quarta-feira, junho 18, 2008
É melhor certas coisas suportar, do que nessa vida só portar²!
Uma amiga pediu-me uma dica sobre livros de auto-ajuda, tema que sempre evitou... fico eu imaginando um desdenhou, torcendo o narizinho, reação tão comum e previsível quando nos acostumamos a olhar para a intelectualidade como algo de mais valia do que as indas e vindas de emoções sobre as quais não se tem, em geral, controle! E assim compartilhei alguns dos trechos de um livro que pode ser lido, sim, para quem quer ajudar a si mesmo - coisa básica no kit de sobrevivência de qualquer um. Exertos que trago aqui, não apenas para quem pediu socorro.
Nessa oportunidade, aproveito para antecipar algumas brincadeiras. Uma, que li em uma poesia que trilhava entre o só-corro e o socorro. Ao que acrescento agora: é melhor certas coisas suportar, do que nessa vida só portar² - ao quadrado, mas também à "n" potência, se preferirem, para dizer não apenas da inocuidade de tantas coisas portar, sejam materiais, sentimentais ou intelectuais, sem com um outro compartilhar, mas também interrogar, um pouco além, acerca de qual seria o sentido de apenas portar algo, sem nada transmitir, exceto para, quiçá equivocadamente, apenas o umbigo pretender enaltecer.
"Amor Líquido", por Zygmunt Bauman
"Um dilema, de fato: você reluta em cortar seus gastos, mas abomina a perspectiva de perder ainda mais dinheiro na tentativa de recuperá-los. Um relacionamento, como lhe dirá o especialista, é um investimento como todos os outros: você entrou com tempo, dinheiro, esforços que poderia empregar para outros fins, mas não empregou, esperando estar fazendo a coisa certa e esperando também que aquilo que perdeu ou deixou de desfrutar acabaria, de alguma forma, sendo-lhe devolvido - com lucro. Você compra ações e as mantém enquanto seu valor promete crescer, e as vende prontamente quando os lucros começam a cair ou outras ações acenam com um rendimento maior (o truque é não deixar passar o momento em que isso ocorre). Se você investe numa relação, o lucro esperado é, em primeiro lugar e acima de tudo, a segurança - em muitos sentidos: a proximidade da mão amiga quando você mais precisa dela, o socorro na aflição, a companhia na solidão, o apoio para sair de uma dificuldade, o consolo na derrota e o aplauso na vitória; e também a gratificação que nos torna imediatamente quando nos livramos de uma necessidade. Mas esteja alerta: quando se entra num relacionamento, as promessas de compromisso são "irrelevantes a longo prazo".
É claro. Relacionamentos são investimentos como quaisquer outros, mas será que alguma vez lhe ocorreria fazer juras de lealdade às ações que acabou de adquirir? Jurar ser fiel para sempre, nos bons e maus momentos, na riqueza e na pobreza, "até que a morte nos separe"? Nunca olhar para os lados, onde (quem sabe?) prêmios maiores podem estar acenando? ....omissis..."Estar num relacionamento" significa muita dor de cabeça, mas sobretudo uma incerteza permanente...Você busca o relacionamento na expectativa de mitigar a insegurança que infestou sua solidão; mas o tratamento só fez expandir os sintomas, e agora você talvez se sinta mais inseguro do que antes, ainda que essa 'nova e agravada' insegurança provenha de outras paragens. Se você pensava que os juros de seu investimento em companhia seriam pagos na moeda forte da segurança, parece que sua iniciativa se baseou em falsos pressupostos".... Ao contrário de uma escolha pessoal do tipo 'pegar ou largar', não está em seu poder evitar que o parceiro ou parceira prefira sair do negócio. Há muito pouco que você possa fazer para mudar essa decisão a seu favor. Para o parceiro, você é a ação a ser vendida ou o prejuízo a ser eliminado - e ninguém consulta as ações antes de devolvê-las ao mercado, mas os prejuízos antes de cortá-los.... A solidão produz insegurança - mas o relacionamento não parece fazer outra coisa. Numa relação, você pode sentir-se tão inseguro quanto sem ela, ou até pior. Só mudam os nomes que você dá à ansiedade."
"Se não há uma boa solução para um dilema, se nenhuma medida aparentemente sensata e efetiva consegue fazer com que a saída pareça ao menos um pouco mais próxima, as pessoas tendem a se comportar de modo irracional, aumentando o problema e tornando ainda menos plausível resolvê-lo".
"'As relações de bolso', explica Catherine Jarvie, comentando as opiniões de Gillian Walton, do Guia Matrimonial de Londres, são assim chamadas por que você as guarda no bolso de modo a poder lançar mão delas quando for preciso". "A seção 'Espírito dos relacionamentos' do Guardian Weekend vale ser lida toda semana, mas é melhor ler várias edições de uma vez."
"Todo esse aproximar-se e afastar-se para longe torna possível seguir simultaneamente o impulso de liberdade e a ânsia por pertencimento - e proteger-se, se não recuperar-se totalmente, dos embustes de ambos os anseios".
E para continuar a ler sobre, pois minhas ocupações vão para além do ler e datilografar, repito a dica: "Amor Líquido", de Zygmunt Bauman, Ed. Jorge Zahar. Um livro, sim, de auto-ajuda. Mas de primeiríssima qualidade :))
O livro pode se encomendado pelo endereço www.livrariaresposta.com.br, de onde tirei as seguintes referências:
"No final do prefácio de Amor Líquido, Zygmunt Bauman avisa: Este livro é dedicado aos riscos e ansiedades de se viver junto, e separada, em nosso líquido mundo moderno.
E prossegue com um capítulo cujo título é perfeitamente cabível para uma boa leitura de auto-ajuda: Apaixonar-se e desapaixonar-se. Mas Bauman vai além da superficialidade desse tipo de literatura e oferece um pequeno tratado sobre as relações humanas de forma geral. Trata da paixão, mas também do amor ao próximo, do convívio e da sociabilidade na sociedade moderna."
Nahima Maciel, Correio Braziliense
"Seu texto claro, apesar de fortemente estruturado numa erudição consistente, não deixa de abrir espaço para o leitor comum, interessado em compreender como os cidadãos da "modernidade líquida", tentam dar conta da complexidade do amor, que, segundo o autor, é "uma hipoteca baseada num futuro incerto e inescrutável".
Gioconda Bordon, Gazeta Mercantil
"Bauman é um intelectual perspicaz na análise do cotidiano - exercício que retoma em Amor Líquido, que acaba de ser lançado."
José Castello, Valor Econômico
"Que as relações afetivas se transformaram radicalmente, basta observar os casais em volta. Ter sobre o fenômeno o olhar de um pensador como Bauman é alentador. Ajuda a entender e a refletir sobre uma mudança importante na vida de todos nós. Amor líquido não restringe o debate sobre os laços amorosos. Ao contrário, expande a questão para o relacionamento entre pais e filhos, discute as novas formas de sociabilidade a partir da experiência tecnológica, e pensa sobre a questão da aceitação das diferenças étnicas."
Carla Rodrigues, Nominimo
Tradução: Carlos Alberto Medeiros
ÍNDICE DO LIVRO
1. Apaixonar-se e desapaixonar-se
2. Dentro e fora da caixa de ferramentas da sociabilidade
3. Sobre a dificuldade de amar o próximo
4. Convívio destruído
Sobre o autor:
Zygmunt Bauman
ZYGMUNT BAUMAN, sociólogo polonês, iniciou sua carreira na Universidade de Varsóvia, onde teve artigos e livros censurados e em 1968 foi afastado da universidade. Logo em seguida emigrou da Polônia, reconstruindo sua carreira no Canadá, Estados Unidos e Austrália, até chegar à Grã-Bretanha, onde em 1971 se tornou professor titular da Universidade de Leeds, cargo que ocupou por vinte anos. Responsável por uma prodigiosa produção intelectual, recebeu os prêmios Amalfi (em 1989, por sua obra Modernidade e Holocausto) e Adorno (em 1998, pelo conjunto de sua obra). Atualmente é professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia. Tem mais de dez obras publicadas no Brasil por Jorge Zahar Editor, todas elas de grande sucesso.
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