segunda-feira, junho 25, 2007

Miramar, um convite à travessia.







Quero a ti,
Em versos decantar.
Fluir-me daqui,
Em riachos desaguar.

Imolei-me em altar,
Chameio-o miramar.
Mirei-me ao mar,
Para a ti entoar.

Vidas a conjugar,
Ele veio e eu também veio*.
Tu veias, nós veiamos,
Todos viam, convenhamos.

Nossas veias desembocar,
Em ondas pelo mar.
Tua poesia a me adentrar,
Minha foz acalentar.

*concessão poética para verbalizar, tornar verbo, a vida que corre em veias, a imensidão do mar de emoções que pulsa em nós.

5 comentários:

Cláudia disse...

Deixar-se, assim, conduzir à deriva permite descobrir de maneira regrediente a margem de partida, o objeto oculto na lembrança e que inconscientemente organiza a deriva do discurso. Chega o dia em que toda a deriva é reconduzida a este ponto de fixação. E é exatamente esta amarração secreta à margem esquecida que faz de toda viagem ou de toda travessia uma deriva indefinida, tornando impossível a descoberta de outra margem. O objeto oculto desta busca e a cadeia inconsciente que o prende aí impedem para o sujeito o acesso do objeto ao seu próprio desejo, mantido sem cessar no mar do desejo do outro do qual este objeto sem referente é o lugar cego.

Neste ponto de fixação, sujeito e objeto se confundem e na progressiva localização desta confusão, a trama imaginária da neurose se desmonta: o barco do sujeito, libertado da abita ou do corpo-morto que o amarrava, pode assumir o risco de uma nova travessia".

(O Umbigo e a voz: psicanálise de duas crianças, Denis Vasse, pág. 8/9, Edições Loyola - São Paulo - 1977,

Cláudia disse...

Como já mencionei antes, tenho amigos especiais que me ajudam nessa travessia do lançar-se à escrita. Reproduzo aqui um comentário feito por um homônimo de um famoso escritor, deveras em descompasso com o paladar da crítica, na razão inversamente proporcional à empatia do público.

Paulo, o Coelho, foi quem me trouxe o pouco que sei acerca dos fundamentos do Budismo. Muito mais do que um catedrático, para mim um mestre admirável.

Quando meu outro amigo Murilo questionou-me acerca de algumas nuances desse escrito em particular, na minha tentativa de explicar-lhe o inexplicável, remeti-o ao adágio budista que diz que o destino de toda a gota d'água é retornar ao oceano.

Por isso, explicando não só ao Murilo mas também a quem aqui está a ler, justifico o decantar:

Usei decantar como uma metáfora, a dizer da tentativa de apreender em verso o que está para além das palavras. Poesia, para mim, é isso: é sempre decantar, na busca de dizer um pouco do indizível. Ou quiçá na consciência de que há um mundo que reside para além delas (as palavras).

Aqui, disse-o mais um pouco o mestre:

Cláudia,
Maravilhosa travessia. Indefiníveis encontros e cruzamentos.Insuspeitáveis teias, enredos e lógicas de coração. Sensibilizado sempre. E agora. Sintonia. Ressonância. Dádiva e gratidão. Paulo, o Coelho.

Cláudia disse...

O Murilo, amigo de sempre, já havia antes me apontado do efeito das rimas pobres terminadas em ar, que para ele remetiam a uma linguagem infantil.

Reproduzi antes o comentário que recebi do Paulo, entre tantos outros que me responderam com seus 'belíssimo, excelente e contente'. Mas não pense quem aqui está a ler que só de mimos vive quem arrisca o compartilhar de suas idéias. A seguir, apresento o outro lado dessa moeda.



"Não há meio de sequer emendar esse texto (ou qualquer outro seu). Não há nada pior do que rimas pobres insistentes, ar, ar, ar. Ar é o que se pede depois de ler isso. Não cabe sequer a excusa de que o uso reiterado da rima em ar, que é a mais pobre de toda a língua portuguesa, busque algum efeito, porque não resulta em qualquer outro efeito senão o de reduzir a balbucios primários e irritantes aquilo que se pretende que sejam versos só por... rimar, ar, ar.

Não há ritmo. Os neologismos são sem imaginação, não dizem nada. Não há intimidade com a palavra. Não há maturidade na sua relação com a palavra. Se se quer alterar a regência de um verbo, que se o faça de modo conseqüente, não para "caber" - sendo que "caber" nem sequer cabe, porque não há ritmo (ritmo não é igual a, nem resulta do número de sílabas por verso, diga-se de passagem).

Não adianta procurar explicar sofisticadamente o que está tão mal dito antes".


E o que digo eu desse efeito? Disse-o assim, em palavras:

"O que busco mesmo é experimentar, livrar-me de conceitos pré-concebidos do que seja uma boa ou má poesia, rica ou pobre de rima. Sendo quem sou, creio que até corro o risco de me apegar em demasia a tais pobres rimas... o efeito que procuro é outro, o processo que me arrisco a compartilhar é o da poesia inscrita e não o de escrever poesia".

Cláudia disse...

As críticas são sempre construtivas e a ternura é o melhor riacho para se chegar às águas plácidas da aceitação. As águas turbulentas das emoções negativas muitas vezes têm dificulades em ultrapassar o dique egóico e, assim, acabam por não se comunicar. E um bom exercício nesse aprendizado é a dedicação ao ofício do decantar.

Havia algo que ressoava na crítica severa que não fazia sentido: a mudança da regência do verbo. E foi assim que descobri o efeito da interpretação. Urge, por isso, que eu previna aos futuros leitores desse efeito colateral.

Vidas a conjugar pressupõe duas interpretações: uma com e outra sem metafísica. Ficando com a primeira, temos duas vidas: uma que vem e que se encontra com outra que diz: eu também vivo, em mim a vida também pulsa! Há algo que corre em minhas veias a me assegurar: eu vivo, na metáfora do eu veio (= a vida corre em minhas veias).

E para quem quiser se arriscar na segunda interpretação possível, despeço-me assim:

Nadis, nadis,
Reinam sutis.

Cláudia disse...

“Neste corpo, o monte Meru [a coluna vertebral] está rodeado por sete ilhas: há rios, mares, campos e senhores dos campos. Há rishis e sábios, e nele estão todas as estrelas e planetas. Há peregrinações sagradas, templos e deidades nos templos. O sol e a lua, agentes da criação e da destruição, movem-se nele. O espaço, o ar, o fogo, a água e a terra também se encontram aqui. Todos os seres que existem no mundo estão igualmente no corpo. Rodeando o monte Meru, fazem suas tarefas. Aquele que sabe disto é um yogi. Não há dúvida sobre isto.” (Shiva Samhita - II:1-5)

"Todas as forças vitais falam junto com a fala quando a fala se expressa.
Todas as forças vitais enxergam junto com os olhos quando os olhos enxergam.
Todas as forças vitais escutam junto com os ouvidos quando os ouvidos escutam.
Todas as forças vitais pensam junto com a mente quando a mente pensa.
Todas as forças vitais respiram junto com a respiração quando a respiração respira". (Kaushitaki Upanishad, III:2).