CARTA DA ACADEMIA UNIVERSAL DAS CULTURAS
Reunidos pela primeira vez em 9 de novembro de 1992, por iniciativa de Elie Wiesel, prêmio Nobel da Paz, queremos proclamar nossa vontade de nos unir para pensarmos juntos o século XXI e, em particular, a 'mestiçagem' das civilizações que os impulsos migratórios, voluntários ou forçados, já estão criando por todo o planeta.
Para esse fim, assentamos fundar em Paris uma Academia Universal das Culturas, compostas por mulheres e homens consagrados ao verdadeiro e a o belo, e preocupados igualmente com o bem, isto é, com os valores que devem inspiraras novas interdependências entre as culturas.
Fundada em 1992, quinhentos anos após a 'descoberta' da América, ela deseja o encerramento de um período que, aberto para o estabelecimento de contatos entre todas as sociedades do mundo, foi com demasiada freqüência um tempo de dominação e de perseguição de umas pelas outras.
Ela animará pesquisas científicas, encontros, aventuras criadoras, e apoiará, especialmente com um grande prêmio, tudo o que puder contribuir para a luta contra a intolerância, a xonofobia, a discriminação dirigia às mulheres, o racismo e o anti-semitismo. Encorajará o combate contra a miséria e a ignorância, assim como contra a degradação deliberada de certas forma de vida.
Ela se compromete a difundir suas idéias a partir da escola, pelos meios de comunicação e por todos os instrumentos da enciclopédia do futuro.
Reunidos por essa comum e urgente ambição, os membros fundadores da Academia Universal das Culturas querem mobilizar a serviço dessa ética todos os recursos da inteligência e da imaginação humanas.
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Dentre os membros da Academia Universal das Culturas há um brasileiro: JORGE AMADO. A seu lado figuram como membros nomes mundialmente reconhecidos, como Umberto Eco, Federico Fellini, André Frossard, Jacques Le Goff e José Saramago, dentre muitos.
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HISTÓRIAS DE COMPLÔS
Humberto Eco
Excertos
HISTÓRIAS DE COMPLÔS
Humberto Eco
Excertos
"Quando se quer demonstrar a existência de um complô, nem a lógica nem a filologia importam: a fé no complô é suficiente."
"Convém dizer que a maneira pela qual muitas pessoas, no Ocidente, reagem hoje ao terrorismo é com freqüência sustentada pela esperança (por uma espécie de esperança desesperada) de que o Mal venha de um complô e de que seja suficiente destruir a fonte do complô para reencontrar a paz e a tranqüilidade.
Ao passo que o problema da globalização é compreender a lógica dos grandes sistemas a fim de controlá-los ou, em outras palavras, de governar-lhes a evolução. Convém saber que reduzir qualquer problema a um complô não é a maneira de reagir à globalização, mas sim uma das mais perigosas formas da globalização."
SAÚDE, TERRORISMO, GLOBALIZAÇÃO E INGERÊNCIA
Bernard Kouchner
Excertos
"Não considerar que somente o que nos toca é importante."
"A pobreza é o terreno fértil para o extremismo. Porque é na pobreza que se encontram bem mais facilmente pessoas que se revoltam ou acreditam revoltar-se pelo bem, a religião, o proselitismo, o fanatismo, e por outra idéia - muitas vezes falsa-, a igualdade.
É nesses países, por más razões, e não para defender os pobres, não para defender um mundo melhor, certamente não para fazer a paz, que se recrutam mais facilmente esses fanáticos, nos países que não conhecem a esperança. Como se pode suportar, ou como se poderia comprender este mundo, o nosso, este em que se trava essa guerra aparentemente clara entre o extremismo .... e a democracia, se não se vê que no domínio da vida cotidiana, da vida da imensa maioria do planeta, a pobreza cria problemas inimagináveis para a outra metade? O problema da Aids é um exemplo gigantesco disso. Precisamos nos mexer! Há pessoas condenadas. Há uma política de desenvolvimento que, teoriacamente, deveria fazer as coisas mudarem. Quando? Para cuidar das populações do Sul, será preciso esperar que elas se tenham desenvolvido, que tenham construído estradas, fábricas, hospitais e atingido nosso nível de desenvolvimento econômico? Isso é o que lhes é proposto. E não é aceitável - é economicamente falso e humamente insuportável."
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A GLOBALIZAÇÃO COM OU SEM VALORES
Monique Canto-Sperber
Excertos
Monique Canto-Sperber
Excertos
"O que torna tão difícil a apreciação da globalização contemporânea é o caráter constantemente intrincado dos julgamentos descritivos e dos julgamentos normativos: os primeiros descrevem aquilo que é, os segundos ou atribuem um valor àquilo que é ou o comparam àquilo que é ou o comparam àquilo que deveria ser."
"Nosso mundo é antes de mais nada um mundo onde a pobreza e a miséria constituem um lote de um aparte considerável das populações, mesmo dentro de países desenvolvidos. Mais que pela ausência de recursos, a miséria se mede pela ausência de perspectivas de um futuro ou de oportunidade de ação. De fato, a miséria não se reduz apenas ao fato de ter pouquíssimos recursos ou direitos formais; ela também designa o fato de estar desprovido de meios para transformar recursos, se estes fossem dados, em verdadeiras capacidades de agir, por falta de educação, de referências familiares ou morais, por falta de acesso às representações de um futuro, de um aperfeiçoamento de si ou de uma mudança na própria condição. Dispor de meio para transformar recursos em verdadeiras capacidades de agir, por falta de educação, exige viver em um mundo que ofereça reais possibilidades de desenvolvimento de si e supõe que a cultura à qual se pertence tenha podido formar em cada um a faculdade de adaptar-se.
Todos nós, ocidentais, tendemos a considerar que o fato de ter acesso a meios de desenvolvimento pessoal e de transformação dos recursos em reais capacidades de agir é uma coisa extremamente positiva, mas não devemos esquecer que o fato de uma cultura haver possibilitado isso é o resultado de uma história real, história essa que, para criar tais possibilidades, precisou renunciar a outras formas mais tradicionais de existência. Por isso, mesmo que consideremos o desenvolvimento como um bem em si, não podemos subestimar o seguinte dilema: convém deixar as culturas em formas de equilíbrio nas quais elas subsistem dentro de economias fechadas, com poucos recursos e poucas possibilidades de mudanças coletivas ou individuais? Ou seria preferível ressituar essas culturas na grande circulação mundial, sem dúvida enriquecendo-as, mas também destruindo os equilíbrios que lhes permitiam subsistir, com os subseqüentes fenômenos de pauperização e perda de referências que uma tal revolução induz? É verdade que, entre as culturas arrastadas ao movimento contemporâneo de unificação, algumas se beneficiam de uma lenta melhoria da qual acabam emergindo novas formas de equilíbrio e uma condição global melhor, ao passo que outras avançam e afundam ao mesmo tempo. Cava-se assim o fosso entre uma globalização que, para uns, designa uma forma de retardo mal dissimulada por um encantamento tecnológico e, para outros, uma real melhoria coletiva."
"Em que a globalização pode ser um bem? Responderei a essa pergunta lembrando a realidade de uma rede de trocas que até agora me limitei a mencionar e que tem a ver com a cultura (maneiras de viver, tipos de socialidade) e com os valores. A difusão de um tipo de atitude diante de outrem e do grupo, a pregnância de uma orientação diante dos valores e normas não vem necessariamente junto com a importação de um jeans e de computadores pessoais. O mundo de hoje nos oferece claramente o exemplo de um mundo onde as mercadorias e os capitais podem circular, onde hábitos de consumo e modos de vida idênticos podem se espalhar, onde as culturas importadoras podem assimilar todos esses aportes mantendo-se, ainda assim, impermeáveis à democracia, às Luzes, às formas de emancipação da pessoa humana e mesmo aos valores de respeito e de dignidade do indivíduo. Semelhante penetração diferenciada dos elementos de uma cultura ou outra nos leva a constatar toda a medida de um fenômeno sem precedentes em nossa civilização. Trata-se da dissociação inteiramente nova entre, de um lado, a apropriação das técnicas de produção, de comunicação e de troca oriundas de uma cultura (por exemeplo: as conquistas da ciência, o sistema industrial, as ferramentas da informação etc.) e, de outro, a aceitação da ordem político-social em que essas técnicas se desenvolveram historicamente, a saber, os valores do Ocidente democrático. É o credo de Condorcer que é negado hoje, a saber, a crença num progresso uniforme e simultâneo da emancipação do espírito humano, da capacidade de servir-se das descobertas científicas e da interiorização dos valores das Luzes. O que observamos é exatamente o contrário. A civilização tecnológica e científica nunca esteve tão dissociada das formas históricas que a sustentaram, nunca foi tão instrumentalizada por culturas radicalmente opostas aos valores de tolerância, de livre circulação de idéias, de publicidade, de controle democrático, sem os quais essas descobertas científicas e técnicas certamente não teriam sido possíveis."
"É de se espantar que as mercadorias e as técnicas sejam mais universais do que os valores ligados ao respeito pelo indivíduo ou pela democracia? Não, pois está claro que, se as mercadorias ou as modas de consumo podem ser difundidas, se a técnica pode ser utilizada, em contrapartida é provável que nem os valores nem a democracia possam ser impostos a partir de fora. Bastam alguns anos para moldar o consumo e os mercados, mas são necessárias décadas de autocrítica e reflexão para estabilizar valores. Tal processo exige não somente a criação de instituições, mas também aquilo que poderíamos chamar de 'uma face interna', um longo trabalho de interiorização e educação, e portanto um necessário tempo de maturação."
"O mundo comum ao qual podemos aspirar não seria o mundo de uma cultura dominante, mas um mundo onde culturas refletissem juntas a partir de suas próprias tradições. ... É também o único meio de enfrentar os choques ou os confrontos que são inevitáveis. As forças das trevas continuam, bem recônditas. Mas, quando surgem numa cultura habituada a um certo trabalho crítico, sem dúvida causam menos estragos do que numa cultura inconsciente de suas partes sombrias. Ter isso sempre em mente não muda nada na maneira pela qual raciocinamos e tentamos agir visando o melhor, mas talvez nos deixe menos despreparados quando ressurgem a violência ou a paixão irracional."
PROBLEMÁTICA DAS MUNDIALIZAÇÕES
François de Bernard
Excertos
"Assim, tudo está bem. Tudo poderia estar. 'A mundialização' poderia ser essa coisa unívoca e pacífica, sem história nem tormento, sem controvérsia nem vítima... com que muitos sonham. Mas não o é. E, tanto pior para a felicidade simples dos que falam claro no oceano das ambigüidades, a desenvoltura deles não resiste nem à prova da análise nem à experiência do sofrimento social, moral e político contemporâneo."
“De certa maneira, poderíamos dizer que ‘o jogo da mundialização’, este jogo do qual somos livres para participar ou não, consiste para o jogador focalizar ‘rio abaixo’ a atenção dos ‘tapeados’, apresentado ‘ mundialização’ reduzida à globalização econômica como um fato maciço e indiscutível do qual só restaria avaliar as relativas vontade ou toxicidade. Será ela Bem ou Mal, eqüitativa ou injusta, provedora de desigualdades ou de chances, mais produtora de benefícios ou de desgraças? O terreno de tais contradições aparentes permite assegurar a vitória. Porque, qualquer que seja o julgamento afinal feito pelo ‘tapeado’, se ele tiver admitido situar-se nesse terreno – o da evidência de uma mundialização-globalização cuja realidade e até cujas figuras ele não poderia questionar -, o resultado só pode ser xeque-mate. O simples gesto que consiste em repetir a ‘mundialização’ sem hesitação, como se ela se limitasse a esse fato que nos é designado, torna-a novamente inatingível e reforça um pouco mais a dominação daqueles que lhe controlam a função, o sentido e a utilização.
Assim, a mundialização-globalização permanece estritamente no terreno da dominação e de uma moral binária. Por isso, está mais do que na hora de levar a sério o seu próprio conceito – uma seriedade que supõe no mínimo combinar as abordagens e os trabalhos do historiador e do filósofo, do antropólogo e do geógrafo, do sociólogo, do artista e do escritor, sem exclusão. A fim de escapar às regras desleais do jogo evocado há pouco, será preciso, portanto, esforçar-se por ‘sair dele’, por afastar-se radicalmente dele, por manter-se à distância do seu terreno – o espaço global da dominação moral -, para fazer, como diria René Char, um ‘retorno rio acima’. Retorno rio acima em direção a uma globalização econômica, financeira e política que, com um pouco de paciência e vontade, poderá ser obrigada a dizer seu verdadeiro nome; retorno ri acima em direção à sua história própria no sei da História; em direção ao caminho que ela abriu para si mesma, adotando diversos adornos para melhor confundir o freguês; em direção a um a história que põe em evidência vínculos delicados, ou mesmo críticos, entre democracia e mercados, ética e capitalismo, desigualdade e crescimento, por exemplo. Mas também retorno rio acima em direção a mundializações que se inscrevem alhures, que por seu próprio movimento desbravam outras possíveis leituras do mundo, outros desejos, outras ambições de cidadania. Mundializações plurais que, no espírito de uma outra história que não a da dominação, se empenham em multiplicar os meios e as realizações de partilha no seio de um mundo efetivamente reconhecido pouco comum: partilha dos saberes, partilha das culturas, partilha das religiões, partilhas das educações, partilha das ciências, partilha dos direitos e partilhas dos deveres!”
“As mundializações, portanto, revelam-se também como movimentos de desenvolvimento e de partilha das culturas. Por isso é essencial retomar a questão da ‘diversidade cultura’ em sua especificidade presente, e, precisamente, no horizonte novo daquilo que se denomina mundialização e globalização, duas moedas que não designam o mesmo valor. ‘Num contexto de mundialização das trocas, é preciso explorar o formidável potencial que elas representam para um melhor conhecimento recíproco entre os povos e as culturas. Novos espaços de expressão, de criatividade, de troca e de inovação vêm à luz. É preciso fazer tudo para que eles beneficiem o conjunto da humanidade. Eles não devem traduzir-se por uma uniformização e um empobrecimento culturais, nem reduzir-se a simples trocas mercantis’. (declaração do diretor-geral da UNESCO em 11.12.2000, por ocasião de uma mesa redonda de ministros da Cultura.). A aposta é a de restituir a essa questão da diversidade cultural, se não fundamentos partilháveis para além das clivagens políticas e nacionais ordinárias, pelo mesmo um quadro de elaboração que o afaste da acusação de facticidade. Portanto, a diversidade cultural deve efetivamente tornar-se um projeto – como a globalização, que é de fato um -, e um projeto cosmopolítico.”
Assim, a mundialização-globalização permanece estritamente no terreno da dominação e de uma moral binária. Por isso, está mais do que na hora de levar a sério o seu próprio conceito – uma seriedade que supõe no mínimo combinar as abordagens e os trabalhos do historiador e do filósofo, do antropólogo e do geógrafo, do sociólogo, do artista e do escritor, sem exclusão. A fim de escapar às regras desleais do jogo evocado há pouco, será preciso, portanto, esforçar-se por ‘sair dele’, por afastar-se radicalmente dele, por manter-se à distância do seu terreno – o espaço global da dominação moral -, para fazer, como diria René Char, um ‘retorno rio acima’. Retorno rio acima em direção a uma globalização econômica, financeira e política que, com um pouco de paciência e vontade, poderá ser obrigada a dizer seu verdadeiro nome; retorno ri acima em direção à sua história própria no sei da História; em direção ao caminho que ela abriu para si mesma, adotando diversos adornos para melhor confundir o freguês; em direção a um a história que põe em evidência vínculos delicados, ou mesmo críticos, entre democracia e mercados, ética e capitalismo, desigualdade e crescimento, por exemplo. Mas também retorno rio acima em direção a mundializações que se inscrevem alhures, que por seu próprio movimento desbravam outras possíveis leituras do mundo, outros desejos, outras ambições de cidadania. Mundializações plurais que, no espírito de uma outra história que não a da dominação, se empenham em multiplicar os meios e as realizações de partilha no seio de um mundo efetivamente reconhecido pouco comum: partilha dos saberes, partilha das culturas, partilha das religiões, partilhas das educações, partilha das ciências, partilha dos direitos e partilhas dos deveres!”
“As mundializações, portanto, revelam-se também como movimentos de desenvolvimento e de partilha das culturas. Por isso é essencial retomar a questão da ‘diversidade cultura’ em sua especificidade presente, e, precisamente, no horizonte novo daquilo que se denomina mundialização e globalização, duas moedas que não designam o mesmo valor. ‘Num contexto de mundialização das trocas, é preciso explorar o formidável potencial que elas representam para um melhor conhecimento recíproco entre os povos e as culturas. Novos espaços de expressão, de criatividade, de troca e de inovação vêm à luz. É preciso fazer tudo para que eles beneficiem o conjunto da humanidade. Eles não devem traduzir-se por uma uniformização e um empobrecimento culturais, nem reduzir-se a simples trocas mercantis’. (declaração do diretor-geral da UNESCO em 11.12.2000, por ocasião de uma mesa redonda de ministros da Cultura.). A aposta é a de restituir a essa questão da diversidade cultural, se não fundamentos partilháveis para além das clivagens políticas e nacionais ordinárias, pelo mesmo um quadro de elaboração que o afaste da acusação de facticidade. Portanto, a diversidade cultural deve efetivamente tornar-se um projeto – como a globalização, que é de fato um -, e um projeto cosmopolítico.”
* Fonte: Globalização para quem? Organizado por Françoise Barret-Ducrocq - Ed. Futura.
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