segunda-feira, agosto 04, 2008

Obelix-a e Asterix


Esse continho começou a partir da idéia sobre o que consiste a arte da sedução, do latim seducere, que significa desviar, afastar, desencaminhar, conduzir para o lado. Nas palavras de Latuf Isaias Mucci, em "Uma teoria da tradução", seduzir "indica a atração de um lugar (ou pessoa) para outro (ou outra). No campo semântico dos verbos, originados de “ducere”, ocorre, portanto, um movimento, uma atração, um ímã. ("www.arscientia.com.br/materia/ver_materia.php?id_materia=451)".

Diz Ivo Lucchesi, em "Sedução e Poder", que "nada mais oportuno quanto necessário do que, na abertura do tema proposto, se recuperar a etimologia da palavra “sedução”. Com o intuito de não se incorrer em mera repetição do que, em outra época, a respeito já escrevemos, melhor será a transcrição direta da fonte: A palavra provém do Latim seducere (se[d] + ducere). Sed, além de conjunção equivalente a “mas”, atuava nos textos antigos como prevérbio, significando “separação”, “afastamento”, “privação”, e ducere queria dizer “levar”, “guiar”, “atrair”. Em síntese, portanto, “seduzir” era o processo pelo qual se atraía para privar o outro da autonomia de si, sob a promessa de possibilitar-lhe a experiência do prazer pleno". ("www.brasilcultura.com.br/conteudo.php?id=414&menu=87&sub=454").

Feito esse breve intróito de ordem língüística, que não pára por aqui, continuo com as apropriadas referências de Zygmunt Bauman, em "Modernidade e Ambivalência", Ed. Zahar, que inicia com a abordagem nominada "A busca da ordem" (fls. 9/26) e dá o primeiro passo refletindo acerca do conceito de ambivalência, por ele assim definida: "possibilidade de conferir a um objeto ou evento mais de uma categoria, é uma desordem específica da linguagem, uma falha da função nomeadora (segregadora) que a linguagem deve desempenhar. O principal sintoma de desordem é o agudo desconforto que sentimos quando somos incapazes de ler adequadamente a situação e optar entre ações alternativas". Assim começa o autor a discorrer acerca do que nomina como uma ambivalência que não é nada mais do que um aspecto normal da prática lingüística, da qual decorre a função da língua de nomear, classificar, ordenar, propondo que a ambivalência é o 'alter ego' indissociável da linguagem. A angústia da ambivalência, segundo ele, decorreria da sua capacidade de confundir o cálculo dos eventos, de acordo com os padrões de conduta memorizados por cada um, no seu instinto natural de sobrevivência, porquanto nenhum dos padrões previamente apreendidos seriam claros o suficiente para conduzir o sujeito com segurança ao trilhar por situações ambivalentes. Dessa forma, o ato de classificar, de por ordem no mundo, acena como uma saída segura contra a dúvida e a angústia que própria ambivalência gera. Entretanto, o ato de classificar só se realiza pelos atos de incluir e excluir, reflexão que dá a conhecer que a essência classificatória, na busca da ordem, não deixa de trazer em si um ato de violência contra o mundo, na medida em que necessita excluir para se realizar. Torna-se, assim, evidente que a genuína busca de erradicar a ambivalência tem, em sua força motriz, não apenas o efeito de buscar extirpar a ambigüidade, mas é também geradora de si mesma, na medida em que o ato de classificar se constitui na força propulsora que gera mais ambigüidade. Prossegue o autor com o contra-posto entre a ordem e o caos, propondo que são gêmeos modernos, que vieram ao mundo após a perda daquele ordenado de modo divino, previamente à concepção do Leviatã de Hobbes. Assim, sugere que a consciência da ordem adveio a partir da visão de Hobbes, que introduziu o seu conceito em contraposição ao natural. Pode-se, assim, dizer que a modernidade existe pelo fato de bifurcar-se nas possibilidades entre ordem e caos, tendo-se, entretanto, que fazer uma opção entre essas duas alternativas, na hoje já clássica concepção de amódio que nos habita nesses tempos ditos modernos.

É dentro dessa visão que a luta pela ordem não se constitui na luta entre propostas e visões concorrentes, mas sim a luta contra a ambivalência, da transparência contra a obscuridade, da clareza contra a confusão, como meio para o discernimento da ambivalência total, do acaso do caos. "O outro da ordem não é uma outra ordem: sua única alternatia é o caos. O outro da ordem é o miasma do indeterminado e do imprevisível. O outro é a incerteza, essa fonte e arquétipo de todo medo. Os tropos do 'outro da ordem' são: a indefinibilidade, a incoerência, a incongruência, a incompatibilidade, a ilogicidade, a irracionalidade, a ambigüidade, a confusão, a incapacidade de decidir, a ambivalência. O caos, 'o outro da ordem', é pura negatividade. É a negação de tudo o que a ordem empenha em ser. É contra essa negatividade que a positividade da ordem se constitui. Mas a negatividade do caos é um produto da autoconstituição da ordem, seu efeito colateral, sua resíduo e, no entanto, condição 'sine qua non' da sua possibilidade (reflexa). Sem a negatividade do caos, não há positividade da ordem: sem o caos, não há ordem".

E prossegue brilhantemente Zygmunt Bauman: "A prática tipicamente moderna, a substância da política moderna, do intelecto moderno, da vida moderna, é o esforço para exterminar a ambivalência: um esforço para definir com precisão - e suprimir ou eliminar tudo que não poderia ser ou não fosse precisamente definido. A prática moderna não visa à conquista de terras estrangeiras, mas o preenchimento das manchas vazias no 'compleat mappa mundi'. É a prática moderna, não a natureza, que realmente não tolera o vazio".

Bem, prosseguindo agora bem ao estilo "Sanidade Bandida", do vazio, que remete à fome, vamos fazer um tour pelo apetite de embarcar no mundo e abarcar os caminhos que se abrem frente à imensidão de rios que a língua nos proporciona, nesse encontro de águas doces e salgadas do mar da vida.

O continho fala de uma conversa virtual entre Obelix-a e Asterix. Fazia tempo que não se viam e Asterix resolveu dizer olá justo quando Obelix-a planejava conhecer as redondezas da região que ficava ao nordeste do grande reino que habitavam, próximas à cidade natal de Asterix, conhecida por suas praias que remetem ao paraíso perdido aqui na terra. Asterix, sempre gentil e carinhoso, confidenciou-lhe, depois de receber algumas fotos suas, que ela continuava atraente como dantes, com suas curvas e cabelos de fogos ardentes e que muito lhe agradava a idéia de ser por ela seduzido, aditando que seria um imenso prazer revê-la em qualquer lugar, fosse ao sul, ao norte, ao centro-oeste ou mesmo ao nordeste, menos na sua cidade natal, por conta de sua namorada que era de lá. Obelix-a, realmente e quase sempre muito ardente, respondeu-lhe sem titubear:

- Quanto à idéia de seduzir você, para isso eu precisaria antes de um grande vazio, aliado a uma tentativa de desviar-me do caminho, para que a fome, em busca de sua ânsia de saciedade, se entregasse sem maiores reflexões aos pecados dessa gula, pelo instinto básico de sobrevivência. Entretanto, ao contrário do meu irmão e seu amigo inseparável, o Obelix, que vive acima do peso e é louco por beliscos, eu, sempre às voltas com a balança e vaidosa, prefiro ser um belo e sinuoso obelisco do que fazer as vezes de um saboroso petisquinho. É fato que um bom belisco será sempre um bom belisco e, embora às vezes engordativo, seu paladar é muito bem-vindo para abrir o apetite numa refeição! Minha fome, porém, apenas consigo saciar plenamente degustando um substancial prato principal, posto que um petisco, não importa o quão delicioso, vai bem de entrada, mas, definitivamente, não sacia a minha fome, principalmente a de 'pertencer' a uma relação de carinho, afeto e companheirismo, com todos os eteceretas de não menos importância!
Com afeto, Obelix-a!

Afeto que vagueia entre a ordem e a desordem, nesse medo, que nada mais é que a tradução de angst, que significa medo em alemão, e que deu origem a uma palavrinha intrigante chamada angústia ;))

8 comentários:

Anônimo disse...

Clau: você ganha 3 tipos de beijo se diminuir em 90% daquela introdução, que ficou CHATÍSSIMA.

Desculpe a sinceridade, mas POR FAVOR, tá quase ilegível.

Cláudia disse...

Para quem concorda com o meu querido amigo Gustavão, indico a leitura de seu estilo conciso e direto, em www.minicontosperversos.blogspot.com, antes um blog que estava indicado em escritos de quem gosto, mas que, por razões de classificação e ordenação, foi excluído, devido ao rumo da prosa do meu amigo. Nem por isso, entretanto, menos querido, meu amigo Gustavito ;))

Cláudia disse...

Adendo: por problemas técnicos que não souberam o que aconteceu com o corretor de texto, perdi-me, na primeira edição, com repetições e erros quando marcava trechos em itálico ou negrito. Acabei publicando a primeira versão com equívocos que justificaram o comentário do meu amigo, em parte, pois desde sempre ele contesta o meu estilo que classifica de prolixo e complexo! ;))

Cláudia disse...

Olá Cláudia.
Não consegui postar um comentário. Mas vamos lá.
Gosto dos teus textos porque o meu cérebro começa a dar estalos. Acho isso muito bom. ehehehehe
Até +
Silca

Ao que respondo, depois de fazer constá-lo:

Obrigada querida! Não sei o que aconteceu, mas, enfim, não devemos nos deparar frente aos desafios do 'sistema' - seja o sistema do blog, da companhia de telefonia - móvel ou fixa, da instituição financeira ou mesmo desse reles instrumento de trabalho, a cada dia com mais ares de importância imprescindível, chamado computador!

Despeço-me com sinceros votos de que um dia as consciências possam estar tão às claras interligadas, de acordo com os seus desejos, que esses meios de comunicação não sejam mais do que um acontecimento pré-histório na história dessa nossa modernidade :))

Cláudia disse...

Depois de um dia exigente, principalmente de muita calma para toda a hora, eis-me aqui, lá pelas tantas, a reler o texto em busca de repetições de palavras. O intuito é justamente evitar a repetição e proceder à substitiuição por SINÔNIMOS... Ou seja, antes de desejar boa-noite, fico a refletir se um bom estilo literário conseguiria alcançar a pureza de produzir uma única interpretação. Pergunta que, assim que formulada, já acena para uma primeira impressão dizendo, com um sorriso matreiro no rosto, que isso é da ordem do impossível. Tão impossível quanto a existência de uma relação sexual, nas palavras já insistentementes mal-interpretadas, do sempre presente Jacques Lacan, da qual sou fã invetereda, com as suas múltiplas capacidades de produzir reflexão.

Ciao a tutti voi, carissimi amici miei! Presto vengo parlar acerca di nostra mamma Latina ;))

Cláudia disse...

E para quem não leu o texto ilustrado pelas borboletas, chamado Dupla Embriaguez, postado em maio de 2008, recomendo a leitura, incluindo os comentários ao post, se por acaso ficar curioso por não achar graça dessa minha troça d'agora: o menu do nosso querido Obelix não poderia ser outro senão bis-coitos! ;))

Ana Rita Gondim disse...

De fato, algo precisa me seduzir, que não sejam livros, autores, cineastas, compositores, escritores, músicos, músicas… Ou não. Talvez a melhor sedução seja a imaterial, a impossível, a intelectual.
Não sejamos mais petiscos e beliscos de homens desejosos de apenas saborear melancias. Vamos buscar aqueles que desejam sempre realizar uma refeição principal. :) Boa sorte, linda e querida!
Deixo aqui uma frase do filme que assisti ontem depois de tanto adiar devido à preguiça em sair do meu mundo: “O que não nos mata nos torna estranhos”. (Batman – O cavaleiro das trevas) rs

Cláudia disse...

A 'chata introdução', que termina com uma pitada de humor, chama a atenção exatamente para a etimologia da palavra seduzir. Hoje, quando escutamos alguém nos chamar de sedutoras, a primeira coisa que vem à mente é: recebi um elogio! Seduzir, porém, é afastar a pessoa de si mesma, pela promessa de muito prazer. Entretanto, a realização desse acordo implica que se perca algo: a noção de si próprio, um abandono de si mesmo, no porto seguro dos braços alheios. Esse outro, entretanto, é um humano e, mesmo que bem intencionado, não pode se equiparar à grandeza e supremacia do mar - aqui, pode-se ler mar tanto no seu sentido real, físico e paupável, como na acepção metafórica de mar da vida, a sugerir que não importa por qual rio você navegue, seu destino será sempre o mesmo: o oceano. Mesmo que uma certa parcela de água fique retida em algum lago, no meio do caminho, o fato é que o sol a renovará diariamente, sublimando-a lentamente, para devolvê-la ao mesmo mar, seja em chuvas tropicais de fim-de-tarde, tempestades ou flocos de neve.
Voltando ao seduzir, se alguém lhe disser que você tem o dom de deixar o outro fora-de-si, que você é alguém que caminha à margem do caminho, para retirar os transeuntes que se aproximam de você de suas rotas, para logo depois de cumprir com a promessa de puro prazer, deixar quem seduziu ao puro abandono, de um sujeito que desviou-se de si mesmo e que, assim, nem consigo mesmo, às vezes, consegue contar, por ser preciso, primeiro, se reencontrar, creio que não se receberia tal denominação com a mesma receptividade da primeira interpretação.

Espero que não tenha ficado muito com-plexo ;))

Sugiro, como leitura complementar, os textos chamados "Logística e auto-estima" e
"Transitoriedade, desprendimento e felicidade", publicados em 2004-12-19, no endereço http://caiusflammae.livejournal.com/?skip=40