terça-feira, outubro 21, 2008

Claras, Franciscas e Marias



A Paraíba e a sua capital João Pessoa surpreendem. E para melhor, o que faz toda a diferença, bom que se frise. Foi por lá, na capital, que me deparei com o Mosteiro de São Francisco, um lugar que vibra em certa aura que nos remete para algum lugar mais além, talvez para o passado que construiu aquele presente. Ao percorrer os corredores dos andares superiores, que abrigavam os claustros da ordem dos religiosos, hoje ligeiramente modificados e ampliados, pode-se vislumbrar que não obstante o rigor do fechar-se para o mundo, os arredores são indicadores de uma escolha privilegiada, onde a natureza abundante até hoje impressiona. O aroma que rescende, quando o vento adentra por algumas janelas, dá a conhecer que jasmins habitam o jardim que se deixa entrever pelos vãos inundados de sol, se não sempre, intensamente em dias de inverno típico, deveras ameno pelas redondezas das zonas tropicais equatorianas.

Há um confronto entre a ideologia do claustro, que se fecha para o mundo externo em busca da divindade por vias de interiorização, e a beleza que adentra do mundo afora, que espreita por todos os espaços: janelas, portas e arcadas que circurdam o pátio central, local onde eram praticadas orações, cânticos e meditações.

A Ordem dos Franciscanos teve o seu contra-ponto feminino através de Santa Clara, que fundou a Ordem das Irmãs Clarissas. Conta a lenda católica que dos olhos de São Francisco, ao cortar os cabelos da jovem Clara de Assis, escorreram lágrimas, tamanha era a beleza daquela que se tornaria conhecida na posteridade como Santa Clara.

Para alguns, entretanto, o movimento ascético, que encontrava ressonância no discurso dominante católico, era embuído, em alguns casos, de um sentido oculto, que encobria a rebeldia das jovens da época a certas regras vigentes, o casamento arranjado, por exemplo.
Dentre as inúmeras santas católicas que se destacaram por suas intensas penitências, encontram-se as Santas Wilgefortis, Catarina de Siena e Maria Madalena de Pazzi.

Leituras atuais de comportamentos idos podem sugerir que muitas práticas de jejum extenuante, valorizadas e enaltecidas por uma certa ótica, como a vigente na Idade Média, podem corresponder ao que se entende, atualmente, por quadros de anorexia crônica. A "Santa Inquisição", como hoje se sabe deveras pecadora de outrora, não deixou de notar o fato e se não deu às suas observações a interpretação conferida por Freud, buscou a que lhe era habitual: enquadrar o indomável, o desconhecido e o saber contrário aos ideais professados pela ordem vigente ou como manifestação divina ou como de natureza demoníaca, o que abria um leque para a toda a sorte de maneiras de eliminar o que estava a incomodar a ordem estabelecida, onde a rejeição tanto da beleza como do enaltecimento do ego estavam dentre os ideais que se encontravam no topo da escala de valores, compondo o caleidoscópio que dava a visão de mundo de então.

Arriscaria a propor, o que é endossado nos textos referidos ao final, que menos se altera a estrutura central de certos comportamentos humanos e muito se modificam as formas de se interpretar e entender esse mesmo que se repete. Parece-me que há inevitáveis aproximações de descrições de tais efeitos, quanto à vivacidade que se instala a partir de um estágio já avançado da anorexia nervosa, com o estado de êxtase que seguidores da ideologia "Vivendo de Luz" descrevem em seus relatos. A diferença é que a proponente da prática não encara uma dieta de pouquíssima ingestão não só de alimentos como de líquidos como algo patológico ou de caráter punitivo, mas caminho de iluminação: "Quando fui orientada pela primeira vez a contar minha viagem pessoal de libertação da necessidade de consumir alimentos graças ao poder Divino, não tinha idéia de que o livro se tornaria tão popular e seria publicado em tantas línguas" (Prefácio por Jasmuheen, autora de "Os embaixadores da Luz").

Cumpre-me dizer, por fim, que tais reflexões e aproximações não têm a pretensão de macular a santidade conferida a tantas mulheres que se dedicaram de corpo e alma ao ofício divino aqui na terra, principalmente porque, até hoje, desconheço alguma explicação científica para justificar fatos como, por exemplo, a incorrupção de corpos, como no caso de Santa Maria Madalena de Pazzi. E frente ao desconhecido, o mínimo que se requer é prudência e respeito. Se alguém souber dar razão ao milagre, cartas à redatora.

Veja mais em:
www.gatda.psc.br/anorexia.htm - 79k -
www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-44462002000300011&script=sci_arttext - 23k
www.redeceppan.com.br/artigos/08.07.15/08.07.15.htm - 30k -
es.wikipedia.org/wiki/Wilgefortis - 39k -



"Em 1212, a jovem Clara de Assis seguiu o atraente exemplo de Francisco e viveu, dentro da clausura e na contemplação, o ideal de pobreza evangélica. Surgiu, assim, a Ordem das Clarissas, ou a Segunda Ordem Franciscana.
Santa Clara nasceu em Assis, Itália, por volta de 1194, numa família rica e nobre. Seus pais chamavam-se Favarone e Hortolana, sendo Clara a filha primogênita. Com Inês e Beatriz, suas irmãs menores, que mais tarde também entrariam no Mosteiro de São Damião, Clara esforçava-se no amor a Jesus e sentia em seu coração o chamado para segui-lo.

Clara sonhava com uma vida mais cheia de sentido, que lhe trouxesse uma verdadeira felicidade e realização. O estilo de vida dos frades a atraía cada vez mais.
Depois de muitas conversas com Francisco, aos 18 de março de 1212, (Domingo de Ramos), saiu de casa sorrateiramente em plena noite, acompanhada apenas de sua prima Pacífica e de outra fiel amiga, e foi procurar Francisco na Igrejinha de Santa Maria dos Anjos, onde ele e seus companheiros já a aguardavam.
Frente ao altar, Francisco cortou-lhe os longos e dourados cabelos, cobrindo-lhe a cabeça com um véu, sinal de que a donzela Clara fizera a sua consagração como Esposa de Cristo. Nem a ira dos seus parentes, nem as lágrimas de seus pais conseguiram fazê-la retroceder em seu propósito. Poucos dias depois, sua irmã, Inês, veio lhe fazer companhia, imbuída do mesmo ideal. Alguns anos após, sua mãe, Ortulana, juntamente com sua terceira filha Beatriz, seguiu Clara, indo morar com ela no conventinho de São Damião, que foi a primeira moradia das seguidoras de São Francisco.
Com o correr dos anos, rainhas e princesas, juntamente com humildes camponesas, ingressaram naquele convento para viver, à luz do Evangelho, a fascinante aventura das Damas Pobres, seguidoras de São Francisco, muitas das quais se tornaram grandes exemplos de santidade para toda a Igreja.
As Irmãs Clarissas vivem um estilo de vida contemplativa, sendo enclausuradas. Quer dizer que não têm, normalmente, uma atividade pública no meio do povo, dedicando-se mais à oração, à meditação e aos trabalhos internos dos mosteiros".

www.franciscanos.org.br/nossaorigem/especiais/santa_clara2003/notas/santaclara.htm

O "Conjunto São Francisco", em João Pessoa, é um dos mais relevantes complexos de arquitetura e arte barroca no país. Concluída em 1770, a Igreja de São Francisco abriga, também, o Claustro da Igreja de São Francisco".

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