sexta-feira, abril 20, 2007

BIRUTA D'EIXO



Biruta sob o céu, rodopiando ao som do invisível.

II

Biruta com eixo
Eufemismo deixo
Feminismo sem desleixo.

Foto por Liana Schulman.

quarta-feira, abril 04, 2007

A saída antropofágica da poesia

Foi Oswald de Andrade quem escreveu e, a partir daí, inaugurou o que se conhece por movimento antropofágico. Os comentários virão na oportuna reatualização do post. Por hora, apenas instigo o leitor com o nome do post: 'A saída antropofágica da poesia'. Um título, como sempre gosto de dizer, fala por si só. Então, eu nos pergunto, todo o resto está fadado à complicação?


"Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.

Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.

Tupi, or not tupi that is the question.

Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.

Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.

Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psicologia impressa.

O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema americano informará.

Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da cobra grande.

Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil.

Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.

Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida. E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar.

Queremos a Revolução Caraiba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem n6s a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem.

A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as girls.

Filiação. O contato com o Brasil Caraíba. Ori Villegaignon print terre. Montaig-ne. O homem natural. Rousseau. Da Revolução Francesa ao Romantismo, à Revolução Bolchevista, à Revolução Surrealista e ao bárbaro tecnizado de Keyserling. Caminhamos..

Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.

Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.

Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei-analfabeto dissera-lhe : ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia.

O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo. O antropomorfismo. Necessidade da vacina antropofágica. Para o equilíbrio contra as religiões de meridiano. E as inquisições exteriores.

Só podemos atender ao mundo orecular.

Tínhamos a justiça codificação da vingança. A ciência codificação da Magia. Antropofagia. A transformação permanente do Tabu em totem.

Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que é dinâmico. O indivíduo vitima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças românticas. E o esquecimento das conquistas interiores.

Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.

O instinto Caraíba.

Morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do eu. Subsistência. Conhecimento. Antropofagia.

Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo.

Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses.

Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro.

Catiti Catiti

Imara Notiá

Notiá Imara

Ipeju*

A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos, dos bens morais, dos bens dignários. E sabíamos transpor o mistério e a morte com o auxílio de algumas formas gramaticais.

Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comia.

Só não há determinismo onde há mistério. Mas que temos nós com isso?

Contra as histórias do homem que começam no Cabo Finisterra. O mundo não datado. Não rubricado. Sem Napoleão. Sem César.

A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. Só a maquinaria. E os transfusores de sangue.

Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas.

Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade de um antropófago, o Visconde de Cairu: – É mentira muitas vezes repetida.

Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti.

Se Deus é a consciênda do Universo Incriado, Guaraci é a mãe dos viventes. Jaci é a mãe dos vegetais.

Não tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação. Tínhamos Política que é a ciência da distribuição. E um sistema social-planetário.

As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses urbanas. Contra os Conservatórios e o tédio especulativo.

De William James e Voronoff. A transfiguração do Tabu em totem. Antropofagia.

O pater famílias e a criação da Moral da Cegonha: Ignorância real das coisas+ fala de imaginação + sentimento de autoridade ante a prole curiosa.

É preciso partir de um profundo ateísmo para se chegar à idéia de Deus. Mas a caraíba não precisava. Porque tinha Guaraci.

O objetivo criado reage com os Anjos da Queda. Depois Moisés divaga. Que temos nós com isso?

Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade.

Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio de Mariz.

A alegria é a prova dos nove.

No matriarcado de Pindorama.

Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada.

Somos concretistas. As idéias tomam conta, reagem, queimam gente nas praças públicas. Suprimarnos as idéias e as outras paralisias. Pelos roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas.

Contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte de D. João VI.

A alegria é a prova dos nove.

A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela contradição permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e o modusvivendi capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem. A humana aventura. A terrena finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males identificados por Freud, males catequistas. O que se dá não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.

Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João Ramalho fundador de São Paulo.

A nossa independência ainda não foi proclamada. Frape típica de D. João VI: – Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte.

Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama."


OSWALD DE ANDRADE Em Piratininga Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha." (Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928.)

* "Lua Nova, ó Lua Nova, assopra em Fulano lembranças de mim", in O Selvagem, de Couto Magalhães

Oswald de Andrade alude ironicamente a um episódio da história do Brasil: o naufrágio do navio em que viajava um bispo português, seguido da morte do mesmo bispo, devorado por índios antropófagos.

Lamed Hey Pey, Vitória sobre meus Vícios


Lamed Hey Pey (*)



Da alegria exposta,
Brotam ciúmes intensos.
Minha tristeza é ignota
A olhares lânguidos.



Deslizando pela superfície
Da fascia que me retém,
A dor é descamuflada
Sob olhares cegos.



O corpo treme e grita:
Lamed Hey Pey!
Um abraço, por favor.
Um abraço, por favor.



Sem contorno eu me esvaio
Já não sou alguém.
E assim, como ninguém,
Sem contorno eu me descravo.



Vitória sobre meus vícios.
Lamed Hey Pey!
Lamed Hey Pey!
Sem eles agora eu vivo?


II

Lamed Hey Pey?
Não permitas à língua a traição!
Leia-me assim, bem devagar,
Ao contrário do primeiro instinto.



Passe-me os olhos,
A partir de trás.
Scaneie-me sim,
Vire-me, não me sacaneie assim!



Meu sentido é avesso
Da direita partem meus olhos.
Abandono erros
Na esperança de canhota retidão?



Persigo eu pura e simples ilusão?
Persegue-me sim funesta desilusão.
Espelho. Refletido. Vertido.
Rio. Suspiro. Vestido.



(*) Lamed Hey Pey é a transliteração do hebraico, cujos caracteres se lêem da direita para a esquerda. Dentro de uma visão cabalística, lendo-se da forma correta 'Pey Hey Lamed', a expressão pode ser traduzida como 'vitória sobre meus vícios'.

BSB, março/abril de 2005.

imagem em http://img157.imageshack.us/img157/3073/roadamareloel9.jpg

segunda-feira, abril 02, 2007

O princípio da legalidade para leigos - Parte II

Um certo silêncio depois, a curiosidade feminina resolveu personificar uma pergunta:

- Por que o silêncio?
- É que ando ocupado.
- Com o quê?
- Coisa séria.
- E como se chama essa coisa séria?
- Na verdade não é só uma coisa séria, são duas.
- Ah, por isso o silêncio foi mais demorado?
- Engraçadinha. Estou ocupado. Questão de patentes. E também de santidade.
- Como?
- Patentes, tenho que fazer uma defesa e preciso de mais detalhes técnicos.
- Putz, espero que você melhore rápido.
- Melhorar do quê? Do que você está falando ou já mudou de assunto de uma hora para outra como sempre, só para me enlouquecer?
- Não foi você quem disse que estava ocupado com uma patente? Ou será que eu não entendi direito?
- Bem, só conto se você prometer que não vai rir.
- Prometido, sempre prometido.
- Olha lá, não vale rir que não estou de bom humor!
- Por que você insiste sempre em duvidar, já não provei isso várias vezes, que mantenho a minha palavra?
- É que você me enlouquece falando para eu melhorar, justo quando uma das razões da minha ocupação se resume a uma diarréi@!
- Como?
- Questão de registro de marcas, de idéias, de patentes... duas pessoas brigando por conta de um domínio na internet grafado diarrei@. E para complicar ainda mais, meu cliente está prestes a concluir o desenvolvimento de um produto, que quer chamar justo de diarrei@.
- Depois eu é que faço confusão... quando você é que não sabe dar direito a explicação!
- Para evitar mais confusão, acho melhor voltar para o meu silêncio...
- Espera, só um pouquinho, já lembro de uma coisa importante que quero dizer para ajudar a esclarecer essa celeuma toda.
- Não me venha com asneiras.
- Lembrei! Li dia desses uma matéria na 'Superinteressante', sobre o inventor da Privada!
- Será que vou ter que repetir? Meu problema é de patente, não de privada...!!!!!!
- Escute: John Harington foi um sujeito que queria passar para a posteridade como um grande escritor, mas o destino revelou que o seu talento era mesmo ser um grande inventor. Ou quase isso. Lá pelos idos 1586, depois de cair em péssias graças com a Rainha Elizabeth I e perder o direito de frequentar o Castelo de Greenwich, perto de Londres, John resolveu mandar a rainha e seus súditos para as cucuias e foi viajar pela Europa! Passou dez anos dedicando-se aos encantos das moças da Côrte, italianas e austríacas em especial. De volta ao lar-uma propriedade rural, bem de família-, dedicou-se por um bom tempo ao pleno ócio e, distraindo-se na mesmice, começou a desenhar uma geringonça mecânica para a eliminação de dejetos humanos. Em dois ou três dias criou o primeiro modelo do que hoje se conhece por privada. Dizem que com essa engenhoca ele recuperou momentaneamente as graças da Rainha, mas não soube aproveitar a chance de voltar aos salões da nobreza. Já em suas primeiras reaparições à corte, declamou um poema satírico de sua autoria. Uma poesia que ironizava impiedosamente não só os nobres, mas também a própria realeza em pessoa, nas partes que aludia à sua rotina de evacuação intestinal. Foi o fim do seu projeto de ascenção social. Porém houve um fruto: a invenção da privada lhe rendeu o título de Sir, antes de recair no mau gosto da nobreza. Morreu em ostracismo aos 51 anos de idade, em 1616. Dizem alguns historiadores enfezados que atribuir-lhe a invenção é o mesmo que dizer que Leonardo da Vinci criou o helicóptero, pois foram apenas os pioneiros teóricos e o que importa é realizar com a teoria para se falar em patente! Essa, na realidade, só foi registrada por Alexander Cummings, no ano de 1775. Os ingleses, porém, renderam a devida homenagem ao primeiro inventor: afirmam muitos que a gíria John, eufemismo para privada, é uma justa reverência ao verdadeiro criador!
- Antes de ir-me, só quero fazer uma pergunta para a senhorita sabichona: por que falar com você dá sempre nisso?
- Nisso o quê?
- Nessa confusão toda, puta merda! Tchau!

- Ei, seu John, não vai embora assim. Faltou o Santo...
- Santo? Não vou dizer o nome do meu cliente, não insista. Sigilo profissional.
- Você disse que estava ocupado com patentes e santidade...
- Ah, isso? Estava escrevendo e fiquei na dúvida quando lia uma referência a Santo Tomás de Aquino. Não seria São Tomás de Aquino?
- A regra gramatical é clara: nomes de santo começados por consoante levam São e os iniciados por vogais levam Santo. E sei mais: sei também que essa regra tem uma exceção: ela não vale quando se trata de uma consoante não pronunciada (morta), como no caso de São Hilário.
- Isso aqui é que está ficando hilário, isso sim. E agora, será que até Santo está virando uma exceção?
- Li dia desses alguma coisa a respeito... espera aí... lembrei! Foi na "Veja", um tal de Reinaldo, se não me engano... Disse que não há nada de errado com Santo Tomás de Aquino, pois chamá-lo assim foi consagrado pelo uso e, justo por isso, deixou de ser errado para virar certo. Santo Tomás agora também faz parte da norma culta...
- Tem lógica, já que São é forma apocopada de Santo.
- E escrever por extenso não é pecado. Pode ser chato, mas não é errado para a língua culta...
- São Santo, dai-me paciência!
- Não entendi a sua graça. Explica?
- Agora não dá, antes preciso refletir sobre a expressão 'tende piedade, ela sabe o que faz?'


-Ela quem?
-Ela, ele, sei lá, o que importa afinal? O que importa é que quem saiba, saiba o que faz!
- Santo sempre sabe.
- Como você pode saber?
- Se é Santo sabe. E não só sabe, age de acordo com esse saber!
- Nem todas as biografias de Santos são assim tão repletas de santidades. Não a vida inteira. Teve muito santo que só foi santo depois de arrependido de suas próprias errâncias. Lembro bem das minhas aulas de catolicismo no colégio, quando era guri.
- Mas aí é outra coisa.
- Qual a coisa, ô dona Coisa?
- Eu não me chamo coisa e você sabe bem disso!
- Eu sei, se você não fosse uma mulherzinha metidinha a coisa sabichona, mas que no fundo tanto gosto, eu lhe dava agora um nó-de-gravata, de tanto que você consegue aporrinhar a minha santa paciência!
- Viu? Uma coisa é querer ser Santo, outra coisa é conseguir sê-lo...
- Mas isso é tão óbvio... Canso de você complicar coisas tão óbvias...
- Eu sei, mas o óbvio é o mais difícil de alcançar. E isso eu não sei porque direito ainda. Será que o sabichão sabe?
- Pelo menos você não me chamou de sai-bichão, tampouco sai-bichona, que alívio!
- Antes não fazia diferença alguma se era ela ou ele, mas agora o alívio depende dessa mesma tal diferença? E depois sou eu quem enlouquece você...

* Referências sobre a história da invenção da privada e o registro de sua patente foram retiradas de reportagem publicada na Revista Superinteressante, edição 237, março/2007, Editora Abril, pág. 50, texto por Álvaro Oppermann. A informação sobre a forma correta Santo Tomas de Aquino se encontra em nota da Revista Veja, Editora Abril, desta semana.