? De uma forma ou de outra, eis um valor que repete e interroga: a realização do eu está intrinsicamente ligada ao outro, para ter valor? Não questiono aqui as diferenças sobre visões pontuais acerca de um tema qualquer, mas sim se a condição de humanidade poderia prescindir da sociabilidade e seguir em frente numa existência solitária, independentemente da opinião e companhia alheia: algo como uma existência 'autista', por escolha consciente, se isso fosse possível.

Ah, lo previdi não está aqui à toa, mas sim em busca de mais uma nuance a compor o referencial narcísico do eu nominável que aqui escreve. Veio pela primeira vez à escrita em setembro de 2006, buscou um instante de janeiro de 2007 para ilustrar essas ponderações e suas próprias interrogações, desde sempre.

Um eu que lembra de Ken Wilber, quando diz: "O valor de algo é aquele que as pessoas lhe atribuem e cada pessoa tem um padrão legitimamente diferente de atribuir valor. No final, a única justificativa para uma crença se resume na frase 'justificado por mim' (em "Uma Teoria de Tudo", pág. 27, Ed. Cultrix-SP).

Um eu que aqui continua a interrogar, nas palavras M.D.Magno: "A alienação, seguindo Lacan, é a operação essencial que liga-se à constituição do sujeito no campo do Outro, determinando a captura do sujeito pelo significante, ou seja, " ... condena o sujeito a só aparecer nessa divisão que venho, me parece, de articular suficientemente ao dizer que se ele aparece de um lado como sentido, produzido pelo significante, do outro ele aparece como afânise." (4) A cisão original do sujeito o divide entre S1 e S2 , ou seja, ele cai como efeito da articulação dessa bateria significante mínima. O sujeito como um S1 é transformado em "nada", petrifica-se, é incapaz de aceder à palavra, ao passo que o S2 outorga-lhe sentido e, ao fazer isso, apaga o ser, produzindo a afânise, ou fading do sujeito. "No vel alienante, se o sujeito escolhe o ser, perde o sentido e se escolhe o sentido, se produz sua afânise e perde o ser; na interseção, mordendo sobre os dois campos, entre o campo do sujeito, o do ser, e o campo do Outro, o do sentido, está o sem-sentido, onde se situará o inconsciente. É uma escolha que implica necessariamente uma perda, cujos exemplos são "a bolsa ou a vida" ou "a liberdade ou a morte" ..."(
5)

A partir dessas palavras, incontestável estarmos em tempo que urge a reflexão sobre a responsabilidade de cada um sobre a sua diária contribuição para evitar a combustão que se prenuncia, nesse frente-a-frente. Em quais valores assentamos nossas relações afetivas, familiares e sociais, considerada a nossa singular responsabilidade pela liberdade de nossas escolhas? Ou seja: até onde alcança a nossa liberdade de escolha, quando se trata da responsabilidade pelas perdas sociais já consumadas? Um social que basta de mais um para existir, mas apenas com o terceiro pode prosseguir.

E para concluir, um pouco de interser, por Monja Cohen (in http://monjacoen.com.br/interser.htm):

" Era o entardecer. Tudo estava silencioso a não ser por alguns pássaros. Vesti os hábitos formais, acendi um incenso de sândalo que trouxera, fiz um pouco de chá e enquanto o bebia lentamente puz-me a olhar para a palha de arroz que forrava o chão de todo o aposento.
De repente percebi o chão vivo. A palha de arroz era um grande arrozal. O vento balançava as longas hastes douradas. Foi tudo muito rápido, mas muito vívido. Pouco depois o chão voltou a ser palha de arroz antiga, já um pouco desgastada pelos anos de uso, mas ainda em muito bom estado. Pensei em todas as pessoas que aqueles tatami suportaram e as que ainda servirão e senti uma grande reverência pelos campos de arroz.
A interdependência, ensinada nos textos sagrados, está em toda parte. O arroz só é possível se houver água, sol, nuvem, sapos que coaxam nos verões à sua volta, senhoras idosas de costas curvas pelos anos de constante plantar e colher. O arrozal existe se houver crianças correndo, varais de roupas coloridas, minhocas, e até nossos pensamentos e sentimentos. Tudo interligado, interconectado e vivo. O arroz é feito de coisas não arroz. Cada um de nós existe graças a todos os não-nós. Palha de arroz. Tatami. Vislumbre breve do milagre de interser."




Foto Liana Schulman, jan/2007, CWB.

Referências sobre a composição da Ópera Andromeda e de sua mítica história retiradas de informações via google (
http://asianyouthorchestra.com/public_html/ayo%20new%20site%202/Note%20--%20Previdi.html). Post que começou a ser ensaiado em setembro de 2006, mas que só arriscou vir à tona nesse fevereiro de 2007.

quinta-feira, agosto 10, 2006

Desvelo : uma música para os amigos comumente perdidos.


Desvelo : uma música para os amigos comumente perdidos.


Desvelo é o nome de uma música da Banda Stella-Viva, de um grande amigo, o Julinho. Para escutá-la é só acessar> http://www.tramavirtual.com.br/artista.jsp?id=20774

A letra de Desvelo eu reproduzo abaixo e confesso: música de letra triste, só aprecio as que evocam saudades de momentos felizes. Mas se aqui está ela, o faço pelo incentivo àqueles que não fecham as portas para as realidades que existem, para alguns mais, para outros menos; às vezes só uma vez ou outra, às vezes mais do que deveriam. E para o que há, independentemente do que seja, nada melhor do que fazer arte. Aqui, musical. Uma música cuja letra me causa estranheza, não me dá vontade de cantar. Mas seu ritmo insistiu em mim e voltou para martelar um pensar: será que o eu é, no final de todas as contas possíveis, valorável? Soa estranho dizer eu não valho, em tempos onde a felicidade parece sinônimo de reconhecimento. Reconhecimento de um eu, um eu egóico. Há correntes do pensamento que defendem a transcendência do eu. E aqui eu pergunto novamente: um eu que continua em busca de ser valorado? Há correntes do pensamento que equivalem a condição de cidadania da nossa modernidade ao poder de consumo. E aqui eu pergunto também: a que condição é passível de ser valorado quem não tem poder de consumo? Escravos de valores e fiéis a valores, eis mais uma questão de valoração nesses viéses da subjetividade, a pincelar a realidade!
Confira a letra:



Desvelo - Stella-Viva

Eu não valho

Eu dou um abraço amigo
Como um ente perdido

Eu não valho

Eu dou abraços em amigos
Como em entes perdidos

Eu não valho

Se alguém sentisse essa dor,
Do que vale um carinho?

Eu não valho

Procuro saber de
amigos
Comumente perdidos


Release/Histórico

Stella-viva é uma corrente de pensamento entre amigos. Iniciada em 2003, a banda hoje é formada por Rafael Costa (baixo e voz), Marcel Cruz (percussão), Fernando Rischbieter (guitarra e voz), Sérgio Monteiro Freire (guitarra e voz) e Júlio Epifany (bateria). O repertório constitui-se de composições próprias que resgatam a canção popular. As melodias jogam com o frenesi dos ritmos urbanos buscando a expressão (e porventura a relevação) do contexto em que vivemos. O conjunto disso é uma sugestão estética. Aprove como quiser.

A foto que ilustra o post retrata uma obra de Ron Muek. Eu não consigo por hora imaginar algo que combine mais com a letra de Desvelo. "Que diz Mueck? com esse homem imenso, acuado, embrutecido, fortaleza e derrota, desprezo e auto-desprezo, desesperança e entrega, força e fraqueza: o peso de todo o mundo está em sua carne e em seu rosto - o peso do seu Tempo e de sua cidade, dos modos e dos meios que o circundam e o encurralam contra a parede. Mueck fala do seu próprio Tempo, conduz o olhar do observador não para novos valores, mas para as conseqüências dos seus próprios valores, insculpidas na carne e nos gestos." (in http://caiusflammae.livejournal.com/20525.html, onde podem ser encontradas mais referências sobre o artista e sobre o autor do comentário, esse também um amigo, ambos admiráveis, cada um à sua maneira.)

Para terminar, cito Ken Wilber ("Uma Teoria de Tudo", pás. 81/83, ed. Cultrix): "necessitamos ao menos fazer uma distinção entre a espiritualidade horizontal ou interpretativa (que procura dar sentido e conforto ao eu separado e, dessa forma fortalecer o ego) e a espiritualidade vertical ou transformativa (que busca transcender o eu separado para alcançar um estado de consciênca não-dual e unitário, que está além do ego)."

terça-feira, julho 25, 2006

Sonhando AmarEla, uma tragédia grega.








Ali me revi.
Dirigindo as suas largas avenidas...
Parecia que tinha novamente sobre mim
Um céu diferente, de horizonte aberto e sol radiante,
Feito ela a me dizer:
Em mim a felicidade está mais próxima.

Leda leda sensação,
Como ledo o sonho?!


É amarela
A cor da natureza morta.
A mesma cor do ciclo
Amargarela as minhas entranhas.

AmarElas,
AmarElas...

Pois hoje acordei com a barriga emperrada,
Emburrada de tão empedrada...
Quase paralisada,
A me sorrir amarelada.





Fotos por Ketty El Hajjar, em Atenas, Kefalonia, Itaka e Zakintos, na Grécia, em junho/2006. O mar azul é para brindar com um sabor diferente àquelas cidades quentes e ensolaradas, sempre a prometer em suas miragens que depois daquela curva, logo ali, ele estará lá, já sabendo que não estará. E para noa, rezo Cazuza: se não tem, a gente inventa.

quinta-feira, julho 20, 2006

O VÔ








Hoje vou falar dos pais. Do vô, do pai, do filho e da filha... e assim por diante, nessa cadeia sucessória que nos encadeia a todos, desde sempre, uma vez nascidos.

O vô é meu. O pai é do seminarista. O seminarista em vias de entregar o seu ofício a Deus Pai.

O pai cai, na calçada, antes de chegar à cerimônia do filho. O vô o vê, ali, caído. Os transeuntes, saindo da missa, também. Eles passam, mas o pai continua lá, transvestido de um cabra qualquer, caído na sarjeta, talvez por culpa do ócio ou da bebida. Ora ora o que não são as evidências!

Não para o vô. O vô vai até ali, desatendendo ao chamado da filha, para não ficar se envolvendo com 'coisas assim'. Mas o vô, ali também pai, diz: minha filha, pode ser alguém precisando de ajuda. E foi-se até o outro pai.



Ali se encontraram todos os pais. O da filha, o do padre e Aquele que dizem sempre onipresente. O pai do seminarista, então já padre, tinha tido um ataque do coração antes de chegar à cerimônia. Foi salvo. Não pelos pais, supostamente cristãos, que por ele passavam ali no chão. Não, foi salvo pelo vô, conhecido e 'temido' comunista. Não, certamente, por ajudar aos comuns. Isso deduzo eu por ter ele recebido em casa a extra unção do então Arcebispo Albano Cavallin, quando já se despedia de nós, antes de se aventurar em nova viagem, de destino desconhecido. Ah, esse vô, sempre tão cheio de vida!

O vô? Era assim que eu e todos os meus afins - nós, a criançada, o chamavam, sempre para brincar. Olha o ovo, olha o ovo. Menina, eu não sou ovo! Eu sei, ô vô!

Fotos antigas, retiradas das minhas lembranças registradas, passadas no Bairro do Seminário, que foi assim batizado justo porque ali nas redondezas havia um Seminário, para a formação de padres católicos. Aa rua que se vê ao fundo fazia parte da Rota dos Tropeiros, que existia já na época do Brasil Colônia. Haja chão, desde então... enquanto isso, ainda fico a questionar: quem veio antes, o ovo ou a galinha, ô vô?

segunda-feira, maio 29, 2006

Para o porvir

"A saudade, antes mesmo da separação, adoça a amizade com sabor de inestimável." *



Por Euzinha

sexta-feira, maio 26, 2006

Hit Parede, for books





Antecipo aqui o que sempre gosto de dizer: "Um bom título fala por si só". Digo isso, é bom explicar direitinho, para inaugurar aqui um cantinho para os livros, esses amigos sempre tão presentes e companheiros para quem aprecia o metiê. E em homenagem à Arte da Leitura, inicio aqui um novo tópico. O título, creio, fala por si só! :))


Hit Parede

"Os mistérios da Trindade", por Dany-Robert Dufour, Editora Companhia de Freud, ed. 2000.



Breves Comentários: O livro me chamou a atenção, quando de um congresso sobre Direito e Psicanálise, ocorrido em Curitiba, novembro de 2000. Um dos organizadores foi Norberto Irustra, nome ao qual já me referi num post antigo, entitulado 'A janela d'alma'. Nesse congresso, que é o mesmo que dizer congregação, tive o imenso prazer de ser apresentada a grandes idéias, como as professadas por Philip Julien, Enrique Dussel e Dany-Robert Dufour.

Bem, continuando com Dany...

I - Sobre o Dany

Dany-Robert DUFOUR nasceu na França em 1947. É professor na Universidade de Paris 8, onde leciona filosofia da linguagem, da estética e da educação, levando em conta a descoberta freudiana. Trabalha sobre as diferentes formas de simbolização, das quais isolou três: as formas unária, binária e trinitária, operantes em campos de pensamento extremamente diferentes. A publicação, na França, deste livro sobre o binário e o trinitário alcançou grande público entre os psicanalistas lacanianos. Serge Leclaire, em especial, deu ao trabalho uma calorosa acolhida.

II - A dedicatória do livro:


To you...

Eis um bonito trio,
e dizer que tudo isso só faz um,
e que este um não faz nada.

Becket, Nouvelles et textes pour rien


III - A introdução...

"Proponho-me, neste estudo, abordar um tema que irá parecer estranho aos espíritos científicos de hoje. No entanto, este tema parece-me introduzir considerações capitais na história da cultura. O homem é trinitário. Quem diz ‘trinitário’ evoca, decerto, o dogma central da religião cristã, o mistério da Santíssima Trindade. Mas esta árvore imponente e duas vezes milenar não deve ocultar a floresta: tentarei mostrar que a ‘trindade’ existe também, sob formas específicas, nos politeísmos e em outros monoteísmos. E mais: não somente ela é constante no campo narrativo, simbólico e religioso, mas é igualmente identificável como forma filosófica, lógica, lingüística, clínica... Existe um pensamento trinitário que conheceu múltiplas atualizações.
Poderíamos ver neste tema um simples pretexto para exibir uma erudição, divertindo-se com as delícias de um ‘comparativismo ampliado’. De fato, é uma questão de urgência que este tema vai encontrar: o homem trinitário está em vias de desaparecer. O velho homem trinitário, com efeito, está abdicando progressivamente de seus poderes, em benefício de um outro, mais ‘jovem’: o homem binário. O binarismo, apesar de mais recente, tampouco nasceu ontem. Ele é produto de um pensamento nascido na Grécia há mais de 2500 anos, cultivado inicialmente por pequenas sociedades marginais (o pitagorismo, o orfismo...), depois construído como sistema pelo platonismo e desde então levado a suas mais extremas conseqüências com uma coerência rigorosa. A forma binária que domina hoje é o resultado de uma longa evolução, no decorrer do qual forjaram-se as grandes categorias da razão com que se armou o Ocidente: o dualismo, a dialética, a causalidade e, nos dias de hoje, o cálculo binário... Na aurora do século por vir, parece que nosso século terá sido aquele em que o homem binário, depois de uma luta duas vezes milenar com o homem trinitário, apossou-se irreversivelmente das rédeas: não todas, mas quase. Hoje, o homem binário transforma o mundo graças à eficácia inscrita nas redes da binárias das ciências tecnológicas: serve-se da forma algorítmica, quintessência da binariedade (informática, inteligência artificial), para criar em todos os domínios (produção, administração, saúde...) processos artificiais de grande amplitude; ele sabe, de agora em diante, em que língua são escritos os programas naturais do ser vivo (biogenética) e, mal decifrou fragmentos desses programas naturais binários, neles começou a intervir (gênio genético).
Confiando-se ao pensamento binário, mais que ao pensamento trinitário, não se pode simplesmente dizer que o homem esteja hoje mudando de objeto de culto: ele não substituiu os deuses dos politeísmos ou o Deus único dos monoteísmos pelo culto recente das tecnociências binárias. Ele muda de mundo, muda o mundo, muda de representação do mundo, muda de espírito, muda de cultura. Mas, sobretudo, muda a si mesmo. Torna-se outro. Hoje, a enigmática profecia de Zaratustra, lançada há uns cem anos em direção ao nosso século, assume subitamente uma terrível atualidade, extremamente carregada de sentido:

(...) gosto de me assentar sobre igrejas em ruínas
Oh! Como não cobiçaria eu a eternidade (.)
Como caracterizar esses dois homens em luta?

(...) atualizações no decorrer

IV - Introdução, excertos...

"... Não tenho predileção alguma pelas revelações; ao contrário, suspeito dos famosos episódios catárticos da vida espiritual: a noite mística de Pascal de 23 de novembro de 1654... aquele dia de outono de 1882 em que Nietzsche, caminhando pelas montanhas da Riviera italiana do Levante, 'seis mil pés acima do homem e do tempo', descobriu a criança que carregava há dezoito meses, tal como uma 'fêmea de elefante': o Eterno Retorno... a noite do ano de 1946, quando Beckett, perdido na charneca irlandesa, à beira de um cais em plena tempestade, encontrava-se com a sua escrita: uma voz busca, na escuridão, alguém para fazê-lo confessar: sim, EU me lembro... Não sei por quê, mas só apreendo, desses acontecimentos infinitamente pungentes, seu lado grandiloqüente e quase cômico... Se, naquele dia, a coisa trinitária me aparecia, se eu emprestava minha voz ao Outro, é que nos meses precedentes havia trabalhado um pouco além das minhas forças. Ali, diante de Groix, fui tomado pelo riso; mais ainda, quando me voltou à mente um dos artigos do 'Dictionnaire abrangé du surréalisme, de Breton: 'Je suis le devoir du tri-Mystère, tri mystère du Finistère, des Trelendious e des trédious, des trébendious...' , etc. Os caminhos do SENHOR me seriam para sempre impenetráveis... Mais valia decidir esquecer... o tri-mistério do Finistério...

Cinco anos depois, aqui está este livro, entitulado 'Os mistérios da trindade' - notem bem: 'mistérios', no plural, 'santíssima' elidido e 'trindade', em minúsculas. Estou descansado, atualmente isento de qualquer presunção de depressão pós-parto - afecção que atinge numerosos animais intelectuais, do camundongo ao elefante, obrigando-os , após o parto, a se aferrarem de modo tragicômico a asserções tão decisivas quanto cacofônicas. Considero sempre suspeita a cegante claridade das revelações. Não fiz nenhum progresso pessoal na via da salvação eterna. Mas, durante cinco anos, não cessei de construir armadilhas para tentar capturar e identificar a coisa trinitária mal-entrevista no momento em que eu desviava o olhar. E devo dizer que as múltiplas verificações que efetuei, às vezes até a obsessão, para rastrear isso que havia então vagamente percebido, em lugar de me convencerem a cessar de correr atrás de uma quimera, levaram-me finalmente bem mais longe do que teria ido, se soubesse: hoje estou certo de que, se a trindade assombra nossas ciências da linguagem, é simplesmente porque ela se aloja na nossa própria língua. Em uma palavra, digo agora que a língua natural, aquela que vocês e eu falamos todos os dias, é habitada pela trindade . Em outros termos: queiramos ou não, como sujeitos falantes, somos sujeitos do trinitário.

quinta-feira, maio 25, 2006

Bitchology


BITCHOLOGY

No dia 4 de julho de 2005 recebi de uma querida amiga, a Dê, um email. O texto é em inglês e prefi publicá-lo hoje aqui sem tradução da língua materna em que recebi a msg. Isso para preservar certas nuances que uma tradução não alcança.

When I stand up for myself and my beliefs, they call me a bitch.

When I stand up for those I love, they call me a bitch.

When I speak my mind, think my own thoughts or do things my own way,
they call me a bitch.

Being a bitch means I won't compromise what's in my heart. It means I
live my life MY way. It means I won't allow anyone to step on me.

When I refuse to tolerate injustice and speak against it, I am defined
as a bitch.

The same thing happens when I take time for myself instead of being
everyone's maid, or when I act a little selfish.

It means I have the courage and strength to allow myself to be who I
truly am and won't become anyone else's idea of what they think I "should"
be.

I am outspoken, opinionated and determined. I want what I want and
there is nothing wrong with that!

So try to stomp on me, try to douse my inner flame, try to squash
every ounce of beauty I hold within me. You won't succeed.

And if that makes me a bitch, so be it. I embrace the title and am
proud to bear it.




B = Babe
I = In
T = Total
C = Control of
H = Herself

B = Beautiful
I = Intelligent
T = Talented
C = Charming
H = Hell of a Woman

B = Beautiful
I = Individual
T = That
C = Can
H = Handle anything


* Foto tirada no RJ, Baile Funk, Fundição Progresso, Verão de 1997?! Depois confiro se essa fotinho é tãooo antiga assim!


II - Ô Juquinha...

O Juca é um antigo amigo, que conheci dentre inúmeras braçadas, por anos a fio... de fio a pavio! Haja fôlego, Juca, pois já pensou se a palavra "aja-já" cai em desuso?! Af, Maria, Ave, Ave!!

Como sempre, registro aqui, publicamente, o meu eterno amor por você, caríssimo amigo! Pois há amigos que, mesmo longe dos olhos e do contato trivial ou mesmo virtual, nos surpreendem a cada dia, comungando as nossas idéias de todos os santos dias!



[ ]'s Juca

Rumorejando
Pequenas constatações, na falta de maiores

José Zokner (Juca) [27/05/2006]



Constatação I

Desfila,

Na passarela,

Com graciosidade,

Vestida com cetim

De cor carmesim

A linda manequim.

Os chamados

Marmanjos,

Os barbados,

Sentados

Desde a primeira

Até a última

Fila,

A despem

Com olhares cobiçosos,

Sonhando

Com arranjos

Para jantarem,

Se possível,

E de modo indefectível,

Se acostarem

Com ela.

Coitados!

As senhoras,

Cheias de nove horas,

De qualquer idade,

Da penúltima

À décima terceira,

Com olhares invejosos,

Ar de extasiadas,

Ficam imaginando

Que se vestem

E ficam iguais,

Tais e quais

À feminilidade,

A leveza,

A beleza

Dela.

Coitadas!

Constatação II

Deu na mídia: “O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, anunciou uma campanha de seu governo contra o comportamento anti-social, prometendo duras multas para pessoas que tornem a vida de seus vizinhos um inferno, e aos que incomodam os demais com ruídos insuportáveis”. Data vênia, como diriam nossos juristas, porém Rumorejando acha que os bons exemplos devem ser adotados por todos os países, inclusive o nosso, onde não se respeita nada, em geral e, por exemplo, a Lei do Silêncio, em particular.

Constatação III

Ainda que foneticamente soe absolutamente igual, não se pode confundir ascender com acender, muito embora o que se vê de gente ascender por aí, com más intenções, faz a gente acender a ira o que, cá entre nós, não leva a nada, porque entra governo, sai governo e tudo fica na mesma. Exceto, claro, para quem ascender com as retro mencionadas más intenções. A recíproca, dependendo do caso, pode ser verdadeira. Por exemplo, o cidadão, antes de sair, ascender para o segundo pavimento a fim de acender a luz do pátio para mostrar ou dar a impressão que tem gente em casa ou algo assim.

Constatação IV (Coisas, fatos e desculpas da idade provecta).

E como disse o sexagenário, quase septuagenário, pra gatona: “Não posso aceder ao teu gentil convite para ir com você pro motel porque o dever me chama. O dever de ir para casa dormir, se não perco a hora e me dá insônia”.

Constatação V

Não se pode confundir destaque com desataque, muito embora quem preconize um desataque, nesse mundo violento, jamais ficará em destaque, já que aquele, o desataque, nos dias de hoje, praticamente já não existe, pois a violência, que a população tem sofrido, ficou banalizada. A recíproca é, em muitos casos, verdadeira, basta ver, por exemplo, uma gata sair em trajes sumários na rua, ou sem os mesmos para ver o destaque que ela virá a ter. O desataque, certamente, em tal caso, não virá dos moralistas e, muito menos, se ela, a gata, estiver numa praia onde se pratica o naturismo.

Constatação VI (Quadrinha pra ser declamada em festa infantil).

Montei no meu cavalinho de brinquedo

Pra me balançar pra cá e pra lá.

De um coice, não fiquei com medo:

Ele é bonzinho como o meu gato angorá.

Constatação VII

Rico sugere; pobre se intromete.

Constatação VIII

Rico vive em mansão suntuosa; pobre, em choupana despojada.

Constatação IX

Rico leva a fama; pobre, a pecha.

quinta-feira, maio 18, 2006

O ar rarefeito das montanhas influencia a mente de uma forma necessariamente alucinógena?

Sem maiores explicações para o inexplicável, hoje, 19.5.2006, com a devida atualização sobre o tema.


Mas antes, o que deve nos guiar o entendimento: "Nós que ficamos, rogamos para que os nossos corações, repletos de amor e fé, possam nos confortar e nos acalmar. E assim dizer olá aos nossos amigos, amores e familiares que nos antecederam no percurso."







Alpinista brasileiro morre no Monte Everest

Vitor Negrete alcançou topo da montanha mais alta do mundo sem oxigênio. Ele morreu na descida
O alpinista brasileiro Vitor Negrete faleceu nesta sexta-feira após escalar o Monte Everest, no Nepal. Vitor conseguiu atingir a face norte do ponto mais alto do planeta, com 8.860m, sem o auxílio de oxigênio.


O corpo de Vitor foi encontrado na trilha de descida, a aproximadamente 8.300m de altura, por outros alpinistas. O companheiro de Vitor na escalada, Rodrigo Raineri, não estava em boas condições físicas e não tentou o ataque ao cume.

A expedição dos brasileiros entrentou problemas nos últimos dias. O inglês David Sharp, que fazia parte do grupo, morreu na montanha na terça-feira. O malaio Ravi Chandran teve congelamento dos dedos das mãos e desceu para receber atendimento médico.

- Todos estes acontecimentos me abalaram muito e pensei seriamente em desistir e descer. Mas o Ravi disse-me para fazer cume por eles - disse Negrete na terça-feira.

Na quarta-feira, Negrete decidiu subir, dispensando o apoio do guia local e sem o auxílio de oxigênio.

- Estou subindo totalmente só. Prometo que tomarei muito cuidado - disse Negrete.

Globo Online


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Hoje (18.5.2006) reproduzo aqui, infelizmente ainda sem as fotos, uma reportagem sobre um incidente que atravessou a vida de muitos. E, felizmente graças à ações de graça, poderá sempre ensinar a muitos.


Em breve prometo trazer aqui fotos digníssimas e respeitabilíssimas ao que há de mais belo em nós, acessível a todos aqueles que já conseguiram desvelar o reflexo dessa beleza dispersa nessa toda natureza que nos cerca.

Enjoy, por hora, apenas em palavras. Logo logo virão as imagens, que dizem muito mais do que quaisquer palavras.

Aviso prévio: as imagens possuem forte conteúdo alucinógeno, razão pela qual recomenda-se não serem visualisadas por menores de 18 anos e por todos os que são veemente contra substâncias de qualquer natureza que tenham esse condão de modificar a realidade, colorindo e alucinando sobremaneira o jeito a que estamos acostumados a ver a vida como a gente sempre achou que ela é.

Se quiserem arriscar, acessem então. Mas não digam que eu, como mui amiga, não avisei :))

http://picasaweb.google.com/dalinho1


Bacci :))



Recordar sempre, e como dizia nosso ja saudoso Renato Russo, "..é tão estranho os bons morrem jovens."

Tragédia anunciada (11/02/98)
Alpinistas brasileiros desafiam conselhos e adversidades e morrem em avalanche nos Andes
Roberta Paixão, de Puente del Inca


A última foto: Ronaldo, Alexandre, Mozart, Dálio e Othon posam ao pé do Aconcágua

Faltavam poucos minutos para as 8 horas da noite de terça-feira, o sol ainda brilhava forte sobre a Cordilheira dos Andes, quando o rádio VHF do montanhista paranaense Dálio Zippin Neto, 30 anos, começou a emitir ruídos. Deitado dentro de uma barraca cravada sobre uma plataforma de gelo, a 4.000 metros nas encostas do Monte Aconcágua, na fronteira da Argentina com o Chile, Dalio estremeceu ao atender ao chamado. "Por favor, alguém nos ajude, houve um acidente grave", gritava do outro lado Othon Leonardos, um brasiliense de 23 anos. "O Mozart morreu! O Mozart morreu!", repetia. "O Alexandre está lá embaixo!"

Naquele momento, Othon estava pendurado sobre um abismo, seguro apenas por uma corda que lhe estraçalhava os músculos da perna. Abaixo dele, dois outros montanhistas os cariocas Mozart Catão e Alexandre Oliveira estavam mortos. Os três foram colhidos por uma avalanche de pedras e gelo quando tentavam alcançar o cume do Aconcágua, a montanha mais alta da América do Sul, com 6.959 metros. Quando o acidente aconteceu, Othon, Mozart e Alexandre estavam a 6.150 metros, a apenas 800 metros de seu objetivo. Dálio e outro integrante da expedição, o também paranaense Ronaldo Frazen Júnior, tinham ficado no acampamento-base, a 6 quilômetros de distância, e se salvaram.

Quando a avalanche aconteceu, Mozart e Alexandre foram arrastados montanha abaixo. Othon ficou pendurado por uma corda de 60 metros com o corpo virado para o paredão gelado. Nessa posição, conseguiu pegar o rádio na mochila e discar o número 142800, a freqüência do Parque Provincial do Aconcágua, na qual seus companheiros do acompamento-base estavam sintonizados. Suspenso sobre o abismo, com as pernas quebradas pelo impacto da corda na hora da avalanche, ele ainda conversou com Dálio e Ronaldo pelo rádio durante duas horas e meia. Depois morreu congelado. "Quando o rádio parou de fazer ruído, por volta das 22h30, percebi que não havia mais esperança", contou Dálio a VEJA no vilerajo argentino de Puente del Inca, situado na base do Aconcágua, na última sexta-feira. "Antes de morrer, ele me pediu para dizer ao pai e à mãe que os amava. Também pediu que tomássemos uma garrafa de vinho por ele. Depois ficou em silêncio."

Imprudência O que produziu a tragédia da semana passada nos Andes foi em boa parte resultado da imprudência. Os cinco brasileiros tinham ido aos Andes com a missão de escalar o Aconcágua pela chamada face sul. É um percurso considerado muito perigoso, não tanto pelo esforço exigido na escalada, mas pelos riscos que envolve. O trecho em que se encontravam os alpinistas é uma parede vertical de rocha e gelo açoitada por ventos fortíssimos. À noite, a temperatura cai para 30 graus negativos. O pior são as avalanches. Nesta época do ano, elas acontecem ao ritmo de dez por dia, o que torna qualquer tentativa de chegar ao topo um desafio extremamente arriscado.

Além do gosto puro e simples pela aventura, os brasileiros estavam no Aconcágua motivados pelo dinheiro do patrocínio. Mozart Catão, o chefe da expedição, tinha um contrato de 90.000 reais com a Petrobrás pelo qual se comprometia a divulgar o nome da empresa em todas as aparições em fotos e vídeos. Pelos termos do contrato, ele recebeu parte do dinheiro antes de partir. A outra receberia só na volta, com a condição de conseguir chegar ao topo da montanha. "Nós queremos retorno em mídia, se a expedição não vai para a frente nós cancelamos o contrato", diz Milton Costa Filho, coordenador de projetos internacionais da Petrobrás. "Quando chegamos a Mendoza, na Argentina, o Litos Sandres, um montanhista que já fez a face sul, recomendou que não fossemos", conta o sobrevivente Dálio. "Disse que seria uma roleta-russa. Mas o Mozart queria porque daria mais divulgação."

Rivalidade Dos três alpinistas mortos, Mozart era o mais experiente. Tinha sido o primeiro brasileiro a chegar ao topo do Monte Everest, a montanha mais alta da Terra, em 1995. A façanha foi realizada junto com o paranaense Waldemar Niclevicz, mas os dois brigaram logo depois de descer do Everest. Rivais desde então, estavam envolvidos numa corrida na qual cada um pretendia ser o primeiro brasileiro a escalar o ponto mais alto de cada um dos sete continentes. Waldemar havia completado o desafio em novembro do ano passado, ao escalar o Monte Carstenz, na Indonésia. Mozart, que não tinha conseguido autorização do governo indonésio para escalar o Carstenz também a única montanha que lhe faltava , decidiu dar o troco propondo ao seu patrocinador o projeto para se tornar o primeiro brasileiro a superar a face sul do Aconcágua. "O que matou Mozart foi a disputa que ele travava com o desafeto Waldemar Niclevicz", diz o empresário Oskar Metsavaht, amigo de Mozart.

Desde 1926, ano em que a estatística começou a ser feita, o Aconcágua já matou 85 montanhistas 79 homens e seis mulheres. Somente nesta temporada, que começou em novembro e vai até o fim de fevereiro, morreram oito. Entre as vítimas está o capitão do Exército brasileiro Vércio Yudi Fujihara, 37 anos. Ele desapareceu no início de janeiro, quando subia a Rota dos Polacos, na face leste. Fazia parte de uma equipe de três montanhistas. No meio da escalada, o mau tempo fez com que seus dois companheiros desistissem. Fujihara continuou sozinho e nunca mais foi visto. Nos últimos sete anos, a afluência de visitantes ao Aconcágua tem crescido cada vez mais. "O problema é que virou moda", reclama Pablo Perelló, chefe da guarda do parque onde está situada a montanha. "As agências de turismo vendem o monte como lugar de trekking. E ele não serve para isso." Das 2.800 pessoas que passaram por lá neste ano, apenas onze se aventuraram pelas escarpas da face sul. Entre elas estão os três brasileiros mortos na semana passada.


Foto: Divulgação Foto: Roberto Jayme
Mozart Catão, no Everest, e com Niclevicz, em Brasília: façanha e rivalidade

Corpos de alpinistas não serão resgatados
Companheiros de escalada deram depoimentos sobre o alpinista Waldemar Niclevicz
Ele foi o primeiro ...


O primeiro alpinista a chegar, oficialmente, ao cume do Aconcágua foi Matthias Zurbriggen, em 1897. Existem, no entanto, evidências arqueológicas de que suas trilhas eram freqüentadas por tribos indígenas da região, como os aimarás e os incas. Estes últimos deram à montanha o nome de Aconcahua, que em quíchua quer dizer sentinela branca. Existem três maneiras de atingir o cume da montanha: pelas faces oeste, leste e sul. As duas primeiras são as mais fáceis e numa delas praticamente não há escalada. Chega-se ao pico caminhando. A face sul é diferente. O trajeto alterna geleiras o ano inteiro, inclusive no verão, com trechos em rocha. "As técnicas e equipamentos para escalada em rocha e em neve são muito diferentes, e essa mistura torna a face sul muito complicada", diz o paulista Luiz Alberto Martinez, que há dez anos escalou o Aconcágua.

Tontura e vômito O maior perigo, no entanto, são as mudanças bruscas no clima. A montanha é continuamente varrida por ventos de mais de 200 quilômetros horários e, neste ano, em função do El Niño, as geleiras no topo estão muito instáveis, resultando em freqüentes avalanches. O paulista Luiz Makoto Ishibe, 37 anos, um dos mais experientes montanhistas brasileiros, conta que esteve na face sul do Aconcágua duas vezes, mas cancelou a subida por causa do mau tempo. Numa das ocasiões, esperou dez dias até que os ventos amainassem. "Não existe escalada com hora marcada", diz ele. "A montanha não tem horário. Se entrar mau tempo, não se enfrenta a montanha, simplesmente se espera." Antes da viagem dos cinco brasileiros à Argentina, Makoto conversou com Ronaldo Frazen, seu amigo, e aconselhou-o a não continuar a aventura se estivesse nevando. Ronaldo desistiu da subida e salvou-se. Waldemar Niclevicz também esteve duas vezes na face sul do Aconcágua e não chegou ao topo. As tentativas terminaram sempre debaixo de impressionantes tempestades de neve. "Para subir a face sul é preciso que o tempo esteja muito bom", diz Niclevicz. "Não pode haver nevasca nem sol forte."

Dálio e Ronaldo, os dois sobreviventes da tragédia, contam que desistiram de ir até o topo quatro dias antes porque não conseguiram se aclimatar à altitude. "Comecei a sentir tonturas e ânsia de vômito e percebi que não conseguiria ir até o fim", conta Dálio. No momento do acidente, Mozart, Alexandre e Othon estavam na Rampa Messner, um platô de gelo, onde montariam o acampamento para passar a noite e tentar vencer os 800 metros finais no dia seguinte. Ao ouvir o chamado de Othon pelo rádio, depois do acidente, Dálio e Ronaldo pediram ajuda à polícia da montanha. Foram informados de que, àquela hora da noite, não havia meios de levar nenhum socorro ao local. Sem alternativa, os dois ficaram tentando animar o companheiro pelo rádio. "Falamos para ele tentar pegar na mochila o saco de dormir e o bivaque, um isolante térmico", conta Ronaldo Frazen. "Ele pegou, mas não conseguiu colocá-lo e jogou a mochila fora." Com o cair da noite, por volta de 9 horas, o frio aumentou. Nesse momento, Othon relatou que já não sentia os pés e as pernas congeladas. "Depois ele foi ficando cada vez mais cansado e sua voz foi sumindo", contou Ronaldo na sexta-feira. "No dia seguinte, ainda dava para ver de binóculo dois pontos amarelos na montanha. Eram as roupas deles sobre o gelo."

Manobra fatal
A cada verão europeu, os Alpes transformam-se num parque de diversões mortal. Sessenta pessoas, em média, morrem a cada temporada escalando montanhas. A maioria dos acidentes é causada por imprudência dos montanhistas. Nada se compara, no entanto, à tragédia ocorrida na última terça-feira na estação de inverno de Cavalese, na província de Trento, norte da Itália. Em vôo rasante, um avião da Marinha americana se chocou com os cabos de aço que sustentavam o teleférico da estação, causando a morte de vinte turistas. O avião, um EA-6B Prowler, voava a apenas 90 metros do chão, desrespeitando as regras de segurança para vôos de treinamento, que estipulam altura mínima de 300 metros do solo naquela região. Os vinte mortos estavam na cabine do teleférico que os levava ao topo da montanha. Uma segunda cabine, que fazia a descida só com o condutor, ficou pendurada por uma hora até a chegada do helicóptero de resgate. O avião americano tinha decolado da Base Aérea de Aviano, localizada entre Veneza e Belluno, em missão de treinamento, levando o piloto e três técnicos. Depois do desastre, foi recolhido para um hangar da base de Aviano, onde está sendo vigiado por fuzileiros navais americanos e guardas italianos. Apesar do choque com os cabos de aço, o aparelho sofreu apenas pequenas avarias na parte superior da cauda, o que indica as manobras do piloto para cruzar a estrutura do teleférico por baixo.


Com reportagem de Altair Thury Filho,
do Rio de Janeiro, Franco Iacomini, de Curitiba,
e Maurício Cardoso, de São Paulo

Fotos que aparecem nesse post tiradas e publicadas por Dalio Zippin Neto.

A primeira e a terceira fotos foram tiradas quando do curso Wilderness First , em Tumalo State Park, Painted Hills, Smith Rocks, tudo isso na região do Central Oregon, Bend/Redmond e publicadas pelo autor em maio de 2006. O segundo click foi feito em Chalten 2, Patagônia, Argentina, fevereiro de 2006.

terça-feira, abril 04, 2006

Comunidade entre os Homens & Exército






Raspei cabelo,
Untei corpo,
Pintei cara.
FIGHT!*


E hoje, dia 24/05/2006, acrescento:

Parece que hoje
Vejo
como vi
A mim, desse jeito
como vi!
Mesmo d'olhos?
Dois, bem fechados!


Até onde isso vai chegar??? Foi assim que me chegou um texto, falando da violência urbana, que terminou dizendo assim: "Está na hora de fazermos valer as normas constitucionais relativas ao tempo de guerra. Estamos em guerra urbana. Mas os governos, teimosos ou ignorantes, insistem que tudo está em paz. Regras da paz são válidas em tempos de paz. Para tempos de guerra as leis são de guerra."

Sobre isso, por hora, apenas reproduzo um pouco de breves comentários sobre a mais que milenar sabedoria chinesa, trazida no conhecido 'Livro das Mutações', ou I CHING.




13ª HEXAGRAMA: TUNG JÊN/COMUNIDADE COM OS HOMENS

A imagem do trigrama superior, Ch'ien, é o céu; a do trigrama inferior, Li, é a chama. Por sua própria natureza o fogo arde em direção ao alto, rumo ao céu. Isso sugere a idéia de comunidade. Devido a seu caráter central, é a segunda linha que reúne à sua volta as cinco linhas fortes. Este hexagrama é o oposto do hexagrama 7, O EXÉRCITO.

Neste último (o exército), o perigo encontra-se no interior e a obediência no exterior, caracterizando um exército guerreiro que para manter-se unido necessita de um homem forte entre muitos fracos. Aqui (comunidade entre os homens) a clareza encontra-se no interior e a força no exterior, o que caracteriza uma pacífica união entre os homens, que para manter sua coesão necessita de uma pessoa suave entre muitas fortes.

Julgamento: A verdadeira comunidade entre os homens deve basear-se em interesses de caráter universal. Não são os propósitos particulares do indivíduo, mas os objetivos da humanidade que criam uma comunidade duradoura entre os homens. Por isso se diz que a comunidade com os homens em espaço aberto tem sucesso. Quando prevalece esse tipo de união, deve-se levar a cabo até mesmo tarefas difíceis e perigosas, como a travessia da grande água. Porém, para que se possa formar uma tal comunidade, é necessário um líder perseverante e lúcido que tenha metas claras, convincentes, que despertem o entusiasmo e que possua força para realizá-las (O trigrama inferior significa claridade, o exterior significa força).

Imagem: O céu se movimenta na mesma direção que o fogo e, no entanto, são diferentes um do outro. Assim como os corpos luminosos do céu servem para a articulação e divisão do tempo, a comunidade humana e todas as coisas que pertencem à mesma espécie devem ser estruturadas organicamente. A comunidade não deve ser um simples conglomerado de indivíduos ou coisas – isso seria um caos, e não uma comunidade -, mas para que a ordem se estabeleça é necessário que haja uma organização entre a diversidade de seres.

7º HEXAGRAMA: SHIH/O EXÉRCITO



Este hexagrama se compõe dos trigramas K’an, água, e K’un, terra. Simboliza, assim, a água subterrânea, acumulada debaixo da terra. Da mesma forma, uma força militar jaz acumulada num povo; invisível na paz, porém disponível a qualquer momento como fonte de poder. Os atributos dos dois trigramas básicos são: perigo no interior e obediência no exterior. Isso indica a natureza do exército, algo perigoso em seu interior e cuja manifestação externa exige disciplina e obediência.
A forte linha nove na segunda posição exerce o comando do hexagrama, tendo as demais linhas, todas maleáveis, como subordinadas. Essa linha representa um dirigente, pois encontra-se na posição central em um dos dois trigramas básicos. Entretnato, como isso ocorre no trigrama inferior e não no superior, ele simboliza não o governante mas o eficiente general que mantém o exército obediente através de sua autoridade.

Julgamento: O Exército necessita de perseverança e de um homem forte. Boa fortuna sem culpa.

O exército é uma massa que necessita de organização para tornar-se uma força de combate. Sem uma firme disciplina nada se pode alcançar. Porém tal disciplina não pode ser atingida através de meios violentos. Ela requer um homem forte que conquiste o coração do povo, despertando-lhe entusiasmo. Para que ele possa desenvolver suas habilidades, necessita da completa confiança de seu dirigente, o qual, por sua vez, deve-lhe conferir a responsabilidade total enquanto a guerra durar. Porém uma guerra é algo sempre perigoso, acarretando danos e devastação. Por isso não se deve deflagrá-la apressada e impensadamente, mas, como a um remédio venenoso, recorrer-lhe apenas em última instância. A causa justa, assim como o objetivo claro e compreensível da guerra, deve ser explicada ao povo por um líder experiente. Somente quando existem objetivos de guerra bem definidos, aos quais o povo possa aderir em plena consciência, surgem a unidade e a força de convicção que conduzem à vitória. Mas o líder deve cuidar para que a paixão da guerra e o delírio do triunfo não levem a injustiças que não teriam a aprovação de todos. Tendo como base a justiça e a perseverança, tudo irá bem.

Imagem: No meio da terra está a água: a imagem do EXÉRCITO. Assim o homem superior aumenta as massas através de sua generosidade para com o povo.

A água subterrânea jaz invisível dentro da terra. Assim também o poder militar de um povo está invisivelmente presente nas massas.
Quando o perigo ameaça, cada camponês torna-se um soldado; ao final da guerra, ele retoma ao seu arado. Aquele que se mostra magnânimo em relação ao povo conquista seu afeto e o povo que vive sob um governo generoso torna-se forte e poderoso. Só um povo economicamente forte pode ter relevância em termos de poderio militar. Deve-se, portanto, cultivar esse poder através do incentivo das condições econômicas do povo e de um regime político humanitário. Só se pode mover uma guerra vitoriosa quando existe entre o governo e o povo esta aliança invisível que faz com que o povo se sinta protegido pelo governo, assim como a água subterrânea é protegida pela terra.

43º Hexagrama: KUAI/Irromper (A determinação):

Julgamento: Ainda que um só homem inferior ocupe uma posição influente numa cidade, ele poderá oprimir os homens superiores. Ainda que uma só paixão subsista no coração, ela poderá obscurecer a razão. Paixão e razão não podem coexistir, portanto uma luta sem tréguas é necessária para que o bem prevaleça.** Num combate tenaz do bem contra o mal há, porém, regras precisas que devem ser respeitadas para que se possa alcançar o sucesso.

1) A determinação deve basear-se numa união da força com a amabilidade.
2) Não é possível um compromisso com o mal; ele deve ser abertamente desacreditado, sejam quais forem as circunstâncias. Nem se deve procurar encobrir suas próprias faltas e paixões.
3) A luta não deve ser conduzida diretamente através da violência. Quando o mal é denunciado e acusado, tendo a agir recorrendo às armas. Se lhe fazemos o favor de responder golpe por golpe, ao final sairemos perdendo, pois seremos envolvidos por ódio e paixão. Por isso é necessário começarmos por nós mesmos, evitando cometer os erros que censuramos. Não encontrando adversário, as armas do mal perdem naturalmente seu caráter cortante. Do mesmo modo não devemos combater diretamente nossos próprios defeitos. Enquanto insistirmos em desafiá-los, permanecerão sempre vitoriosos.
4) A melhor maneira de combater o mal é progredir com energia na direção do bem.

Imagem: O lago elevou-se aos céus: a imagem do IRROMPER. Assim o homem superior distribui riquezas para os que estão abaixo e evita acomodar-se à sua virtude.

Quando a água do lago elevou-se até os céus, há que se temer o desencadeamento de uma chuva torrencial. Tomando isso como uma advertência, o homem superior prevê a tempo um colapso violento. Aquele que acumulasse riquezas para si só, sem pensar nos outros, sofreria, certamente, um desastre. Pois a todo acumular se segue um ciclo de dispersão. Por isso o homem superior procura distribuir enquanto está recolhendo. Na formação do seu caráter, ele também evita se deixar enrijecer em atitudes obstinadas, procurando permanecer receptivo, graças a uma rigorosa e constante análise de si mesmo.

* Por mim mesma.

** Ressalva minha, quanto à minha aquiescência, por hora, quanto à frase.

*** Retirado do Livro das Mutações, I Ching, por Richard Wilhelm, Ed. Pensamento

**** Fotos tiradas por Dalio Zippin Neto, publicadas em 2006, retratando um rio localizado na Patagônia, Argentina.

quarta-feira, março 29, 2006

Ujayi pranayama, o melhor remédio para nó na garganta.

Hoje vou-me antecipar e correndinho vou aqui registrar:

UJAYI PRANAYAMA, para quem sente aquele nó na garganta, pela minha mestra MONSERRAT.

Disse-me a mestra, em seu chamado que transcende o ordinário, na acepção de ser apreendido por todos, e só por isso ainda excepcional (com maiores detalhes explicativos do dito, na oportuna atualização dessa introdução):

"Quando se forma o nó na garganta é porque todo o saber já está elaborado, mas ainda não consegue ser dito, verbalizado. Para isso, faça ujayi pranayama, a respiração que pode ser definida como a respiração da realização bem-sucedida, vitoriosa."

Faça, então, assim: imagine-se abrindo a boca frente a uma janela e, por meio de uma baforada, embaçando a janela com o seu hálito. Agora tente fazer a mesma coisa de boca fechada, inspirando e expirando tão-somente pelo nariz. Relaxe, para tanto, a garganta e a boca. E não desista enquanto não puder ouvir em alto e bom tom o som dessa respiração, saindo da garganta, como se você respirasse, efetivamente, por ela.

Essa respiração é uma das bases da prática ashtanga vinyasa-yoga, difundida por Patanjali. Na essência, uma das vertentes dentro do HATHA YOGA. Na modalidde ashtanga vinyasa-yoga, o ujayi é utilizado como uma das ferramentas para reter o fogo interno, associado aos chamados bandas. E, por isso, lhe são atribuídas, também, as características de euforia e purificação, vinda através de intenso suor, que é parte inerente dessa prática. Assim, recomendo, pessoalmente, o cuidado de ser essa respiração praticada nos momentos que antecedem ao sono.

Voltando à mestra Monserrat, simplesmente relaxe a cabeça, pendendo-a para frente. E pratique um pouquinho de ujayi pranayama, o melhor remédio para nó na garganta!

HARI OM!

sexta-feira, março 24, 2006

Uma má-temática?

Mocinha e Bandida?
Amor é Prosa, Sexo é Poesia. *
Se hoje é Noite, amanhã será Dia.
A compreensão,
Não venha tardia...
Venha, antes do fim, um dia!
Com-paixão.


*Frase por Arnaldo Jabor.

quinta-feira, março 09, 2006

A palavra nua de Foucault

Por Bernardo Rieux
16 de junho de 2005 , em www.oestrangeiro.net


Em 21 de novembro de 2004 Clara Allain publicou na Folha uma tradução de entrevista inédita de Michel Foucault ao Le Monde, após a publicação de As Palavras e as Coisas, em 1966. Abaixo, tomamos a liberdade de reproduzir a tradução (por tratar-se de um texto inédito), com as devidas referências.

A palavra nua de Foucault
DO "LE MONDE"


http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2111200424.htm

Michel Foucault já concedeu muitas entrevistas, mas poucas vezes falou sobre aquilo que o liga de maneira íntima à escrita, à qual ele chegou tarde e por necessidade. Nesta entrevista de 1966, ainda inédita e dada a Claude Bonnefoy após o lançamento de "As Palavras e as Coisas" [Martins Fontes] -e conservada no Centro Michel Foucault-, o filósofo francês fala de suas dúvidas, convicções e de sua relação íntima com a escrita.


O sr. poderia explicar como abordou a escrita?


Uma de minhas lembranças mais constantes -certamente não a mais antiga, mas a mais obstinada- é a das dificuldades que tive para escrever bem. Escrever bem no sentido em que se entende o termo na escola primária, ou seja, criar páginas de escrita bem legíveis. Acredito -na verdade, tenho certeza- que, em minha classe e minha escola, eu era o mais ilegível. Isso continuou por muito tempo, até os primeiros anos do ensino secundário.
Assim, minha relação com a escrita era um pouco complicada, um pouco sobrecarregada. Mas existe outra recordação, bem mais recente. É o fato de que, no fundo, eu nunca levei muito a sério a escrita, o ato de escrever. O desejo de escrever só surgiu forte em mim quando eu tinha cerca de 30 anos. Para chegar a descobrir o prazer possível da escrita, foi preciso estar no exterior.
Eu estava vivendo na Suécia e me via obrigado a falar ou o sueco, que conhecia muito mal, ou o inglês, que praticava com muita dificuldade. Meu conhecimento fraco dessas línguas me impediu de dizer o que eu realmente queria durante semanas, meses, até mesmo anos.
Eu via as palavras que queria dizer sendo travestidas, simplificadas, tornando-se como pequenas marionetes irrisórias à minha frente, assim que as pronunciava.
Nessa impossibilidade de usar minha língua própria, percebi, em primeiro lugar, que esta possuía uma espessura, uma consistência, que ela não era simplesmente como o ar que respiramos, uma transparência absolutamente insensível, mas que tinha suas leis próprias, seus corredores, suas linhas, seus declives, suas costas, suas irregularidades -em suma, que tinha uma fisionomia e que formava uma paisagem na qual podíamos caminhar e descobrir em volta das palavras, das frases, de repente, pontos de vista que não apareciam até então.


Nessa Suécia em que tinha que falar uma língua que me era estranha, compreendi que podia habitar minha língua, com sua fisionomia repentina particular, como o lugar mais secreto, mas mais seguro, de minha residência nesse lugar sem lugar que é o país estrangeiro no qual nos encontramos.

Quando o sr. começou a escrever, houve uma reviravolta, então, com relação a essa concepção primeira e desvalorizadora da escrita?


A reviravolta veio, evidentemente, de mais longe. Mas cairíamos numa autobiografia ao mesmo tempo anedótica demais e banal demais para que fosse interessante falarmos dela. Digamos que foi por meio de um trabalho longo que eu finalmente conferi a essa palavra tão profundamente desvalorizada um certo valor e um certo modo de existência.
Hoje, o problema que me preocupa -e que, na realidade, não pára de me preocupar há dez anos- é o seguinte: em uma cultura como a nossa, em uma sociedade como a nossa, o que significa a existência das palavras, da escrita, do discurso? Me pareceu que nunca atribuímos importância tão grande ao fato de que, ao final de tudo, o discurso existe.

Os discursos não são apenas uma espécie de película transparente através da qual e graças à qual enxergamos as coisas, eles não são simplesmente o espelho do que é e do que pensamos. O discurso possui uma consistência própria, sua espessura, sua densidade, seu funcionamento. As leis do discurso existem do mesmo modo que as leis econômicas existem. (reporto-me, aqui, ao comentário feito na postagem 'what the bleep do we know').


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As pessoas sentem minha escrita como uma agressão; elas sentem que existe nela alguma coisa que as condena à morte; eu não as condeno à morte, simplesmente suponho que já estejam mortas
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É claro que ela marca uma conversão total com relação àquilo que, para mim, era a desvalorização absoluta da palavra quando eu era criança. Me parece -creio que consiste nisso a ilusão de todos aqueles que acreditam descobrir alguma coisa- que meus contemporâneos são vítimas das mesmas miragens de minha infância. Também eles crêem facilmente demais, como eu fazia no passado, como se acreditava em minha família, que o discurso, a linguagem, não é grande coisa, no fundo.
Os lingüistas, eu sei, descobriram que a linguagem é muito importante porque ela obedece a leis, mas eles insistiram sobretudo na estrutura da linguagem, ou seja, na estrutura do discurso possível.
Mas eu me pergunto é sobre o modo de surgimento e funcionamento do discurso real, sobre as coisas que foram efetivamente ditas. Trata-se de uma análise das coisas ditas, na medida em que são coisas. É isso que é o oposto do que eu pensava quando era criança.
Sinto uma impressão de veludo quando escrevo. Para mim, a idéia de uma escrita aveludada é como um tema familiar, no limite do afetivo e do perceptivo, que não pára de assombrar meu projeto de escrever, não pára de guiar minha escrita quando estou escrevendo, que me permite a cada momento escolher as expressões que quero utilizar. A doçura é uma espécie de impressão normativa para minha escrita. Assim, fico muito espantado ao constatar que as pessoas tendem a enxergar em mim alguém cuja escrita é seca e mordaz.
Refletindo sobre isso, acho que são elas que têm razão. Imagino que deve existir, em minha caneta, uma velha herança do bisturi. Talvez, afinal, eu trace sobre a brancura do papel os mesmos sinais agressivos que meu pai traçava sobre os corpos dos outros que ele operava. Transformei o bisturi em caneta. Passei da eficácia da cura à ineficácia da livre proposta, substituí a cicatriz sobre o corpo pela grafitagem sobre o papel, substituí o inapagável da cicatriz pelo sinal perfeitamente apagável e rasurável da escrita. Talvez seja mesmo o caso de ir mais longe ainda. A folha de papel, para mim, talvez seja como os corpos dos outros.
O que é certo, o que eu senti imediatamente quando, perto dos 30 anos de idade, comecei a sentir o prazer de escrever, é que esse prazer de escrever sempre guardou um pouco de relação com a morte dos outros, com a morte de modo geral. Essa relação entre escrita e morte é algo do qual mal ouso falar, pois sei quanto alguém como [Maurice] Blanchot já falou sobre coisas muito mais essenciais, gerais, profundas e decisivas do que o que eu possa dizer agora.
Eu diria que a escrita, para mim, está ligada à morte, talvez essencialmente à morte dos outros, mas isso não significa que escrever seria como assassinar os outros e realizar contra eles, contra sua existência, um gesto definitivamente mortífero que os expulsaria da presença, que abriria um espaço soberano e livre à minha frente. De maneira nenhuma. Para mim, escrever significa lidar com a morte dos outros, sim, mas, essencialmente, significa lidar com os outros na medida em que já estão mortos. De certa maneira, falo sobre o cadáver dos outros. Devo confessar que, até certo ponto, eu postulo sua morte. Falando deles, me vejo na situação do anatomista que faz uma autópsia.
Com minha escrita, eu percorro o corpo do outro, faço incisões nele, levanto os tegumentos e as peles, procuro trazer os órgãos à tona e, com isso, fazer aparecer finalmente o local da lesão, o local onde reside o mal, esse algo que caracterizou sua vida, seu pensamento e que, em sua negatividade, acabou por organizar tudo o que eles foram. Esse coração venenoso das coisas e dos homens -é isso, no fundo, o que eu sempre procurei trazer à tona.
Eu compreendo, também, porque as pessoas sentem minha escrita como uma agressão. Elas sentem que existe nela alguma coisa que as condena à morte. Na realidade, sou bem mais ingênuo do que isso. Eu não as condeno à morte. Simplesmente suponho que já estejam mortas. É por isso que me surpreendo quando as ouço gritar. Fico tão espantado quanto o anatomista que sentisse redespertar de repente, sob a ação de seu bisturi, o homem sobre o qual pretendia fazer uma demonstração. Bruscamente, os olhos se abrem, a boca se mete a gritar, o corpo a se retorcer, e o anatomista se espanta: "Então ele não estava morto!".

Acho que é isso o que acontece comigo em relação àqueles que me criticam ou gritam contra mim, depois de me haver lido. Sempre é muito difícil para mim responder a eles, exceto por uma desculpa, desculpa que eles talvez interpretem como ironia, mas que, na realidade, é a expressão de meu espanto: "Então eles não estavam mortos!".

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quinta-feira, março 02, 2006

US1 & US2, sob um olhar autista.



O olhar...
O autista...
A comunicação...







Sobre isso tanto há a falar, mas como se sabe o autista não se comunica. Ao menos por palavras... Ah, isso vai render sim! Mas não hoje. Agora apenas preciso registrar um orgulho da terrinha. É sobre um rapaz, sobre o qual ouvi falar numa deliciosa mariscada sob o sol e o mar generoso de uma Santa Catarina, genro da amiga das mães de duas amigas. Professor em Yale, Phd, referência mundial no tratamento sobre autismo. Nascido em Curitiba, minha terrinha. Puro ufanismo.


"Ami Klin, Ph.D. is the Harris Associate Professor of Child Psychology and Psychiatry at the Yale Child Study Center. He obtained his Ph.D. from the University of London, and completed post-doctoral fellowships in developmental psychopathology at the Yale Child Study Center. He coordinates psychological evaluations at the Yale Child Study Center Developmental Disabilities Clinic, and the diagnostic, neuropsychological, and social cognitive assessments of two large, federally-funded program projects focused on behavioral and neurobiological aspects of autism and related conditions. Dr. Klin's research activities focus on psychological and biological mechanisms impacting socialization, particularly as these mechanisms are expressed in individuals with autism and related severe social disabilities. He is the author of over 60 publications in this field of research. He is also the co-editor (with Drs. Fred Volkmar and Sara Sparrow) of a textbook on Asperger Syndrome, published by Guilford Press. "

at http://www.autism.fm/

Imagens retiradas de http://www.autismarts.com/

1 - 'Red Hair Lady', by Mark Rimland, Kentucky

2 e 3 - Us number 1 e Us number 2, by Rhys Wynne. Born in 1990 and lives in Bangkok, Thailand. This 13 year-old boy loves to draw and paint. He starting drawing at a very early age. Rhys hopes to one day become an illustrator for children's books. E aí, se tiver algum tempo, detenha-se na diferença entre as interações das imagens Us1 e Us2.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

'A letra de uma carta de Almor', by J. Lacan







Hoje, eis-me com uma carta. Não de amor, mas de Almor. Trago aqui um pouco do que ela tem a dizer, no que penso ser razoavelmente compreensível aos que não estão tão próximos da linguagem piscanalítica. Essa 'carta' se encontra em 'Le Seminaire de Jacques Lacan, Livre XX: Encore', traduzido como 'Mais, ainda', por M.D.Magno, Ed. Jorge Zahar Editor.

Desse registro, apenas dou algumas pincelas, pois a profundidade que o dito alcança exige uma maior ainda para ser possível continuar a refletir sobre.

A letra de uma carta de Almor (op.cit., págs. 105/120).

"Aí está mais ou menos o que eu escrevia para uso de vocês. Eu escrevia para vocês o quê, em suma? - a única coisa que se pode fazer um pouco de sério, a letra da carta de amor.As suposições piscológicas graças às quais tudo isso durou tanto tempo, eu sou daqueles que não lhes emprestam boa reputação. Entretanto, não se vê por que o fato de ter uma alma seria um escândalo para o pensamento - se isso fosse verdadeiro. Se fosse verdade, a alma só se poderia dizer pelo que permite a um ser - ao ser falante para chamá-lo por seu nome - suportar o intolerável do seu mundo, o que supõe estrangeiro a ele, que dizer, fantasística. O que, essa alma, só se a considera - quer dizer, nesse mundo - por sua paciência e sua coragem em enfrentá-lo. Isto se afirma pelo fato de, até nossos dias, ela não ter, a alma, jamais tido outro sentido.

É aí que alíngua, alíngua em francês, deve me dar uma ajuda - não, como acontece algumas vezes, me oferecendo um homônimo, do d'eux (deles) com o deux (dois), do peut (pode) com o peu (pouco), vejam este il peut peu (ele pode pouco) que está aí é para nos servir de alguma coisa - mas simplesmente me permitindo dizer que a gente âme (que a gente alma). Eu almo, tu almas, ele alma. Aí vocês vêem que só nos podemos servir da escrita, mesmo para incluir o jamais j'âmais (o jamais já almais). Sua existência portanto, da alma, pode ser posta em questão - é o termo próprio para se perguntar se não se trata de um efeito do amor. Tanto que, com efeito, a alma alma a alma, não há sexo na transação. O sexo não conta neste caso. A elaboração de que essa transa resulta é homossexual, como é perfeitamente legível na história.

O que eu disse há pouco da coragem, da paciência da alma em suportar o mundo, é o verdadeiro correspondendo do que faz um Aristóteles desembocar, em sua procura do bem, no seguinte: que cada um dos seres que estão no mundo só se pode orientar para o maior dos seres ao confundir seu bem, seu próprio bem, com aquele mesmo com o qual radia o Ser supremo. O que Aristóteles evoca como (***** grego), isto é, o que representa a possibilidade de um liame de amor entre dois desses seres, pode também, ao manifestar a tensão para o Ser Supremo, se revirar daquele modo que exprimi - é pela coragem em suportar a relação intolerável ao ser supremo que os amigos, os (**** grego), se reconhecem e se escolhem. O ex-sexo dessa ética é manifesta, a ponto de eu querer lhe dar a ênfase que dá Maupassant em algum lugar, de anunciar esse estranho termo de Horla. O exsexo, aí está o homem sobre qual a alma especulou. Mas acontece que as mulheres também são almorosas, quer dizer que elas almam a alma. O que será que pode ser essa alma que elas almam em seu parceiro no entanto homo até o pescoço, do que elas não sairão? Isto só pode, com efeito, conduzi-las a esse termo último - e não é por nada que chamo isto do modo que chamo - (**** grego) como se diz em grego, a histeria, ou seja, bancar o homem, como eu disse, por serem por isso homossexuais ou em ex-sexo, também elas - sendo-lhes daí difícil não sentirem o impasse que consiste no fato de elas se mesmarem no Outro, pois enfim não há necessidade de se saber Outro para sê-lo.

Para que a alma consiga ser, a gente a diferencia, dela, da mulher, é de origem que a gente a diferencia. A gente a dif... ama, a gente a diz fama. O que de mais famoso, na história, restou das mulheres é, propriamente falando, o que delas se pode dizer de infamante. É verdade que lhes resta a honra de Cornélia, mãe dos Gracos. Não é preciso falar de Cornélia aos analistas, que não pensam mais nisso, mas falem a eles de uma Cornélia qualquer, e eles lhes dirão que isso não acabará muito bem para os filhos dela, os Gracos - eles bancarão os craques até o fim de suas existências.

Estava aí o começo da letra da minha carta, um divertimento de alma, um divertialmento.

Fiz então uma alusão ao amor cortês, que aparece no ponto em que o divertialmento homossexual havia caído na suprema decadência, nessa espécie de mau sonho impossível dito da feudalidade. A este nível de degenerescência política, devia tornar-se perceptível que, do lado da mulher, havia alguma coisa que não podia mais de modo algum funcionar.

A invenção do amor cortês não é de modo algum fruto daquilo que se tem o hábito, na história, de simbolizar pela tese-antítese-síntese. E não houve depois a mínima síntese, é claro - aliás, não há jamais. O amor cortês brilhou na história como um meteoro, e viu-se retonar em seguida todo o bricabraque de uma pretensa renascença das velharias antigas. O amor cortês restou enigmático.

Aí há um pequeno parêntese - quando um faz dois, não há retorno jamais. Não volta a fazer de novo um, mesmo um novo. A Aufehebung é um desses bonitos sonhos de filosofia.

Depois do meteoro do amor cortês, foi de uma partitura completamente diferente que veio o que o rejeitou à sua fertilidade primeira. Foi preciso nada mais do que o discurso científico, ou seja, algo que não deve nada aos pressupostos da alma antiga.

E é dali somente que surge a psicanálise, isto é, a objetivação do fato de que o ser falante passa ainda o tempo a falar em pura perda. Ele passa ainda o tempo a falar para um ofício dos mais curtos - dos mais curtos, eu digo, pelo fato de que esse ofício não vai mais além do que estar em curso ainda, quer dizer, o tempo necessário para que isso enfim se resolva - aí está o que temos diante do nariz - demograficamente. (parênteses meus, para lembrar de Das Fliess, e também de ida, pingala e shumshuma).

De modo algum não é isto que arranjará as relações do homem com as mulheres. Ter visto isto, é o gênio de Freud. Freud, é um nome engraçado - Kraft durch Freud, é todo um programa. É o salto mais engraçado da santa farsa da história. A gente podia talvez enquanto isso dura, esse pedaço, ter um lampejozinho de algo que seria concernente ao Outro, na medida em que é com isso que a mulher tem a ver.


Trago agora um complemento essencial ao que já foi muito bem visto, mas que esclareceria por fazer perceber por quais vias isso se viu.

O que se viu, mas apenas do lado do homem, foi que aquilo com o que ele tem a ver é com o objeto a, e que toda a sua realização quanto à relação sexual termina em fantasia. Viu-se isto muito bem a propósito dos neuróticos. Foi dai que se partiu.

(....)

Só que a gente teve, na seqüência, oportunidade de perceber que as perversões, tais como a gente crê demarcá-las na neurose, não é isto de modo algum. A neurose é mais o sonho do que a perversão. Os neuróticos não têm nenhum dos caracteres do perverso. Simplesmente sonham com eles, o que é muito natural, pois, sem isto, como atingir o parceiro?

Os perversos, a gente começou então a encontrá-los, são aqueles que Aristóteles não queria ver a nenhum preço. Há neles uma subversão da conduta apoiada num saber-fazer, o qual está ligado a um saber, ao saber sobre a natureza das coisas, há uma embreagem direta da conduta sexual sobre o que é sua verdade, isto é, sua amoralidade. Ponham alma nisso na partida - a almoralidade.

Há uma moralidade - eis a conseqüência - da conduta sexual. A moralidade da conduta sexual é o subentendido de tudo o que se disse do Bem.

Só que, à força de se dizer do bem, isso acaba em Kant, onde a moralidade confessa o que ela é. É o que eu acreditei dever adiantar num artigo, Kant com Sade - ela confessa que ela é Sade, a moralidade. Vocês escreverão Sade como quiserem - seja com uma maíuscula, pare render homenagem a esse pobre idiota que nos deu sobre isso intermináveis escritos - seja com minúscula, pois no fim das contas é sua maneira, dela, de ser agradável, e que, em francês antigo, é o que ça, isso, quer dizer - ou seja, melhor, çade, para dizer que a moralidade, temos mesmo assim que dizer que isso termina no nível do ça, do isso, o que é dizer tudo. Dito de outro modo, o de que se trata é de o amor ser impossível, e a relação sexual se abismar no não-senso, o que não diminui em nada o interesse que devemos ter pelo Outro.

A questão é, com efeito, saber no que consiste o gozo feminino, na medida em que ele não está todo ocupado com o homem, e mesmo, eu diria que, enquanto tal, não se ocupa dele de modo algum, a questão é saber o que é do seu saber.

Se o inconsciente nos ensinou alguma coisa, foi primeiro o seguinte, que em alguma parte, no Outro, isso sabe. Isso sabe porque isso se baseia justamente nesses significantes de que o sujeito se constitui.

Ora, isso se presta a confusões, porque é difícil para quem alma não pensar que tudo pelo mundo sabe o que ele tem a fazer. Se Aristóteles suporta seu Deus com essa esfera imóvel, com o uso da qual cada um tem que seguir seu bem, é porque ela é tida por saber seu bem. Aí está aquilo que a falha induzida pelo discurso científico nos obriga a largar.

Não há nenhuma necessidade de saber por quê. Não temos mais nenhuma necessidade desse saber que Aristóteles parte no origem. Não temos nenhuma necessidade, para explicar os efeitos da gravitação, de imputar à pedra que ela sabe o lugar a que ela deve chegar. A imputação de uma alma ao animal faz do saber o ato por excelência, de nada mais que o corpo - vocês vêem que Aristóteles não estava assim tão por fora - só que o corpo é feito para uma atividade, uma (****grego), e que em alguma parte a enteléquia desse corpo se suporta com essa substância que ele chama de alma.

A análise se presta aqui a essa confusão de nos restituir a causa final, de nos fazer dizer que, para tudo que concerne ao menos ao ser falante, a realidade é assim, quer dizer, fantasia. Será que isso é alguma coisa que, de qualquer maneira, possa satisfazer o discurso científico?

Há, segundo o discurso analítico, um animal que se vê falante e para quem, por habitar o significante, resulta ser sujeito dele (** - Disse um dos Titãs - a banda: cada homem é o seu próprio animaaalllll). Daí, tudo se joga para ele no nível da fantasia, mas de uma fantasia perfeitamente desarticulável de maneira que de conta do seguinte, que ele sabe muito mais do que crê saber quando age. Mas não basta que seja assim para que tenhamos o princípio de uma cosmologia.

É a eterna ambigüidade do termo inconsciente. Certamente, o inconsciente é suposto pelo fato de que no ser falante há em algum lugar algo que sabe mais do que ele, mas isto não é um modelo aceitável do mundo. A psicanálise, na medida em que sua possibilidade se atém ao discurso da ciência, não é uma cosmologia, se bem que basta que o homem sonhe para ver ressaltar esse imenso bricabraque, esse guarda-móveis do qual ele tem que se desvencilhar, e que constitui seguramente uma alma, uma alma ocasionalmente amável quando alguma coisa queira mesmo amá-la. A mulher só pode amar no homem, eu disse, a maneira com que ele enfrenta o saber com que ele alma. Mas, para o saber com que ele é, a questão se coloca a partir do seguinte, que há algo, o gozo, de que não é possível dizer se a mulher pode dizer alguma coisa - se ela pode dizer o que sabe dele. Ao termo desta conferência de hoje, chego então, como sempre, à margem do que polarizava meu tema, que é a seguinte, se pode ser colocada a questão do que ela sabe disso. Não é outra questão, senão a de saber se esse termo de que ela goza mais além de todo esse jogar que constitui sua relação ao homem, e que eu chamo de Outro, significando-o por um A, se esse termo, ele, sabe alguma coisa. Pois é nisso que ela é ela própria sujeita ao Outro, tanto quanto o homem.

Será que o outro sabe?

Havia um chamado Empédocles - como por acaso, Freud se serve dele, de tempos em tempos, como de um saca-rolhas - de quem só conhecemos sobre isto três versos, mas dos quais Aristóteles tira muito bem as conseqüências quando enuncia que, em suma, Deus era, para Empédocles, o mais ignorante de todos os seres, por não conhecer de modo algum o ódio. É o que os cristãos mais tarde transformaram em dilúvios de amor. Infelizmente, isto não cola, porque não conhecer de modo algum o ódio é não conhecer de modo algum o amor também. Se Deus não conhece o ódio, é claro, para Empédocles, que ele sabe menos do que os mortais. De sorte que poderíamos dizer que quanto mais o homem se possa prestar, para a mulher, à confusão com Deus, quer dizer, aquilo de que ela goza, menos ele odeia e menos ele é - e uma vez que, depois de tudo, não há amor sem ódio, menos ele ama."

Eu, continuando: eis, enfim, o trágico da análise. Ou, quem sabe, o seu engodo. E, quem sabe, não só da psicanálise. Não é possível acabar com o sintoma, mas tão-somente redimensioná-lo, sublimá-lo. Isso pelo simples fato de que o sintoma diz de nós, do sujeito identificado a uma razão de ser, pode-se por assim dizer... uma identificação sexual, que lhe dá sentido, pois sem identificação não há sujeito. E isso se transmite através da linguagem. É pelo 'tu és isso, esse é teu nome' que passa o viés da identificação, não de uma forma assim tão simples. Por óbvio, só há um sujeito para um outro. Ou não. Eis a questão. Pelo viés da linguagem, isso se pode demonstrar pelo Eu, Tu, Ele. Unário, Binário, Trinitário. Mas há um mais, além. É lá que reside esse indizível - o lado da mulher. Isso porém não quer dizer que esse lado seja apenas acessível a ela. Seria lá que reside o nirvana, além da identificação sexual? Ou, quem sabe, unificando as duas dualidades? ** Pode ser. Mas isso implica, necessariamente, sorry, em acabar com o tesão. Mas isso será assim tão ruim? O que essa carta de almor nos diz é que não há relação sexual. Pelo simples fato de que o amor é narcísico. Nos relacionamos com nós mesmos, refletidos no outro. Lacan disse algo como: amo tanto você em mim, que te mutilo. Violêcia. Sexual. Acabar com a violência é acabar com o sexo. É deslibidinizar. Mas sem libido, cadê eu? Ó, mongecos, cogumelos shitake ajudam a evitar a polução noturna. Prática comum em mosteiros budistas do Tibet. Mas acabar com a identificação sexual é acabar com o eu e isso é impossível para a psicanálise. Por isso se chega a esse limite do indizível. E o que haverá nesse mais além?

* Foto by Liana Schulman, Las Vegas, 2006.

** (Escrevi duas dualidades... isso requer que eu me detenha aí e mergulhe numa profusão de conceitos para discernir o que quer me dizer esse lapso. E por isso mantenho duas dualidades).



terça-feira, janeiro 31, 2006

Belíssimo janeiro



Ó tu, que com dardo de flama,
Parte o gelo da minha alma,
Para que ela se lance fremente
Ao mar de sua suprema esperança:
Sempre mais clara e mais sã,
Livre na lei mais amorosa -
Assim exalta ela teus milagres,
Belíssimo Janeiro!"

Friedrish Nietzsche


Foto by Liana Schulman

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Sol e Lua. Viajante, o caminho se faz caminhando.




Sol e Lua.
Viajante, o caminho se faz caminhando...

Palavras, às vezes, ficam pequenas, insuficientes, simplesmente não cabem, se tornam imprestáveis para exprimir, expressar, dizer. Uma palavra, ou mesmo uma multidão delas... palavras que ficam ao largo, desterradas, soltas, perdidas frente ao que se sabe com um único olhar. Olhar que transpassa a alma, confunde-se com ela. Olhar que invade e nos enleva para um além - esse deserto, sem palavras. Um nada, que tudo pode dizer, mas não diz.

Não diz, mas não porque assim quis. Não diz, mas é porque não sei desse algo que se sabe, por si só, em mim. Às vezes até mesmo canso desse sabido insabido em mim. É assim que não quero saber de nada disso. Enfim, para que isso?

Pode até parecer, feito uma miragem, ignorância preferir o não-saber. Mas não é isso... Uma vez, disse um Avatar, chamado pelo nome de Satya Say Baba: inferno não é um lugar e sim um estado da mente. Destino e live-arbítrio? Não há livre-arbítrio para o Divino, mas para o Ego. Livre-arbítrio entre apegar-se ou não ao inevitável que se esvai...Sim, uma questão de escolha. Ou, ao menos, de exercício do let it go muscle.*

* Adendo: essa leitura há de ser feita com o olhar atento de que esse Divino reside no lugar do indizível, do mesmo jeito que em hebraico D's não se escreve. Deparo-me, aqui, com o liame entre o totalitarismo e o Divino. Quiçá a Lei Divina seja Totalitária, mas a Lei de D's, assim, seria possível de ser escrita? Se DEUS EST DAEMON IN VERSUS, por qual meio haveria saída possível, senão pelo próprio meio? Quer dizer então que os fins justificam os meios? Sempre há uma justificativa, sim. Mas o justo, a justificar, não se encontra em meias verdades... Meias verdades e verdades inteiras... A minha, a tua, a nossa. Não me parece que haja um outro caminho, não importa o caminho, nessa contínua impermanência em busca do aprimoramento do justo legítimo.

Fotos by Maurice Casagrande. Grande amiga, perambulando pelo Marrocos. Medina, em Fez, e deserto Erg Chebi, no Sahara.

* termo que ouvi de Krishna Das.