sexta-feira, março 14, 2008

A mulher que comia pasta de dente





Não do jeito você está pensando, da espuminha que fica na boca enquanto a gente escova os dentes. Ela comia pasta direto do tubo, sorvia a sensação intensa de frescor, o carinho acre-adocicado descendo pela garganta... e saciedade.

A mania começou na adolescência, por causa do medo do mau-hálito. Comia antes das festinhas ou de sair com um pretendente, mais tarde quando tinha uma reunião ou recebia visitas em casa. E como toda compulsão, sempre que a vida pressionava ela pressionava o tubo. Nas decepções, momentos de angústia ou stress repetia seu ritual de abrir a tampinha, colocar a ponta do tubo na boca e apertar, bem devagar. No começo, as doses vinham por motivos graves, depois, banalidades bastavam.

O alarme soou quando digeriu um tubo inteiro no dia em que a gola de uma blusa nova esgarçou na primeira lavada. Mas aonde procurar ajuda? Narcóticos anônimos? Seria uma fixação oral? Revelar seu segredo mais íntimo viraria troça até entre loucos. E lá se foi mais um tubo dos grandes, e uma cólica forte acompanhada de enjôo. Baixou no hospital. Na volta para casa, lívida, apática, passou na farmácia e comprou agulhas e seringas.


Esse conto foi escrito por um amigo, o Gustavo Martins. Eu que já havia escutado sobre a idéia do escrito protestei contra o final, que acenava para uma fatalidade certa: uma doença à procura de uma cura. E foi assim que surgiu a idéia de continuar e dar uma nova versão àquele fim de poucas luzes.

Eis aqui a segunda parte. Uma diversão e distração, enquanto o "Kadosh Barúch Hú" ainda se pergunta em como começar a explicar as nuances de um "mandamento" tão complexo em si mesmo.

II parte -

No caminho de volta, deixou-se guiar pelas ruas, sem rumo. Perdeu-se e já sem medo da perdição, começou a observar as casas, os transeuntes, a paisagem. Havia saído dos limites da cidade, estava em seu entorno, disso ao menos tinha certeza. Era uma estrada longa, porém estreita, de curvas acentuadas. Alphaville Pinheiros, apontava uma placa. Em seguida, passou por um extenso e demorado muro branco e logo depois deparou-se com uma casa branca de esquina e viu, atrás de um bananal que ficava no acostamento de chão-batido, uma placa com dizeres em chinês. E sem saber por que, parou o carro. Desceu, beirou a casa e deu de cara com um portão, através do qual podia ver criancinhas de olhos puxados brincando e passeando de bicicleta. Chamou-lhe a atenção um jardim atípico para os padrões da região, que ficava ao lado direito da casa, que era ladeada por uma vasta varanda, cuidadosamente adornada por plantas variadas. Um contraste intrigante para um pátio livre, cujo chão era desenhado em círculos, preenchidos por pedrinhas soltas, ora brancas, ora de um suave rosa pálido. A menininha mais pequena, olhando para cima, estendeu-lhe a mão e, sorrindo, apontou para uma pequena construção branca, que ficava do
lado direito do jardim. Na porta, os doces olhos espremidos miraram o chão, ao mesmo tempo em que os pequeninos pés lhe empurravam um par de chinelos. Chinelos chineses, disso também tinha certeza. Da casa grande, viu que caminhava em sua direção certamente o pai, usando túnica oriental, de linho branco. De olhos fixos naquele homem, deixou cair as seringas. Na outra mão, em punho suado e fechado, as agulhas.

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