segunda-feira, junho 30, 2008

Luzes na escuridão das Asneiras




Essa semana vou começar com um 'Veja' bem, em homenagem à revista homônima, da Editora Abril, que publicou matérias sobre o Big Bang, que trabalha informações sobre as investidas da física acerca da descoberta dos fenômenos que possam explicar o nascimento do universo (links indicados).

Inevitalvemente, como Big Bang nos lembra Einstein, talvez o físico mais notável que se tenha conhecimento, vou falar de asneiras, ou 'einsteneiras', se preferirem. É que, como nos conta Walter Isaacson, em "Einstein, sua vida, seu universo'. Ed. Companhia das Letras, uma vez perguntado sobre qual seria a maior asneira que tinha feito na vida, respondeu o notável (fls. 364/366, ob. cit.): ter acrescentado à teoria da relatividade uma 'constante cosmológica', que representava a força 'repulsiva'. 'Ela foi inventada para compensar a atração gravitacional que, se as estrelas não estivessem se afastando uma das outras com velocidade suficiente, traria todas para o mesmo ponto'. Mas continua o biógrafo: "Noutras palavras, a constante cosmológica, que ele inventara com relutância para dar conta de um universo estático, aparentemente não era necessária, já que o universo estava na verdade se expandindo (*Como mostrou Eddington, o termo cosmológico provavelmente não teria funcionado nem se o universo tivesse se revelado estático. Como ele exigia um equilíbrio tão delicado, qualquer pequena perturbação teria causado uma expansão ou contração no universo)... Obviamente, ela teria sido mais emocionante se Einstein tivesse confiado em suas equações originais e simplesmente anunciado que a teoria da relatividade geral previa que o universo estava se expandindo. Se ele tivesse feito isso, a confirmação de Hubble da expansão, mais de uma década depois, teria tido o mesmo impacto que a confirmação de Eddington da previsão de que a gravidade do Sol se curvaria aos raios de luz. O big bang poderia ter se chamado o bang de Einstein, e aquela teria entrado para a história, assim como no imaginário popular, como uma das descobertas teóricas mais fascinantres da física moderna'. Mas, do jeito que foi, Einstein só teve o prazer de renunciar à constante cosmológica, da qual jamais gostara... Na verdade, as asneiras de Einstein eram até mais fascinantes e complexas que os triunfos de cientistas menores. Não foi simples banir o termo das equações de campo. 'Infelizmente', diz Steven Weinberg, ganhador do Nobel, 'não era tão fácil simplesmente abandonar a constante cosmológica, porque qualquer coisa que contribua para a densidade de energia no vácuo age exatamente como uma constante cosmológica". No fim, a constante cosmológica não era só difícil de eliminar como ainda é necessária para os cosmólogos, que hoje a usam para explicar a expansão do universo, a qual está se acelerando. A misteriosa energia escura que parece causar essa expansão age como se fosse uma manifestação da constante de Einstein. Em conseqüência disso, duas ou três vezes por ano novas observações produzem relatos que levam a frases semelhantes à seguinte, de novembro de 2005: 'A genialidade de Albert Einstein, que acrescentou uma 'constante cosmológica' à sua equação para a expansão do universo mas depois a retirou, pode ser provada com uma nova pesquisa'.

Bem, para continuar brincando de Verso e Multiverso, isso requer um certo empenho, que faz os neurônios suarem! Assim, prefiro pegar carona em versos do próprio baba, Einsten, a partir da resposta à quadrinha que físicos de Zurique lhe enviaram:

"As dúvidas estão encerradas
Enfim foi descoberto:
a luz pode ser curvada
E Einstein de glórias coberto!"


Ao que respondeu o gênio, referindo-se ao eclipse:

"Com a luz e o calor o Sr. Sol nos ilumina
Mas não ama quem reflete e imagina.
Concatena então por anos sem conta
Como manter seu segredo de monta!
Eis que chegou a visitante lunar;
De alegria, ele quase esqueceu de brilhar.
Seus segredos mais profundos perdeu
Eddington, bem sabe, a foto bateu".
(ob. cit., pág. 274).

E continuo eu com uma popular quadrinha em língua espanhola:


"Ajá está la luna,
Comiendo azeitunas,
Pícara la luna,
No me dá ninguna"!


É, porém, da língua italiana que empresto o ciao, para dizer, num misto de olá e adeus, que vou mas volto! E volto para, depois de terem lido as matérias que seguem, em especial entitulada 'O que havia antes do tempo...', que procura aproximar os ditos da ciência com ditos milenares, difundidos através das religões, falar do 'Bindu": o ponto dentro do ponto, como nos ensinam as vertentes do Yoga. Pois não é que, no final de muitas contas, dentre tantas boas e má-temáticas, é só abrir a boca, deixar o ar passar e coração pulsar sem obstruções, para chegar-se ao som primordial do OM, que muitos ensinam a pronunciar AUM... como se fosse a forma abreviada de abrir-se a boca, numa sequência rápida das vogais aeiou, para depois de fechá-la, continuar vibrando, enquanto o ar se esvai pelo nariz, até que as caraminholas da caixola possam compreender esse simples que não é fácil!


PS. É de bom alvitre avisar que, brevemente, corro o risco de ser mal-interpretada, se eu arriscar contar a historinha da menina nascida numa cidade, conhecida por ser o fim do mundo, chamada Curitiba, que afirmou que um dos caminhos, não o único, por suposto, extremamente benéfico rumo à iluminação, é 'ir tomar no sacro'... ;))

http://veja.abril.ig.com.br/250608/p_076.shtml
http://veja.abril.ig.com.br/250608/popup_inicio.html
http://veja.abril.ig.com.br/250608/p_086.shtml
http://veja.abril.ig.com.br/250608/popup_experimento03.html
http://veja.abril.ig.com.br/250608/p_098.shtml
http://veja.abril.ig.com.br/250608/popup_098c.html
http://veja.abril.ig.com.br/250608/popup_098d.html
http://veja.abril.ig.com.br/250608/popup_098e.html
http://veja.abril.ig.com.br/250608/popup_098f.html
http://veja.abril.ig.com.br/250608/popup_098g.html
http://veja.abril.ig.com.br/250608/popup_098g.html
http://veja.abril.ig.com.br/250608/p_122.shtml
http://veja.abril.ig.com.br/250608/p_126.shtml
http://veja.abril.ig.com.br/250608/p_130.shtml

http://super.abril.ig.com.br/superarquivo/2006/conteudo_475894.shtml

sexta-feira, junho 27, 2008

Óliossom





Hoje, se eu pudesse, traria aqui umas fotos lindas, do tipo, imagino, que a grande maioria gostaria de consumir: uma mãe linda, uma menininha mais bonequinha impossível e um cachorro com cara de mui amado. Mas nem sei se esses registros que me alegraram tanto deveriam mesmo estar aqui, considerando que há certas coisas, creio eu, que devem permanecer na privacidade da intimidade, para preservar o imenso valor que possuem. É que dizem alguns que olho gordo só atrapalha... e os meus, sinceramente, tenho que convir que ficaram cheios, não de inveja, mas de comoção e alegria, por ver a felicidade da minha amiga que foi tentar a vida no mundo novo, já nosso velho conhecido, principalmente para quem é da América, porém a localizada mais ao sul da linha do Equador...A Alice, que foi para o País das Maravilhas, e hoje tem uma linda filha de nome Thaísa!

"Je rêve de toi' é o nome de uma banda, que em francês quer dizer sonhando contigo, que compôs uma música que eu também queria reproduzir aqui, de nome Alysson, mas cuja pronúcia rápida eu prefiro escutar como se fosse dizer: 'óliosom' legal desse casal, no www.myspace.com/jetoi (que na minha língua se diz jetôá!!!) Escolhi escrever ólioson, sem, entretanto, duplicar os 'ésses', como se fosse uma primeira tentativa de ligar palavras, por quem desconhece a necessidade de se reforçar, na minha língua, a pronúncia das consoantes 'r' e 's', quando se encontram em meio a duas vogais, para que o som não saia pelo nariz... 'Óliosom' é grafia para uma leitura fraca, enquanto 'Óliossom', em dupla, ganha força de pronúncia! Eis que me soa como uma boa correlação refletir, também, acerca da diferença entre olhar para o invisível e visualizar o que não se mostra, nesse encontro, aqui por exemplo, consonantal. Algo que me remete a estar em consonância, sintonia, sons... que se propagam exatamente pela existência do invisível, o ar, aquele que não tem cor nem forma. E ao prosseguir pelos caminhos a que nos levam esses 'erres&esses', ou 'erros&ossos', se preferirem, na brincadeira de juntar e aglutinar, que nos permitem neologismos, eis que surge um novo significante... e se o sentido da palavra se altera, por que não nos alteraríamos nós, na aproximação de dois seres, é o que me pergunto!

Prosseguindo com a mocinha da banda, que estuda percussão clássica, encontrei-me ao final com o som de violinos que fez com que essa música eletrônica tenha-se afinado muitíssimo aos ritmos que meus ouvidos gostam de escutar. Trimilique, para quem não sabe, é o nome do gato do casal... e para quem chegar ao final da música, minha promessa é a de um sol raiando antes do fim, a alumiar a jornada. Não necessariamente aquele famoso pote d'ouro, que se pressupõe ficar ao fim do arco-íris, mas certamente um sol que se inclui dentre aquelas coisas, que diz um famoso comercial, que não têm preço. Então, que tal deixarmos de lado por hoje, que já é sexta-feira, todas aquelas outras coisas que se pode comprar?

Convém, entretanto, antes de ir-me, recomendar a todo desorientado gato que sonhar com tudo aquilo que não depende única e exclusivamente de nós mesmos pode ser perigoso, muito perigoso. Portanto, apreciem a música alheia com toda a prevenção que se exige do viver: uma arte que, sem cuidado, leva inefavelmente à morte. Ponderação que me lembra do que escutei um certo alguém dizer: com a pressa, todo o cuidado é pouco, pois lá na frente a última barreira é a mesma para todos... exceto, talvez, penso eu, para aqueles que, efetivamente, podem enxergar o som, que mesmo viajando pelo invisível, precisa da matéria, seja o ar ou até mesmo a concretude da solidez, que em suas vibrações permite aos surdos o dançar... nisso, o som difere da luz, que pode viajar no vácuo, o que a torna mais rápida, talvez contasse o gato que alcançou o vazio, o nada, como diriam os budistas...



Apreciem com moderação: www.myspace.com/jetoi :))

PS: Alysson foi o nome que se deu a um gatinho cujo 'baba' namorava na língua inglesa e se chamava Aly... Óliossom foi o nome que ganhou um gatinho uruguaio, cujo pai sempre foi tão rápido, que conta a lenda que podia chegar antes do som...justo pq, iluminado, viajava na velocidade da luz ;))

terça-feira, junho 24, 2008

Marido de Aluguel





Hoje compartilho uma novidade com a qual me deparei ao chegar ao trabalho: um cartãozinho do "Marido de Aluguel", idéia do Djair Trindade para fazer jus a tantas ajudas mal agradecidas.

Numa rápida olhada, nem sempre percebemos as coisas realmente como são. Uma leitura atenta do cartãozinho fez cair por terra a primeira idéia que me ocorreu: isso é alguma brincadeira de algum amigo meu! Pois é coisa nenhuma, explicou-me logo quem me trouxe a inusitada curiosidade.

O Djair, depois de ter ajudado a irmã a arrumar uma infinidade de coisas que não funcionavam no apartamento dela, não foi convidado para a festa de inauguração do apê. E foi assim, após sentir na carne o desvalor de seus favores de coração, que veio a idéia de fomentar a alta de suas boas ações, no circuito dos "afins de descartar" o que para o Djair era preciosidade!

No verso do cartão de prestação de serviços, encontram-se elencadas algumas das tarefas que são desempenhadas pelo maridão de aluguel, que atende por período mínimo de uma hora, creio que é para não banalizar o preço do bagaço, pois embalagem de carinho também custa:

-A campainha não funciona?
-A fechadura que só abre com jeitinho?
-A porta que precisa ser suspensa?
-A tomada que não tem energia...
-A lâmpada que não acende...
-O liquidificador que não funciona!
-A torneira que não para de vazar!
-O aquecedor que não liga...
-O sifão da pia vazando...
-A cortina que vive caindo,
-A pia do banheiro entupida!
-As portas do armário desreguladas...
-O que mais precisar...?!

Eu, por exemplo, precisaria que alguém fosse contactar quem fez os portões lá de casa, porque hoje a moça do correio, que estaciona o seu carro lá na rua frente à minha a garagem, esqueceu de puxar direito o freio-de-mão... e não é que o carro veio firme e forte calçada abaixo? A sorte é que ninguém se machucou, pois portão não tem sentimento!

Como não sei se posso divulgar assim os números de atendimento, se alguém precisar é só pedir que eu repasso os contatos, mas os serviços são exclusivamente para Curitiba. A idéia, porém, nada impede que continue a ser lançada! É só dar uma olhadinha no google para se surpreender com a quantidade de ofertas do gênero ;)) Se, por exemplo, você preferir apenas uma amizade sincera, ao invés de um marido de aluguel, pode optar por Toni Sá, no endereço http://www.tonisa.com.br, e obter o seu personal friend, para fazer as vezes da companhia que volta e meia não só pode, como deve fazer falta...serviços limitados, em princípio, à Cidade Maravilhosa, o Rio de Janeiro, que por continuar lindo, como sempre, a despeito de suas mazelas, invoca os mais sinceros ais - suspiros que sentem não só a dor da violência frente a tantas coisas que não deveriam ser nada além do que belas, como efetivamente são, mas que também não se deixam abater frente ao que afasta do real valor que possuem.

segunda-feira, junho 23, 2008

Relações e ações: contrastes e confrontos inexoráveis.


Eu, volta e meia prometendo fazer apromimações entre as visões de mundo ocidental e oriental, especialmente com o que nos ensia a tradição do yoga, começo a semana por um outro lado. Pois eis que uma das primeiras informações que me chegam é acerca da forma como uma famosa grife de calçados, de nacionalidade indiana, conhecida como "Catwalk", fabrica seus produtos: com mão-de-obra praticamente escrava, para os padrões parcialmente "globalizados", se é possível conceber essa idéia, o que gera peças feitas artesanalmente, a um custo de produção final inferior a U$ 7,00 (sete dólares). Algo em torno de duzentos funcionários produziriam de 800 a 900 pares ao dia, numa jornada de 16 a 17 horas de trabalho, na fábrica que faz as vezes também de casa, posto que lá não só comem, como também dormem. Se fosse possível eu traria aqui a reprodução do arquivo que me foi enviado por uma querida amiga, que teria sido produzido pelo proprietário de uma fábrica de sapatos brasileira, denominada Schutz. É fato, também, que amigos, sempre bem informados e acima de tudo desconfiados, qualificaram o email de um hoax malvado. Contrariamente ao ali colocado, vieram dizendo que os indianos são bons na prestação de serviços, mesmo que as condições estéticas não sejam as melhores, para um jeito ocidental de ver a vida.

Essas notícias teriam sido trazidas pelos mesmos ventos que me fizeram retomar uma, dentre tantas leituras que pacientemente me espreitam? Pois reencontrei-me com um dos livros que pendem na minha lista de espera, "Paixão Índia", de Javier Moro, Ed. Planeta, que já figurou na lista dos "Mais Vendidos", ou o já incorporado "Best Sellers". Conta a história de Anita Delgado, uma jovem dançarina espanhola que veio a se tornar uma das Princesas de Kapurthala, principado indiano cujo Rajá, de origem sique, tinha o nome de Jagatjit Singh - abreviatura de inúmeros patronímicos que acompanhavam a sua linhagem que não era lá tão tradicionalmente real, por assim dizer.

Dispensável dizer que o livro, até agora, muito me agrada, por trazer informações singulares acerca de um mundo desconhecido e, por isso mesmo, sempre fascinante para quem gosta de mistérios. E eis que em meio a tantas novidades, descobri que os siques são os que fazem parte de uma religião nascida no Punjab, para lutar contra as castas e os anacronismos do hinduísmo e do islamismo. A grande bíblia dos siques, chamada Granth Sahib, é uma compilação dos ensinamentos de seus grandes gurus, centralizando todas as cerimônias religiosas dos siques: seus ensinamentos são lidos em batizados, casamentos e velórios - eventos importantes, creio eu, em praticamente todas as formações sociais. Quem souber de exceções, por favor me conta! E é do livro que retirei não só essas primeiras informações, mas o trecho, lá reproduzido, da escritura sagrada lida quando da celebração do casamento da bailarina européia com o príncipe indiano, ambos figuras que mereciam, de fato, um livro, cujo romance, como disse o autor, foi apenas um efeito inevitável da vida real desses personagens que habiam as histórias das mil e uma noites. Em negrito, por supuesto, a parte que mais apreciei :))

"Aceitai este livro como vosso mestre
Reconhecei a humanidade como uma só
Não há distinões entre os homens.
Saem todos do mesmo barro
Homens e mulheres iguais
Sem mulheres ninguém existiria
Exceto o Senhor eterno, o único que não depende delas...
"

Assim, nesse mês tão catolicamente dedicado a Santo Antônio, o padroeiro dos amantes, nada me pareceu melhor para começar a semana! E para contribuir com essa salada-de-frutas, uma imagem do tantra tibetano :))

O título do post é em homenagem ao pré-lançamento do livro "Samurais e Bandeirantes: contrastes e confrontos inexoráveis", de Virgílio Balestro, meu insuperável, o que o torna eterno, Professor! :))

sexta-feira, junho 20, 2008

Biruta d'eixo II




No ano passado, brinquei com a foto de uma querida amiga, que retratou um bitura, rodopiando ao som do invisível... Era uma sexta-feira, mas não treze, como a da semana passada. Dia em que brilhou a estrela de um bilionário no Brasil, de nome Eike Batista, capa da Revista Veja dessa semana. Em breves folheadas, chamou-me a atenção a forma como se referiram ao mais novo fenômeno da economia nacional:



"O Mr. X da bolsa", por Ronaldo França e Ronaldo Soares.

"Aos 51 anos, bilionário e bon vivant, Eike Batista faz a maior oferta de ações da história e se torna expoente da modernidade na economia brasileira.

O empresário Eike Batista é conhecido por suas superstições. Entre outras esquisitices, todas as suas empresas têm o nome terminado com a letra X, símbolo da multiplicação, e todas as cifras de suas transações comerciais têm de conter a dezena 63, porque era esse o número de seu barco quando foi campeão mundial em corrida de lancha. Agora, Eike tem bons motivos para considerar que o 13 é seu novo número da sorte. Na sexta-feira, a oferta pública de ações (IPO, na sigla em inglês) de sua empresa petrolífera, a OGX, captou 4 bilhões de dólares. É a maior operação desse tipo já feita no país. No fim do dia, as ações fecharam com alta de 8,3%, tendo elevado o valor de sua empresa ao patamar de 23,6 bilhões de dólares, dos quais 60%, ou 14 bilhões, são seus – uma montanha de dinheiro que vai se somar aos outros 6,6 bilhões de dólares de seu patrimônio, segundo a revista Forbes. A operação surpreende pelo valor, mas sua singularidade tem outro motivo: a empresa que tanto atraiu os investidores tem apenas um ano de existência e nenhuma reserva de petróleo provada. Em um só dia, Eike criou uma companhia petrolífera com quase 7% do valor de mercado da Petrobras, empresa com mais de cinqüenta anos de história, que produz 1.918 barris de petróleo por dia e dispõe da mais refinada tecnologia de extração em águas profundas".

O sucesso de Eike deriva de uma confluência de fatores objetivos extremamente favoráveis: a obtenção do grau de investimento pelo Brasil, a alta do petróleo no mercado internacional e a enorme expectativa de prosperidade proporcionada pela nova fronteira de exploração, na camada do pré-sal que se estende pela costa brasileira. Tudo isso forma o cenário definido por um experiente analista do mercado de capitais como "alinhamento dos astros". Graças a esse alinhamento e a uma eficiente capacidade de contratar as pessoas certas, Eike manteve o rumo nos momentos ruins e disparou nos bons. Isso não explica completamente o sucesso alcançado pela OGX. Para compreender o que se passou na Bovespa na sexta-feira, é preciso levar em conta um fator subjetivo, que vem sendo chamado de "efeito Eike".

O que é o efeito Eike? É o vórtice produzido em torno dos grandes movimentos do empresário. Se ele compra participação em uma empresa, as ações passam a ser acompanhadas mais de perto. Se é ele que está à frente da operação, como na semana passada, os grandes investidores se interessam. No volátil mundo das bolsas de valores, Eike virou uma espécie de biruta. Fique claro: trata-se do instrumento que ajuda os navegadores a saber a direção do vento, porque de maluco ele não tem nada. Aos 51 anos, tornou-se o símbolo do novo empreendedor brasileiro. Ele é a cara do capitalismo que começa a se instalar no país, no qual o empreendedorismo se sustenta no mercado de capitais, e não nas benesses estatais. Um ambiente em que o Brasil se afirma como país inserido na economia mundial, confiável aos olhos de investidores estrangeiros, onde os negócios produzem riqueza para empresários e mais ainda para os investidores, que podem ser tanto os grandes fundos quanto as donas-de-casa brasileiras. (...)

Eike ganhou respeito também por outro episódio singular. Quando abriu o capital da MPX, sua empresa de energia, as ações caíram abruptamente, puxadas pela crise das hipotecas nos Estados Unidos. Para reduzir a perda dos que apostaram na empresa, transferiu para a MPX as ações que tinha em duas termelétricas. Na prática, entregou cerca de 1 bilhão de dólares a título de compensação a quem confiou nele. Ganhou o coração dos banqueiros – se é que banqueiro tem coração. Não há notícia, no mundo inteiro, de uma reparação aos investidores dessa magnitude. O que explica decisões como essa, que assustou até mesmo o board de sua holding, a EBX, é a crença em uma forma de fazer negócios que não é muito popular por aqui. Aos amigos, gosta de dizer que, enquanto o governo se preocupa em distribuir a riqueza aos mais pobres, ele a distribui aos ricos. Para ganhar seu primeiro bilhão de dólares, entre 1980 e 2002, repartiu em forma de dividendos outros 24 bilhões. Fez isso remunerando acionistas e oferecendo bônus monumentais a seus parceiros comerciais, categoria na qual inclui seus funcionários. Ficou conhecido no mercado o contrato com o ex-presidente da BR Distribuidora Rodolfo Landim. Eike o levou para sua empresa graças a um pacote de remuneração que pode chegar a 44 milhões de reais, de acordo com as metas de desempenho. É com essa voracidade pelos melhores talentos que tem abocanhado nacos inteiros de equipes de suas principais concorrentes, incluindo Petrobras e Vale".

Para ler repostagem na íntegra, acesse o endereço: http://veja.abril.com.br/180608/p_094.shtml

E para me despedir, nessa sexta-feira, meus sinceros desejos de que possamos tirar boas lições sobre como ser, nesse mundo cada vez mais sem eira, nem beira, birutas, mas com eixo, para sinalizar os bons ventos a quem nos acompanha na caminhada! Considerações muita adequadas, para quem busca lançar-se ao mercado de ações, não só financeiro, mas também pessoal, que traz em si a dicotomia latente entre a condição de sujeito e objeto, da nossa líquida sociedade moderna!

Foto repeteco, por Liana Schulman.

quarta-feira, junho 18, 2008

É melhor certas coisas suportar, do que nessa vida só portar²!







Uma amiga pediu-me uma dica sobre livros de auto-ajuda, tema que sempre evitou... fico eu imaginando um desdenhou, torcendo o narizinho, reação tão comum e previsível quando nos acostumamos a olhar para a intelectualidade como algo de mais valia do que as indas e vindas de emoções sobre as quais não se tem, em geral, controle! E assim compartilhei alguns dos trechos de um livro que pode ser lido, sim, para quem quer ajudar a si mesmo - coisa básica no kit de sobrevivência de qualquer um. Exertos que trago aqui, não apenas para quem pediu socorro.


Nessa oportunidade, aproveito para antecipar algumas brincadeiras. Uma, que li em uma poesia que trilhava entre o só-corro e o socorro. Ao que acrescento agora: é melhor certas coisas suportar, do que nessa vida só portar² - ao quadrado, mas também à "n" potência, se preferirem, para dizer não apenas da inocuidade de tantas coisas portar, sejam materiais, sentimentais ou intelectuais, sem com um outro compartilhar, mas também interrogar, um pouco além, acerca de qual seria o sentido de apenas portar algo, sem nada transmitir, exceto para, quiçá equivocadamente, apenas o umbigo pretender enaltecer.


"Amor Líquido", por Zygmunt Bauman

"Um dilema, de fato: você reluta em cortar seus gastos, mas abomina a perspectiva de perder ainda mais dinheiro na tentativa de recuperá-los. Um relacionamento, como lhe dirá o especialista, é um investimento como todos os outros: você entrou com tempo, dinheiro, esforços que poderia empregar para outros fins, mas não empregou, esperando estar fazendo a coisa certa e esperando também que aquilo que perdeu ou deixou de desfrutar acabaria, de alguma forma, sendo-lhe devolvido - com lucro. Você compra ações e as mantém enquanto seu valor promete crescer, e as vende prontamente quando os lucros começam a cair ou outras ações acenam com um rendimento maior (o truque é não deixar passar o momento em que isso ocorre). Se você investe numa relação, o lucro esperado é, em primeiro lugar e acima de tudo, a segurança - em muitos sentidos: a proximidade da mão amiga quando você mais precisa dela, o socorro na aflição, a companhia na solidão, o apoio para sair de uma dificuldade, o consolo na derrota e o aplauso na vitória; e também a gratificação que nos torna imediatamente quando nos livramos de uma necessidade. Mas esteja alerta: quando se entra num relacionamento, as promessas de compromisso são "irrelevantes a longo prazo".

É claro. Relacionamentos são investimentos como quaisquer outros, mas será que alguma vez lhe ocorreria fazer juras de lealdade às ações que acabou de adquirir? Jurar ser fiel para sempre, nos bons e maus momentos, na riqueza e na pobreza, "até que a morte nos separe"? Nunca olhar para os lados, onde (quem sabe?) prêmios maiores podem estar acenando? ....omissis..."Estar num relacionamento" significa muita dor de cabeça, mas sobretudo uma incerteza permanente...Você busca o relacionamento na expectativa de mitigar a insegurança que infestou sua solidão; mas o tratamento só fez expandir os sintomas, e agora você talvez se sinta mais inseguro do que antes, ainda que essa 'nova e agravada' insegurança provenha de outras paragens. Se você pensava que os juros de seu investimento em companhia seriam pagos na moeda forte da segurança, parece que sua iniciativa se baseou em falsos pressupostos".... Ao contrário de uma escolha pessoal do tipo 'pegar ou largar', não está em seu poder evitar que o parceiro ou parceira prefira sair do negócio. Há muito pouco que você possa fazer para mudar essa decisão a seu favor. Para o parceiro, você é a ação a ser vendida ou o prejuízo a ser eliminado - e ninguém consulta as ações antes de devolvê-las ao mercado, mas os prejuízos antes de cortá-los.... A solidão produz insegurança - mas o relacionamento não parece fazer outra coisa. Numa relação, você pode sentir-se tão inseguro quanto sem ela, ou até pior. Só mudam os nomes que você dá à ansiedade."

"Se não há uma boa solução para um dilema, se nenhuma medida aparentemente sensata e efetiva consegue fazer com que a saída pareça ao menos um pouco mais próxima, as pessoas tendem a se comportar de modo irracional, aumentando o problema e tornando ainda menos plausível resolvê-lo".

"'As relações de bolso', explica Catherine Jarvie, comentando as opiniões de Gillian Walton, do Guia Matrimonial de Londres, são assim chamadas por que você as guarda no bolso de modo a poder lançar mão delas quando for preciso". "A seção 'Espírito dos relacionamentos' do Guardian Weekend vale ser lida toda semana, mas é melhor ler várias edições de uma vez."

"Todo esse aproximar-se e afastar-se para longe torna possível seguir simultaneamente o impulso de liberdade e a ânsia por pertencimento - e proteger-se, se não recuperar-se totalmente, dos embustes de ambos os anseios".

E para continuar a ler sobre, pois minhas ocupações vão para além do ler e datilografar, repito a dica: "Amor Líquido", de Zygmunt Bauman, Ed. Jorge Zahar. Um livro, sim, de auto-ajuda. Mas de primeiríssima qualidade :))


O livro pode se encomendado pelo endereço www.livrariaresposta.com.br, de onde tirei as seguintes referências:



"No final do prefácio de Amor Líquido, Zygmunt Bauman avisa: Este livro é dedicado aos riscos e ansiedades de se viver junto, e separada, em nosso líquido mundo moderno.
E prossegue com um capítulo cujo título é perfeitamente cabível para uma boa leitura de auto-ajuda: Apaixonar-se e desapaixonar-se. Mas Bauman vai além da superficialidade desse tipo de literatura e oferece um pequeno tratado sobre as relações humanas de forma geral. Trata da paixão, mas também do amor ao próximo, do convívio e da sociabilidade na sociedade moderna."
Nahima Maciel, Correio Braziliense

"Seu texto claro, apesar de fortemente estruturado numa erudição consistente, não deixa de abrir espaço para o leitor comum, interessado em compreender como os cidadãos da "modernidade líquida", tentam dar conta da complexidade do amor, que, segundo o autor, é "uma hipoteca baseada num futuro incerto e inescrutável".
Gioconda Bordon, Gazeta Mercantil

"Bauman é um intelectual perspicaz na análise do cotidiano - exercício que retoma em Amor Líquido, que acaba de ser lançado."
José Castello, Valor Econômico

"Que as relações afetivas se transformaram radicalmente, basta observar os casais em volta. Ter sobre o fenômeno o olhar de um pensador como Bauman é alentador. Ajuda a entender e a refletir sobre uma mudança importante na vida de todos nós. Amor líquido não restringe o debate sobre os laços amorosos. Ao contrário, expande a questão para o relacionamento entre pais e filhos, discute as novas formas de sociabilidade a partir da experiência tecnológica, e pensa sobre a questão da aceitação das diferenças étnicas."
Carla Rodrigues, Nominimo


Tradução: Carlos Alberto Medeiros

ÍNDICE DO LIVRO

1. Apaixonar-se e desapaixonar-se
2. Dentro e fora da caixa de ferramentas da sociabilidade
3. Sobre a dificuldade de amar o próximo
4. Convívio destruído

Sobre o autor:


Zygmunt Bauman

ZYGMUNT BAUMAN, sociólogo polonês, iniciou sua carreira na Universidade de Varsóvia, onde teve artigos e livros censurados e em 1968 foi afastado da universidade. Logo em seguida emigrou da Polônia, reconstruindo sua carreira no Canadá, Estados Unidos e Austrália, até chegar à Grã-Bretanha, onde em 1971 se tornou professor titular da Universidade de Leeds, cargo que ocupou por vinte anos. Responsável por uma prodigiosa produção intelectual, recebeu os prêmios Amalfi (em 1989, por sua obra Modernidade e Holocausto) e Adorno (em 1998, pelo conjunto de sua obra). Atualmente é professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia. Tem mais de dez obras publicadas no Brasil por Jorge Zahar Editor, todas elas de grande sucesso.

segunda-feira, junho 16, 2008

A Atitude Correta




Como pretendo em breve fazer um 'link' entre corpo e sanidade, à moda hindú, venho hoje apenas reproduzir um texto de autoria de Miguel Homem.


E para trazer, mesmo na reprodução, alguma velha novidade, despeço-me com um outro link, acerca desse desafio de viver o presente conscientemente, bem aqui, em meio a tudo que nos cerca. E quanto a isso, nesse desejo de desfrutar a vida prazeirozamente, no mandamento de nosso tempos: Enjoy, Enjoy!, bem o disse a nossa Clarice Lispector, na sua "A Hora da Estrela" (Ed. Rocco, pág. 23)- sempre essa, nesse aqui e agora :))


"Também esqueci de dizer que o registro que em breve vai ter que começar - pois já não agüento a pressão dos fatos - o registro que em breve vai ter que começar é escrito sob o patrocínio do refrigerante mais popular do mundo e que nem por isso me paga nada, refrigerante esse espalhado por todos os países. Aliás foi ele quem patrocinou o último terremoto em Guatemala. Apesar de ter gosto do cheiro de esmalde de unhas, de sabão Aristolino e plástico mastigado. Tudo isso não impede que todos amem com servilidade e subserviência. Também porque - e vou dizer agora uma coisa difícil que só eu entendo - porque essa bebida que tem coca é hoje. Ela é um meio da pessoa atualizar-se e pisar na hora presente".


Karma Yoga I e II - A atitude correcta
Miguel Homem



O Karma Yoga é muitas vezes ensinado e entendido como o exercício da acção sem expectativas ou a acção desinteressada. O Swami Dayananda ensina que não é possível praticar uma acção sem esperar um resultado. A negação desta verdade representa a não compreensão e não aceitação da natureza humana.

Uma vez que percebemos que a “inacção na acção” não é não esperar um resultado, mas sim aceitar que não podemos mudar um resultado e aceitá-lo em santosha (contentamento), ou seja, agir sem apego ao resultado, agir com desapego; então compreendemos o ensinamento do Karma Yoga.


Karma Yoga não é fazer karma, acção, não é agir, fazer algum tipo de trabalho. Por isso, não é manter o jardim limpo, ajudar na cozinha, lavar a roupa, ajudar no trabalho de escritório. Fazer isto, fazer aquilo. Como se pode fazer Karma Yoga? E por outro lado como se pode deixar de produzir Karma?

na hi kashcitkshanamapi játu tishthatyakarmakrt |
káryate hyavashah karma sarvah prakrtijairgunaih || 5||

“Nem mesmo por algum instante, alguém permanece sem praticar qualquer acção; querendo ou não, é impelido à acção pelos três gunas da Prakrti. (Bhagavadgítá III-5).

Se existe uma escolha, a escolha é entre Karma Yoga e Sannyása e não entre agir e não agir. Aqueles dois existem como vias para moksha. Moksha é auto-conhecimento, libertação da necessidade de querer ser algo diferente. Não é uma luta para se conseguir algo, mas libertação da luta para se tornar algo. O conhecimento é o caminho, e para tanto existe Sannyása ou Karma Yoga. Sannyása não tem obrigações que não ahimsá, não violência, porque tudo é abandonado em prol de uma vida de busca do conhecimento – brahmavidyá. Na vida de Karma Yoga os deveres que são abandonados pelo sannyásí mantêm-se. É uma vida de conciliação desses deveres com a busca de conhecimento.


A expressão Karma Yoga é composta de duas palavras, karma e Yoga. A palavra karma, neste contexto, significa acção apropriada. A palavra Yoga, aqui, significa atitude correcta. Assim, a acção correcta e a atitude correcta em relação aos frutos da acção formam o Karma Yoga.


As Shástras classificam as acções humanas em três tipos consoante a influência que essas acções têm sobre o chitta shuddhi do ser humano. Chitta shuddhi pode ser traduzido como a purificação da mente.

Aqueles três tipos ou categorias são uttama, máxima influência positiva, que mais contribuem para chitta shuddhi; madhyama, de limitada ou nenhuma influência, o que significa que são acções que podem ter uma influência material positiva ou até muito positiva, mas pouca influência espiritual. E por fim, adhama karmani, as acções que tÊm influência negativa, que atrasam o nosso crescimento. Vejamos melhor:

Uttama Karmani ou sattvika karmani são as acções em que predomina o guna sattva, são todas as acções que vão beneficiar o máximo número de seres. Aquelas em que ajudamos ou contribuímos para o bem estar dos outros seres vivos – para upakara karmani. São os karmas em que damos mais e recebemos menos, e por isso mesmo em que mais crescemos como seres humanos. Os Shástras apontam esses karmas: panchamaháyajña, os cinco yajña (que significa literalmente sacrifício). Acções em que contribuímos para o bem estar do mundo.

1. Devayajña – É o acto se sentar em frente ao ishta deva e fazer um mantra, como o Mangala Mantra:

|| svasti páthah ||
“Invocação da felicidade”

om svasti prajábhyah paripálayantam
“Om que haja felicidade para todas as pessoas;

nyáyena márgena mahim mahísháh |
que os governantes governem o mundo no caminho da justiça;

gobráhmanebhyah shubhamastu nityam
que haja sempre o bem para os sábios e os animais;

lokáh samastáh sukhino bhavantu ||
que todos os seres sejam felizes.”

Para quem o compreende no seu verdadeiro sentido é um pújá. É o acto feito com sincera intenção, com o coração. Fazer o mantra com a intenção de ajudar não apenas a humanidade, mas também todos os animais e plantas. A simples vibração dos mantras védicos é suficiente para produzir paz e harmonia. Ainda assim, o mantra não precisa ser feito em sânscrito, pode ser feito em qualquer língua. O importante é criar o hábito de cultivar essa intenção de ajuda.

2. Pitryajña – que consiste na expressão da minha gratidão a todos os ancestrais, graças a quem estou aqui e posso levar a vida nos termos em que o faço.

3. Brahmayajña – expressar a minha gratidão a todos os rshis, os sábios da antiguidade a quem se atribui os Vedas. Essa gratidão e reverência continua até hoje por e para todos os que perpetuaram o ensino das escrituras. Na verdade é uma reverência ao parampará tão bem expresso neste mantra:

sadáshivasamárambhám shankarácháryamadhyamám
asmadácháryaparyantám vande guruparamparám|

“Começando auspiciosamente com Sadáshiva com o professor Shankara, no meio, continuando até ao meu professor, saúdo a progressão de professores.”

Este é o mantra com que muitos ácháryas começam os seus ensinamentos. A forma de mostrar a minha gratidão é manter viva a tradição do ensino, aprender, preservar e dar a conhecer a outros, porque este é um conhecimento que realmente pode ajudar a humanidade. Por isso se diz que a melhor caridade é dar vidhyá, jñánam. O ensino requer o conhecimento e uma estrutura que o integre de forma a não confundir mais, mas a iluminar.

4. Manushayajña – ajuda social, obras sociais, caridade, serviço social.

5. Bhútayajña – ajudar os seres vivos não humanos. Todos os outros seres vivos contribuem para o meu bem-estar através do equilíbrio dos eco-sistemas. Assim como eles me ajudam eu também devo ajudá-los, não só aos animais e plantas, mas a toda a natureza. Ajudo os rios ao não contribuir para a sua poluição. Se tenho uma planta em casa, assumo a obrigação de a regar. Se não posso ajudar todos os animais, pelo menos ofereço parte da comida que tenho para os animais vadios com que me cruzo. Isto é consciência da totalidade e ser um Vaidika é ser consciente da totalidade.

Estes cinco karmas contribuem para o crescimento do ser humano, contribuem para o chitta shhuddi, a pureza da mente. A Bhagavad Gítá expõe sobre estes karmas nos capítulos VIII e XVII.

Madhyama ou rajas karmani ou para udasana karmani são as acções em que as outras pessoas ou seres são ignoradas. Não me preocupo com os seus problemas ou com as consequências das minhas acções sobre eles, preocupo-me apenas comigo. Esses karmas egoístas ajudam-me no meu bem-estar material, mas ou não contribuem ou pouco contribuem para o meu crescimento.

O terceiro tipo de karma é adhama karmani, tamas karmani ou para apakara karmani. Estas acções não só não me ajudam, como me atrasam no meu crescimento. Por exemplo, quando chego ao autocarro e existe um lugar vago posso oferece-lo a outra pessoa, posso correr para o conseguir ou posso até empurrar a pessoa que está ao meu lado para chegar primeiro ao lugar. A cada uma das acções descritas correspondem respectivamente os 3 tipos de karmas que descrevemos, sendo a última opção adhama karma. Adhama karma é inevitável e está sempre presente. Não posso deixar de matar insectos quando ando, corto a relva ou conduzo um carro. Ainda assim, estes karmas ou melhor dizendo o seu fruto – karmaphala – podem ser neutralizados pelos sattvika karmas.

A tentativa do karma yogi é alterar a proporção destes karmas de modo a aumentar os primeiros – torná-los dominantes – reduzir os segundos e deixar de praticar os terceiros. Por outro lado, a acção, o karma está sujeito a uma escolha. Posso escolher:

1. fazer;
2. não fazer;
3. ou fazer, mas de forma diferente da que havia planeado.


Mesmo quando, por qualquer motivo estamos obrigados a fazer alguma coisa, podemos sempre escolher não a fazer. Também podemos escolher os meios para a fazer. Esses meios devem estar de acordo com o Dharma. Por isso, a Gítá (II-50) ensina:

yogah karmasu kaushalam || 50||
“Yoga é a perfeição na acção.”


Ser perfeito na acção não é ter perfeição nalgum tipo de acção, mas seguir e aceitar o Dharma na acção.

II -

Supor que Karma Yoga consiste em realizar acções sem expectativas, sem esperar resultados, é criar um conceito insusceptível de ser realizado. Como Krshna poderia tocar a flauta sem esperar que fosse produzido som e ele fosse ouvido?

Ninguém pode agir sem esperar resultados. O resultado das nossas acções pode ser de quatro tipos:

1. Exactamente igual ao que esperávamos;
2. mais do que esperávamos;
3. menos do que esperávamos, ou
4. completamente diferente do que esperávamos.

Se eu não quiser produzir som não posso bater as palmas das mãos. Se eu pedir às mãos para não fazerem barulho, elas vão continuar a fazer, porque isso está de acordo com as leis da física, com a Ordem Natural. Posso escolher bater ou não as palmas, mas não posso escolher o resultado. Os resultados estão de acordo com a ordem de Íshvara. A ordem é Íshvara e o resultado também é Íshvara. Por isso a Gítá (II-47) ensina:



karmanyevádhikáraste ma phaleshu
kadácana |
má karmaphalaheturbhúrmá te
sango'stvakarmani || 47||


“Temos uma escolha sobre a acção, mas não, em nenhum tempo, sobre os resultados; Não te tomes como o autor dos resultados da acção, nem te apegues à inacção.”


Os resultados podem ser aceitáveis ou não aceitáveis. No enfrentar e lidar com os resultados das nossas acções reside o Karma Yoga. Para isso precisamos de um certo entendimento da ordem do Universo – de Íshvara. O resultado das nossas acções é sempre um resultado que está de acordo com a ordem do Universo, com as leis da Natureza. O presente é sempre o momento cósmicamente perfeito, por isso devemos aceitá-lo como prasáda, como um objecto que nos é doado. A atitude deve ser de grata aceitação, prasáda buddhi.
Cultivar prasáda buddhi em relação aos resultados da acção é Karma Yoga.

Quando pratico uma acção, no exacto momento em que a pratico, ela deixa de ser minha. E nesse momento todas as leis do universo passam a agir sobre ela. No momento em que executo uma acção, as leis universais entrem em acção e devolvem-me o efeito da acção, sejam essas leis, a gravidade ou outras que desconheço. As leis universais existem de forma a manter a harmonia da existência e do mundo. Assim, quando ajo e o faço com esta consciência, recebo o fruto da acção como prasáda, que não pode ser rejeitada, não pode ser criticada e deve ser recebida com agradecimento. Isto é Yogah, e desta forma, gozo de uma mente equanânime – samatvam.

yogasthah kuru karmáni sangam tyaktvá dhanañjaya |
siddhyasiddhyoh samo bhúvá samatvam yoga ucyate ||

“Realiza todos os teus actos em Yoga, renúncia aos apegos, ó Dhanañjaya, e na perda e no ganho permanece o mesmo. Equanimidade (da mente) é yoga” Bhagavadgítá, II-48.


Karma Yoga permite o chitta shhuddi, permite-me perceber que todos os meus problemas na vida não são causados pelo mundo mas pela forma errada com que eu tenho de lidar com o mundo. Forma essa causada pela minha ignorância. O eu ignorante lida com o mundo de forma errada e por isso sofre.


http://www.dharmabindu.com/gera_pagina.php?lingua=pt&pagina=ensinamento&id_artigo=207
http://www.dharmabindu.com/gera_pagina.php?lingua=pt&pagina=ensinamento&id_artigo=208

sexta-feira, junho 13, 2008

Holodomor






Se não houvesse a busca de novos horizontes, eu não estaria aqui. Um certo lado meu aportou nessas terras tupiniquins num certo 15 de abril de 1912 - um dos marcos em minha vera ancestralidade.

Foi nessa data que pisaram em terra firme, vindos de Karlopolis, João Dmyterko e Emília Dmyterko, ambos, salvo engano, nascidos em Baworow, umas das vilas que compunham o distrito de Tarnopol. Ela, quando solteira, Senkow pelo pai André e Dzyga pela mãe Madalena. O primeiro filho deles nasceu em alto-mar. Foi nomeado José, mas gostava de chamar a si mesmo de José, o Galiciano. Era assim que assinava seus quadros, suas esculturas e seus sapatos. Orgulhava-se ele, na juventude, talvez por herdar os dons do domínio da arte da marcenaria do pai João, de esculpir em 15 minutos um salto de sapato, no melhor estilo Luiz XV, para a alegria de muitas e vaidosas senhoritas. A filha mais nova desses imigrantes veio a ser a minha avó paterna Alice.

Foi também em certo quinze de abril, em homenagem ao gênio misterioso da Madonna de Da Vinci, também nascido nesta data, que brinquei com essas palavras:

Dalla Mona
Di Da Vinci
Agli tanti Leonardi,
Uno. Ed Una,
MaDonna!

Assim, imersa nesse arraial de tantas procedências, busquei, lá no ido e doído ano de 2006, referências sobre um outro lado meu. E foi quando me deparei com as pinturas que ilustram esse post. E me pergunto de onde é que veio a inspiração para a repetição desses temas. Deve ser da imaginação, provavelmente opinariam aqueles que insistem em ver apenas a sua parcela da verdade...

Para saber mais sobre o tema retratado nas imagens, acesse as informações nos links abaixo, que falam sobre a negação/aceitação do genocídio praticado na Ucrânia, entre os anos de 1932 e 1933, decorrente da fome que matou entre 7 a 10 milhões de pessoas.

http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/mundo/conteudo.phtml?tl=1&id=775927&tit=Gen

http://209.85.215.104/search?q=cache:nfA6nGfHkYAJ:pt.wikipedia.org/wiki/Holodomor+Holodomor&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br

A Ressonância Schumann





A Ressonância Schumann
Por Leonardo Boff - Teólogo

Não apenas as pessoas mais idosas mas também jovens fazem a experiência de que tudo está se acelerando excessivamente. Ontem foi carnaval, dentro de pouco será Páscoa, mais um pouco, Natal. Esse sentimento é ilusório ou possui base real? Pela “ressonância Schumann” se procura dar uma explicação. O físico alemão W.O. Schumann constatou em 1952 que a Terra é cercada por uma campo eletromagnético poderoso que se forma entre o solo e a parte inferior da ionosfera que fica cerca de 100 km acima de nós. Esse campo possui uma ressonância (dai chamar-se ressonância Schumann) mais ou menos constante da ordem de 7,83 pulsações por segundo. Funciona como uma espécie de marca-passo, responsável pelo equilíbrio a biosfera, condição comum de todas as formas de vida. Verificou-se também que todos os vertebrados e o nosso cérebro são dotados da mesma frequência de 7,83 hertz. Empiricamente fêz-se a constatação que não podemos ser saudáveis fora desta frequência biológica natural. Sempre que os astronautas, em razão das viagens espaciais, ficavam fora da ressonância Schumann, adoeciam. Mas submetidos à ação de um “simulador Schumann” recuperavam o equilíbrio e a saúde.

Por milhares de anos as batidas do coração da Terra tinham essa frequência de pulsações e a vida se desenrolava em relativo equilíbrio ecológico. Ocorre que a partir dos anos 80 e de forma mais acentuada a partir dos anos 90 a frequência passou de 7,83 para 11 e para 13 hertz por segundo. O coração da Terra disparou. Coincidentemente desequilíbrios ecológicos se fizeram sentir: perturbações climáticas, maior atividade dos vulcões, crescimento de tensões e conflitos no mundo e aumento geral de comportamentos desviantes nas pessoas, entre outros. Devido a aceleração geral, a jornada de 24 horas, na verdade, é somente de 16 horas. Portanto, a percepção de que tudo está passando rápido demais não é ilusória, mas teria base real neste transtorno da ressonância Schumann.

Gaia, esse superorganismo vivo que é a Mãe Terra, deverá estar buscando formas de retornar a seu equilíbrio natural. E vai consegui-lo, mas não sabemos a que preço, a ser pago pela biosfera e pelos seres humanos. Aqui abre-se o espaço para grupos exotéricos e outros futuristas projetarem cenários, ora dramáticos, com catástrofes terríveis, ora esperançadores como a irrupção da quarta dimensão pela qual todos seremos mais intuitivos, mais espirituais e mais sintonizados com o bioritmo da Terra.

Não pretendo reforçar este tipo de leitura. Apenas enfatizo a tese recorrente entre grandes cosmólogos e biólogos de que a Terra é, efetivamente, um superorganismo vivo, de que Terra e humanidade formamos uma única entidade, como os astronautas testemunham de suas naves espaciais. Nós, seres humanos, somos Terra que sente, pensa, ama e venera. Porque somos isso, possuimos a mesma natureza bioelétrica e estamos envoltos pelas mesmas ondas ressonantes Schumann. Se queremos que a Terra reencontre seu equilíbrio devemos começar por nós mesmos: fazer tudo sem stress, com mais serenidade, com mais amor que é uma energia essencialmente harmonizadora. Para isso importa termos coragem de ser anti-cultura dominante que nos obriga a ser cada vez mais competitivos e efetivos. Precisamos respirar juntos com a Terra para conspirar com ela pela paz.

quinta-feira, junho 12, 2008

Mico e Vaquinha: eternos e-namorados!



Para não deixar passar esse 12 de junho em branco, data em que se comemora o "Valentine's Day" pelas bandas de cá, um texto nada programado, a partir dos nomes e histórias quase reais dos nossos personagens, flagrados pela minha câmara, aqui, às voltas um com o outro :))




O Mico foi um cachorrinho que, quando o caseiro da chácara de uma amiga achou lá pelas bandas de Colombo, onde fica a casa da sua namorada, recebeu esse nome não só por ser parecido mesmo com um macaquinho, mas também porque acharam ser filhote de labrador. Mas hoje, o Mico já não é mais criança e todo mundo sabe que ele é mesmo um vira-lata.

A Vaquinha apareceu lá no Barigüi, o parque. E nas redondezas fez seus dois lares. Na verdade ela não é uma vira-lata qualquer, abandonada. Também lady por natureza, foi ela quem adotou seus lares e donos. À luz do dia, na vizinha, com toda a companhia da dona da casa e das crianças, manhã e tarde afora e, mais à noitinha, do marido também. À noite, vai-se para a outra casa, de sua outra dona, onde divide um aprazível espaço com outros cachorros de coração, uma mais velhinha, já cega, e outro em pleno vapor da juventude- seu companheiro nas andanças noturnas por caminhos alhures do parque, com seus mistérios alumbrados*, desvelados à luz da lua. O nome, já trazia impresso em seu semblante, branco, preto e um pouco de um dourado castanho, como toque de sua singularidade.

Mico e Vaquinha não moram juntos, ele fica com as coisas do campo, enquanto ela se ocupa de suas outras casas, de suas outras vidas. Mas volta e meia, quando o fim-de-semana chega, eles se encontram no campo, às vezes em festa, em meio a outros amigos, às vezes em manhãs mais 'cosi', como aquelas que remetem ao aconchego do aconchego.

*alumbramento, segundo o Aurélio: inspiração sobrenatural, iluminação, deslumbramento, maravilhamento.

"Um dia eu vi uma moça nuinha no banho. Fiquei parado o coração batendo. Ela se riu. Foi o meu primeiro alumbramento." (Manuel Bandeira, Estrela da Vida Inteira, p. 116).

Em 13.12.2008: Bem, na verdade essa história, feita em cima de tantos aparatos da realidade, não conseguiu se furtar do fenômeno que acontece com o contar, pois lá fui eu fazer confusões. Pois bem, por isso a referência a fatos quase reais. De qualquer forma, venho aqui para contar a existência de uma outra personagem, chamada Nina. Se a Vaquinha e a Nina são uma alter ego da outra, isso é coisa que só a imaginação vai poder dizer... e, também, se meus ímpetos escrivinhantes desejarem, com essa historinha, prosseguir :))

quarta-feira, junho 11, 2008

O dito do mito que nos espreita: verdade ou mentira?


Eu não gosto muito de vir aqui escrever direto, fazer desse espaço algo como se fosse um diário, um confessionário. Mas falo tanto de questões sob a ótica da filosofia, do direito e da multiplicidade de religiões, que hoje farei diferente.

Talvez, apenas talvez, uma das primeiras vezes que esse sentimento me ocorreu, na idade mais recente, foi quando assisti ao filme "Carandiru". Filmes de violência, de mocinhos e de bandidos, como Tropa de Elite - ao qual, pasmem, não vi-, tão em voga pelas terras tunipiquins, costumam me brindar com esse tipo de irresignação. Mas o que marcou em mim, em Carandiru, foi a intensidade com que foi trabalhado o lado humano dos personagens. E saí de lá com a sensação de uma certa culpa, tão comum aos neuroticamente obsessivos, seja estruturalmente ou apenas num sintoma, aqui coletivo. O que fazer? Uma culpa, porém, que vem a partir de um eu, egóico, em seu instinto de preservação, convém deixar bem dito.

Pois hoje me chega a notícia, não virtualmente, mas por ouvir dizer, de cerca de onze episódios já ocorridos em Curitiba, onde um flanelinha, após não receber algum trocado no sinaleiro, ou quiçá um que entenda suficiente, agride suas vítimas com um tipo de ácido que causa queimaduras de grau tão violento, que já se propaga que até uma orelha buscou-se reconstruir. E a confirmação do 'mito' já veio de boca, por ser conhecida da mulher de um dono de posto da cidade. O 'causo', foi uma amiga que ouviu. E quando eu fui contar, disseram-me que era mentira. Também ouvi de um furto inusitado, cuja historieta vou repassar! Casa de praia, cenário bucólico, se não fosse uma certa aura de abandono, de falta de vida circulando, de cultura propriamente dita, exceto a local que avança a passos lentos, contrariamente à violência, que vem, ao que parece, numa conivente convivência que soa contraditória, porquanto conjuga passos que surpreendem pela ligeireza, mas interrogam por se revelarem pesados, demasiadamente pesados... Reunir qualidades assim, bem nos diz a História, é coisa para os mitos que habitam os Olímpos. Bem aqueles que teriam sido os primeiros responsáveis, para nós ocidentais, pelas loucuras que porventura possam pairar sobre o humano: um mistério sempre às voltas com o sobre-humano. Prosseguindo no caso, o fato é que os donos da residência, após se darem conta do ocorrido, podiam sentir no ar que algo cheirava muito mal, apontando para um lado muito mais perverso e cruel da violência inusitada que espreita a nossa pseudo-civilidade. O cheiro, pois bem, só bem depois de completamente impregnado por todos os poros da casa, acharam de onde vinha. Do lustre do quarto do casal, que tinha feito as vezes de pinico. Os visitantes não convidados, querendo mostrar educação, deram-se ao trabalho de colocar o utensílio lá no teto, bem lá em cima, no seu devido lugar.

E de "Causos&Causos", bem à moda publicitária, que nos incita cada vez mais ao compre, dê um destino à imensidão de bens que são produzidos por milhões dos agraciados trabalhadores que possuem um emprego, alguns mais, outros menos escravizantes, e bem por isso, torne-se, igualmente, uma vítima daqueles que não podem participar da brincadeira. Disso, certamente, venhamos e convenhamos, qualquer criança sabe, desde muito pequenininha: quem gosta de ficar de fora do jogo? Perceber, após dele ter participado, que há desafios mais singulares e mais à moda de cada um, pode, sim, fazer qualquer um, voluntariamente, não querer, necessariamente, fazer parte do jogo - se é que isso é possível, pensando em termos de convívio social coletivo. Mas, de qualquer forma, é fato: o grande desafio é fazer com que todos possam brincar. E, enquanto não lograrmos chegar à fórmula mágica de acesso a esse paraíso aqui na terra, muitos, certamente, ainda vão se machucar. E que haja, sempre, anjos, lá no céu como aqui na terra, para curar e aconchegar.

terça-feira, junho 10, 2008

Udumbara






Numa certa manhã, exatamente em um 10 de junho de 1975, nascia um querido presente na minha vida: minha irmãzinha, que veio ao mundo com o nome de Marcinha. Quem assim lhe nominou foi o meu pedido de criança, que se voltou à mãe, então só minha e de meu irmão, para pedir uma 'marcinha prá mim'! E a tal desejo, nem o aparente não desejo declarado de meus pais se fez de rogado: numa rara manhã de inverno, tão rara como aqueles dias de neve pela minha terra, um pouco mais abaixo da linha do Equador, nascia uma linda branquinha na neve!

Rara, como a flor de Udumbara, que dizem só florescer aqui em raros ciclos de transformação. Contam que o último período de floração se deu há uns três mil anos, que hora se renova em nossa era.

Recentemente, muitos floresceres têm sido vistos mundo afora, em terras como América do Norte, Korea, Austrália, China, Honk Kong e Taiwan e lugares diversos, como, por exemplo, sobre uma estátua de um Bodhisattva, no Templo Zen Zumi, na Koréia, em maio de 2005.

Remonta a tradição budista que o seu aparecimento vem para anunciar boas novas, tempos auspiciosos, cujo significado só pode ser completamente apreendido por uma perspectiva religiosa e espiritual.

Relatam as escrituras budistas que a palavra sânscrita Udumbara significa flor auspiciosa do céu, que não existe no plano mundano, motivo pelo qual apenas se manifesta por nossas terras como sinal de grandes virtudes e bençãos que estão por chegar. Uma benção como ter uma "Marcinha" para, em irmandade, a vida compartilhar :))


Breves interlocuções feitas a partir de informações contidas em www.clearwisdom.net/emh/articles/2007/8/18/88700.html - 23k.

O mito da história.


Recentemente venho acompanhando um curso, onde se pretende estabelecer um paralelo entre os pensamentos psicanalítico e psiquiátrico. Deu-se início, assim, a uma exposição acerca da evolução histórica sobre o que se denominou as causas da loucura, buscando-se situar a sua origem ou a partir do grande outro, ou do somma - o próprio corpo enlouquecido, destacando-se que o deslocamento da amoralidade, como causa inédita da loucura, teria sido introduzido na dialética do pensamento apenas a partir da metade do Século XIX.

A par dessa exposição, foi inevitável que eu, já afeta às questões do que se abarcam pelo nome-cadinho de hinduísmo, fizesse uma interpelação: pois bem, evolução história a partir do pensamento ocidental, considerando que já estava familiarizada com as teorias que remontam a civilização desde as eras da coabitação entre os povos arianos, védicos, autocnes e dravidianos, que teriam florescido aproximadamente entre 2800 e 1900 aC., de acordo com as escavações dos sítios arqueológicos de Mohenjo-Daro e Harapa, localizados onde se situava o antigo Vale do Indo, no atual Paquistão.

Como aponta Carlos Alberto Tinoco (As Upanishads do Yoga, Textos Sagrados da Antiguidade, Ed. Madras, pág. 25/26), a partir da teoria adotada por Georg Feuerstein, os arianos védicos falavam um idioma do grupo indo-europeu, compartilhando muitas características étnicas com os povos da mesma família. Pertenciam ao mesmo grupo dos celtas, godos, persas e outros. Todos os povos que falam indiomas indo-europeus são descendentes dos chamados proto-indo-europeus, que podem ter existido, segundo Feuerstein, já no sétimo milênio antes da era cristã.

Assim é que quis vir até aqui para compartilhar exertos de um artigo entitulado "A Crítica de Hegel à Filosofia da Índia", elaborado pelo Professor Roberto de Andrade Martins (Diretor do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da Unicamp), que se encontra encartado na obra do Prof. Carlos Alberto Tinoco(ob.cit., fls. 209/259).


"De acordo com Hegel, o pensamento oriental precede o surgimento da filosofia propriamente dita, mas não é filosofia. Na evolução do pensamento humano, toma-se como ponto de partida do Espírito a concepção de uma unidade amorfa, que Hegel compara com uma semente, um ser-em-si que é um ponto de partida, mas abstrato, simples, não desenvolvido, que ainda precisa realizar-se, no processo de vir a ser. E, para isso, faz-se necessário um processo de ruptura para com a unidade primitiva, que algo se faça distinto do restante, dando início a uma consciência da distinção. Passa-se, assim, do ser-em si para o estar-lá. De uma unidade passa-se a uma ruptura. O espírito chega ao estar-lá, ou seja, a consciência tem um objeto. Nessa separação surge a idéia de liberdade e de finalidades, de objetivos: o ser existe para si. Como um terceiro estágio, o ser-para-si torna-se consciente da unidade, e deixa o estado de consciência fragmentária. Mas essa consciência da unidade que o Espírito pode atingir não é um retorno à unidade simples primitiva.
Esse processo de evolução pode ser exemplificado na relação entre a filosofia e o mito religioso. O pensamento religioso primitivo tem por sua forma de representação o mito. A religião grega primitiva, por exemplo, tinha por ‘teoria’ a mitologia de seus deuses e heróis. A mitologia permitia aos gregos identificar-se com certas situações, ter certos sentimentos, mas não continha, propriamente, pensamentos. Por isso, como indica Hegel (H.F., p. 169-III),o surgimento da filosofia grega significa uma oposição e um choque com a religião popular. O pensamento filosófico começa a opor-se e desejar criar a sua própria base; o filósifo está lá, e a religião está em outro lugar. Por fim, durante a fase do neoplatonismo, os filósofos reconhecem a unidade fundamental do mito e da filosofia, já não combatem a religião, mas isso não significa uma volta ao princípio simples e indiferenciado: o pensamento continua a existir.

“... O pensamento manifesta-se inicialmente na religião, encontra-se nesse conteúdo substancial; não é, portanto, livre por si. Ele se fortalece; em seguida, capta a si mesmo como repousando sobre si, apoiando-se sobre sua forma e, não se reconhecendo na outra forma (do pensamento religioso), toma uma atitude hostil em relação a ela.
Em terceiro lugar, ele (o pensamento) se reconhece também nessa forma, e chega a reconhecer este outro como um movimento de si próprio”. (H.F., p. 169-I)

É com base nessa sucessão de etapas, reconhecendo em qual delas se situa o pensamento, que se pode determinar o seu valor.

“As primeiras filosofias são necessariamente simples, abstratas e gerais... As primeiras filosofias possuem o conteúdo mais pobre; nelas a idéia é menos determinada; elas ficam em generalidades que permanecem ocas”. (H. F., PP. 127-131-I).

O caráter de generalidade, em uma filosofia, é portanto negativo e primitivo, assim como a excessiva abstração.

(...)

Enquanto muitas pessoas procuram no pensamento antigo a mais elevada sabedoria, Hegel acredita que a filosofia está em evolução positiva constante e que o mais antigo é inferior ao mais moderno. (...) Dentro dessa concepção geral, portanto, a filosofia da Índia é considerada das mais baixas, por ser das mais antigas; corresponde a um período em que não se separa o pensamento religioso do filosófico, e portanto é anterior à criação de um pensamento filosófico autêntico e independente; e é um pensamento típico da fase de unidade amorfa do Espírito, caracterizando-se, portanto, por sua abstração, sua generalidade. Esse pensamento é então pré-filosófico. (...)

Hegel vê toda essa concepção como o resultado de uma imaginação desvairada e sem limites, que quer transformar tudo em divino, e que por isso mesmo rebaixa a idéia do divino. (...)
Hegel também vê nesse tipo de panteísmo uma irracionalidade extrema, pois nele algumas vezes o Absoluto é apenas o Uno, Brahmam, e os deuses são apenas partes; mas outras vezes cada uma das partes, ou uma delas em especial, é considerada como o próprio Absoluto, o que é absolutamente ininteligível.
Hegel vê na religião indiana um pensamento confuso e instável, em que nada é fixo, as formas e as idéias mudam como nuvens... (...)

Note-se que, ao descrever a doutrina do Yoga como filosofia, Hegel está apenas sendo irônico, e não contradizendo sua posição inicialmente exposta. Quando fala sobre a Índia, ele não está apenas expondo idéias; está fazendo retórica, e por isso é importante reproduzir sua linguagem, como estamos fazendo por meio dessas citações. Nelas, pode-se notar todo o desprezo pelos indianos:

“Eles renunciam a todo movimento, a todo interesse, a toda ligação. Cessam de visitar os amigos, renunciam a tudo o que é humano e mergulham em uma meditação silenciosa. Eles são venerados e nutridos por outros; eles permanecem sem falar, em um embrutecimento morno, com os olhos fechados ou fixando o Sol. Quando um indivíduo se mantém nessa abstração renuncia a tudo e está morto para o mundo, ele é chamado Yogin” (F.R, p. 136).

Hegel sabe muito bem que esses místicos eram conhecidos e admirados pelos gregos, desde a expansão de Alexandre Magno. Por isso, ele toma o cuidado de anular o efeito do conceito dos gregos. (...)

As sucessivas estruturas sociais que a humanidade desenvolveu em sua história são aspectos particulares da evolução do espírito; essa evolução é dirigida pela potencialidade interna do próprio Espírito, que quer conhecer-se e se realizar: ‘Pode-se dizer que a história universal é a representação do Espírito em seu esforço para adquirir o conhecimento daquilo que ele é”. (F.H, p 28). Ora, o Espírito é essencialmente livre, mas no início de sua evolução ele não tem consciência disso. Esse estágio mais baixo corresponde ao Oriente; “Os orientais não sabem ainda que o Espírito ou o homem como tal é livre em si. Como não o sabem, eles não o são” (F. H., p 29).

Essa descoberta da liberdade teria sido gradativa; os orientais, não se sabendo livres, deixavam-se dirigir por qualquer um; este um, o déspota, era livre, mas só ele. Na Grécia, teria surgido, depois da consciência da liberdade, mas esse conceito se aplicava apenas a alguns: os cidadãos. Os escravos não eram livres. Portanto, os gregos e os romanos sabiam apenas que alguns eram livres. Por fim, as nações germânicas teriam atingido, dentro do Cristianismo, a consciência de que o homem como tal é livre (F.H, p. 29, H.F, PP. 63, 73, 200-206).

No Oriente, há apenas um tipo de liberdade que Hegel chama de ‘liberdade substancial’ (H.F, 96). Os sujeitos se subordinam a leis e mandamentos externos, que não brotam da vontade dos indivíduos. ‘Os sujeitos são assim semelhantes a crianças, que, sem vontade nem julgamento próprios, obedecem a seus pais’, com fé e confiança cegas (F.H, p. 97). Os sujeitos evoluem em torno de um centro, de um soberano que os encabeça como patriarca. Esse patriarca deve aplicar e fazer obedecer a uma moralidade à qual os sujeitos precisam conformar-se. O fator moral é substancial. Sendo as leis exteriores ao sujeito, elas só possuem direito coercitivo (F.H, p. 105). O homem não tem a intuição da sua vontade própria, mas de uma vontade que lhe é estranha. Por essa sua índole, os orientais são facilmente dominados, e como os europeus, pelo contrário, são enérgicos e dominadores, ‘submeter-se aos europeus é o destino fatal dos impérios asiáticos’.

A estrutura das castas, na Índia, é a evidência clara dessa ordem artificial externa, que não brota dos sujeitos.
Para que a liberdade se realize, deve-se ultrapassar o egoísmo e as paixões, a vontade subjetiva; a ação livre se baseia no conhecimento da vontade universal, racional. Dessa forma ocorreria uma harmonização entre o Estado e o indivíduo (F.H, p. 52). Pelo pensamento, o indivíduo deve perceber-se como pessoa, ou seja, em seu ser singular, e ao mesmo tempo como uma coisa universal, em si, capaz de abstração, capaz de renunciar ao individual e conseqüentemente descobrir-se com algo de infinito aos desejos e aos interesses terrestres; mas o fim não é a liberdade e sim ‘é a negação da consciência, a morte espiritual e até física’ (F.H, p. 71).

O grau mais baixo de liberdade é, para Hegel, o dos chineses, em que, segundo ele, não haveria nenhuma consciência de individualidade: o povo seria uma massa amorfa, uma unidade indiferenciada de todos os indivíduos, submetidos a um imperador (F.H, p. 133). Na Índia, surge um certo progresso em relação à China, pois agora há uma diferenciação entre os indivíduos. No entanto, em vez de produzir liberdade real, essa diferenciação se torna algo fixo, uma lei da natureza, que se manifesta nas quatro castas...omissis... Como só os brâhmanes podem desempenhar as funções sacerdotais, a religião indiana discriminaria entre os vários tipos de pessoas, não sendo igualitária. (...)

Essa posição de Hegel não é causal nem um mero apêndice a seu pensamento filosófico. O centro da filosofia hegeliana é a teoria da História, e essa história é a evolução do Espírito. O Espírito sempre evolui, e jamais pode regredir. Todas as manifestações de um povo, em uma época, estão organicamente ligadas e exprimem o estágio atingido pelo Espírito naquela situação. Como a civilização da Índia precedeu à grega, e como o Espírito deve ter evoluído do seu estágio antigo, oriental, para o estágio grego – segue-se que o Espírito produzirá necessariamente manifestações mais elevadas na Grécia do que na Índia. E isso deve-se aplicar a todas as manifestações – filosofia, religião, arte, etc. – pois todas elas são apenas epifenômenos da evolução do Espírito uno. Dentro dessa visão, é necessário que a arte grega supere a indiana, que a moral grega seja superior à da Índia, e assim por diante. Em Hegel, os dados históricos e a teoria metafísica se harmonizam totalmente; e o caso da Índia não poderia ser uma exceção.

(...)

O intercâmbio entre a Índia e a Europa foi muito superficial e pobre, durante milênios. Na época em que se inicia a formação do espírito grego, não parece haver nenhuma comunicação entre a Índia e o Ocidente. Homero não fala sobre a Índia, e a primeira descrição mais extensa sobre essa região é encontrada em Heródoto, que, embora não tenha visitado a índia, baseou-se na descrição de um explorador, Scylax de Caryanda, que percorreu a região do Indo na época de Darius. Mas foi apenas por ocasião das expedições de Alexandre, o Grande, à Ásia, que se obteve um contato direto com os indianos –e, mesmo assim, é preciso lembrar que Alexandre apenas penetrou algumas centenas de quilômetros no território indiano, nas proximidades da parte alta do Indo. A história das expedições de Alexandre e a descrição das regiões por ele atingidas foram expostas, entre outros autores, por Arriano de Nicoméida, que se baseou em autores anteriores, com Megástenes (embaixador de Seleucos em Paliputra, aproximadamente 300 a C.). (...)

Não se observa na narração de Arriano nenhuma crítica ou menosprezo à estrutura social dos indianos. Ele toma as poucas e confusas informações que dispõe e as descreve com imparcialidade, como um bom historiador. Suas informações sobre os sofistas – que são chamados ‘bracmanes’ por outros gregos’ não são negativas; ele enfatiza, como foi visto, o caráter de dignidade profissional imposto aos adivinhos (com a pena do silêncio, após três tentativas de acerto fracassadas*); e de modo algum descreve essa casta como privilegiada. (...)
Note-se, portanto, que Arriano tem informações extremamente positivas sobre os indianos e sua ética – muito diferente das informações utilizadas por Hegel. E note-se que, por sua linhagem, ele não distingue a estrutura política da Índia da existente no mundo grego: ele se refere à existência de repúblicas entre os indianos.

É claro, portanto, que Hegel não se baseou em fontes gregas, como esta, para formar a sua opinião sobre os indianos.
O contato entre a Índia e o Ocidente foi rompido antes da era cristã. Durante muitos séculos, as informações eram as fornecidas pelos antigos, e essa situação somente se alterou com a viagem de Marco Pólo ao Oriente. Esse viajante, que percorreu a Pérsia, a Índia e a China em fins do século XII, realizou em sua volta à Itália uma descrição em grande parte fantástica do Oriente, que excitou a curiosidade dos europeus.

(...)

Passando a uma visão crítica, questiona a validade das conclusões feitas por Hegel.

“Tomemos, em primeiro lugar, os testemunhos sobre a religião da Índia. Esses testemunhos são provenientes de pessoas seguras de que sua própria religião (o Cristianismo) é a correta, e de que nada do que difira do Cristianismo pode ser verdadeiro. Para essas pessoas com o seu preconceito cultural, é impossível tentar captar o que existe de bom dentro da religião indiana. Talvez seja conveniente recordar algo da tática de conversão utilizada pelos portugueses na Índia. (...) O resultado foi que, no século XVIII, só havia católicos nas possessões de Portugal, na Índia. Jacolliot viu pessoalmente, em Goa, alguns indianos cristianizados pelos portugueses: um deles se arrastava, pois seus membros tinham sido deformados pelas máquinas da Inquisição; outro ao tinha língua nem olhos; um terceiro tinha as mãos cortadas; e o quarto tinha seus pés quebrados pelas prensas da Inquisição. Certamente se pode criticar os fanáticos indianos que se jogavam sob as rodas do carro do ídolo; mas pelo menos essa morte era voluntária; muito pior é o fanatismo dos cristãos que matavam e aleijavam os indianos, simplesmente para que mudassem de religião. Antes de Hegel, Voltaire já estava bem consciente dessa limitação das narrativas européias e da injustiça cometida contra os indianos. No seu Dicionário Filosófico, verbete bracmanes, brames, Voltaire se refere aos indianos dizendo:

“Seus ritos, seus pagodes, provam que tudo era alegórico entre eles; eles representavam ainda a virtude sob a forma de uma mulher que tem dez braços, e que combate os pecados mortais representados por monstros. Nossos missionários não deixaram de tomar essa imagem da virtude pela do diabo, e de afirmar que o diabo é adorado na Índia. Jamais fomos até esse povo senão para nos enriquecer e para caluniá-los”.

*explicação introduzida por mim, a partir de trechos suprimidos na transcrição.

** Post em homenagem à minha querida irmã 'chiquita', que hoje hace cumpleaños! :))

segunda-feira, junho 09, 2008

Os nós do Islã.




Hoje deparei-me com esse texto, que me foi enviado pelo amigo de sempre, o Murilo, em algum dia de 2007. Após três dias de intensas e maravilhosas discussões sobre o "Caçador de Pipas", livro de Khaled Rosseini, esse artigo me parece providencial, motivo pelo qual o compartilho aqui.

Disseminação da consciência ou enodoamento de uma religião?




Por GARY LEUPP, em 10.10.2007.

Com muita fanfarra, uma coleção de ideólogos da extrema direita apoiada por dinheiro de "instituições de pesquisa interdisciplinar" da direita estão proclamando uma "Semana da Consciência do Islamofascismo" nos campus universitários a partir de 22 de outubro. É um esforço calculado para vilescer o islã em geral, colocar as Associações de Estudantes Muçulmanos - Muslim Student Associations na defensiva, e gerar apoio para mais ação militar dos Estados Unidos no mundo islâmico.

Os muçulmanos constituem cerca de um quarto da população do mundo e cerca de dois por cento da população dos Estados Unidos. Entre eles incluem-se membros de muitos grupos étnicos. Os árabes são minoria no mundo muçulmano; os mais populosos países muçulmanos (Indonésia, Paquistão, Bangladesh) são não-árabes. O mundo muçulmano é complexo e dividido, religiosa (em sunitas, xiitas e outros grupos) e politicamente. Há monarquias absolutas muçulmanas, monarquias constitucionais, estados seculares e repúblicas islâmicas. Para entender esse mundo, é preciso examiná-lo desapaixonadamente, evitando estereótipos.

Entretanto, imediatamente depois do 11/9, a administração Bush, não tendo paciência com "nuanças," lançou-se à tentativa de vincular a república secular do Iraque aos fanáticos religiosos (em sua maioria sauditas) da al-Qaeda. Ela acreditou que, tendo sido atacados pela al-Qaeda, a maioria dos estadunidenses apoiaria um ataque contra o alvo, completamente não vinculado àquela organização, do Iraque. Mas o que tinham em comum a al-Qaeda e o Iraque? A primeira odiava esse último por sua supressão do ativismo religioso islâmico, e sua tolerância em relação aos cristãos e a outras minorias religiosas. De algum modo, entretanto, Bush conseguiu associar os dois, de modo que mesmo nos dias de hoje cerca de um terço dos estadunidenses acredita que Saddam estava envolvido no 11/9. As pessoas que se situam na direita cristã inclinam-se mais para adotar esse ponto de vista, e para dar guarida a sentimentos tais como aqueles expressos pela extremista de direita Ann Coulter na National Review de 13 de setembro de 2001: "Nós deveríamos invadir os países [muçulmanos], matar seus líderes e converter seus povos ao cristianismo." Mas essas pessoas foram acrescidas de neoconservadores secularistas como Norman Podhoretz que pediu a Bush que bombardeasse o Irã, que ele chama de "atualmente o principal centro da ideologia islamofascista."

O Irã é outro país que não tem vínculo com o 11/9 ou com a al-Qaeda, e que é, na verdade, inimigo mortal dessa última. É, no entanto, outro estado muçulmano na mira da administração Bush, juntamente com a Síria -- embora esta seja outro país muçulmano muito diferente. É nesse contexto, e no de decepção generalizada com a Guerra do Iraque, que os neoconservadores radicais estão promovendo essa "Semana da Consciência do Islamofascismo." É produto do esforço criativo de David Horowitz, "ex-esquerdista" profissional e comentador da Fox News, proponente da Guerra do Iraque, que chamou uma manifestação de oposição à guerra em 2002 de " 100.000 comunistas," e autor de um livro atacando professores universitários como sendo "de extrema esquerda" em geral. Ele fundou (como não-estudante em seus anos 1960) a "Estudantes Pela Liberdade Acadêmica" - "Students for Academic Freedom" que insiste em que estudantes conservadores são tratados iniquamente na academia. Horowitz é conhecido por sua publicidade nos anos 1990 em jornais de estudantes protestando contra os que preconizavam indenizações pela escravidão, declarando que os africanos-estadunidenses deveriam ser gratos por estarem aqui. Em 2003 ele denegriu Rachel Corrie, morta por um buldôzer militar israelense quando protestava contra a demolição de uma casa em Gaza, chamando-a de apoiadora de "terroristas." Ele não está empenhado em disseminar "consciência" e sim em focalizar seletivamente aspectos do mundo muçulmano que possam produzir simpatia para mais "mudança de regime" patrocinada pelos Estdos Unidos.

A estratégia de uma "Semana da Consciência do Islamofascismo" consistirá aparentemente em enfatizar a desigualdade entre os sexos no mundo muçulmano. Os estudantes participantes convidarão grupos de mulheres e grupos de lésbicas a se envolverem, esperando construir uma frente unida de indignação geral com a opressão islâmica de mulheres e gays. Obviamente, no mundo muçulmano o estatuto das mulheres varia; no Iraque secular de Saddam, as mulheres não eram sujeitas a nenhum código de vestimenta, e trabalhavam no governo, enquanto que sob a ocupação dos Estados Unidos seu estatuto (e o dos gays) despencou. Há uma grande diferença entre a situação das mulheres na Síria e na Arábia Saudita. Lembram-se de como Laura Bush fez grande alarde a respeito da burqa no Afeganistão, implicando em que a invasão dos Estados Unidos de alguma forma a removeria? Ela ainda é vestida pela grande maioria das mulheres afegãs. Ela não foi inventada pelo Talibã e não desapareceu apenas porque os Estados Unidos empossaram um regime cliente.

O próprio termo "islamofascismo" -- popularizado por Eliot Cohen (adjunto de Condi Rice), Frank J. Gaffney e outros escritores neoconservadores na National Review, e usado pelo Presidente Bush em discursos ameaçadores -- é altamente problemático. É definido no New Oxford American Dictionary como "expressão controvertida que iguala alguns movimentos islâmicos modernos com os movimentos fascistas europeus do início do século vinte." Todo ano eu ensino a respeito do fascismo japonês nos anos 1930 e 1940. Discuto diferentes definições de fascismo, enfatizando como algumas parecem adequar-se ao caso japonês, enquanto que outras não se ajustam a ele, o que leva alguns eruditos a mesmo rejeitar a aplicação do termo. Mas há pouquíssimas definições de fascismo aceitas na erudição majoritária aplicáveis ao mundo islâmico em geral ou até a países específicos. Qual seria a "ideologia" unificadora dos alvos díspares desta administração -- os fanáticos da al-Qaeda e os fanáticos sunitas do Talibã, os baathistas do Iraque e da Síria, a mullocracia xiita da "democracia dirigida" do Irã -- se não o denominador comum do islã? Não é possível, entretanto, decentemente (*), atacar-se o islã em geral e, por isso, apelida-se-o de "islamofascismo."

(*) in polite company - também, in polite society - Em companhia de gente fina, isto é, de maneira aceitável por pessoas civilizadas. Ver Macmillan. Parece-me que em português recorremos a um conceito interiorizado em vez de social: 'em sã consciência.'

Aqueles que procuram vincular o islã contemporâneo ao fascismo europeu enfatizam sentimentos de vitimização e sonhos de restauração da glória perdida. Quem, porém, no mundo muçulmano, é o líder carismático? Bin Laden? Os baathistas e xiitas o odeiam. Onde está o partido baseado nas massas? Onde estão o ultranacionalismo ou o racismo? O islã enfatiza a igualdade das pessoas diante de Deus, enquanto que o Corão explicitamente declara que cristãos e judeus probos entrarão no Paraíso.

A intenção real, aqui, é acoplar ao "islã" um epíteto poderoso, destituído de conteúdo analítico, conjurando-se imagens de um passado universalmente detestado. Bush insiste em comparar o constitucionalmente fraco presidente iraniano Ahmadinejad, líder de um país que em um século não atacou outro, com Hitler (como o pai dele comparou Saddam a Hitler). Analogamente, os proponentes do conceito de "islamofascismo" querem usar as emoções em vez de realmente disseminar "consciência." Suas analogias históricas são absurdas, e sua planejada semana é mais do que uma afronta aos muçulmanos. É um insulto à inteligência de todos".

E, para continuar interrogando, como bem arrebatou Cristiano Paixão, em sua exposição feita em 7.6.2008, em Curitiba, sobre "Terrorismo: memória, história e religião - o islã em perspectiva diacrônica", é de bom alvitre inteirar-se sobre os eventos que passaram à história como o renascimento espanhol, iniciado em 1492, culminando, em 1619, com o fim da diáspora de judeus e muçulmanos do território espanhol, que teve início com o Decreto de Alhambra. E para quem tiver bastante estômago, pode buscar informações sobre a forma como morriam os condenados por pena de traição... que era bem pior do que a pena destinada a quem era condenado por assassinato: fogueira para as mulheres e decaptação para os homens. Mas a pena de traição impunha rituais muito mais compatíveis a quem se atrevia não a ultrajar apenas um corpo, mas uma idéia, uma crença, uma visão de mundo. E, a partir daí, podemos entender melhor esse retorno da violência recalcada. Recalcada, mas impossível de ser contida, nos mostra reiteradamente a história.

Convém, por fim, observar que esse namoro nos precede de há muito, como se bem pode perceber das ruínas tão genuinamente romanas, para o lado de lá. Tema para um post a seguir...




Gary Leupp é Professor de História na Tufts University, e Professor Adjunto de Religião Comparada. É autor de Servos, Trabalhadores no Comércio e Trabalhadores Braçais nas Cidades do Japão dos Tokugawa Servants, Shophands and Laborers in in the Cities of Tokugawa Japan; Cores Masculinas: O Significado do Homossexualismo no Japão dos Tokugawa Male Colors: The Construction of Homosexuality in Tokugawa Japan; e Intimidade Inter-racial no Japão: Homens Ocidentais e Mulheres Japonesas, 1543-1900 Interracial Intimacy in Japan: Western Men and Japanese Women, 1543-1900 . É também colaborador da implacável crônica de CounterPunch das guerras no Iraque, Afeganistão e Iugoslávia, Cruzadas Imperiais Imperial Crusades.


Ele pode ser encontrado em: gleupp@granite.tufts.edu
(Esta coluna apareceu originalmente no Diário da Tufts - Tufts Daily.)


http://www.counterpunch.org/leupp10102007.html - tradução feita a partir do orignal, em inglês, por Murilo Paes Leme.

Fotos por Ketty El Hajjar, no Líbano, abril de 2008.


1ª foto: Biblos (rua de árvores)
2ª foto: Bcharre (montanha, Igreja e neve)
3ª foto: Balbeck (templo)



PS: Logo que terminei a reprodução deste artigo, fiquei à procura de algumas imagens para ilustrar a diversidade de crenças e culturas que coexistem em algum lugar além do horizonte. Lembrei-me das fotos que havia recebido como recordação da viagem de uma amiga à terra de seus ancestrais. E, em seguida, uma outra amiga presenteou-me virualmente com as imagens de uma mesquita - sendo essa, talvez, a primeira vez que eu tenha tido a oportunidade de vislubrar o interior de um templo de oração do islã.
(infelizmente, porém, não consegui, ainda, fazer o link - o qual espero que esteja aqui em breve).