domingo, outubro 05, 2008

Política sã


"A sã política não deveria ter por objeto fazer avançar a espécie humana, que se move por impulso próprio, seguindo uma lei tão necessária quanto a da gravidade, embora mais modificável; ela tem por finalidade facilitar sua marcha, iluminando-a". Augusto Comte, 'Système de politique positive', Apêdice III, 'Plan des travaux scientifiques nécessaires pour réorganiser la société, 1828, p. 95.

Auguste Comte é o sociólogo da unidade humana e social, doutrinário da ciência positiva e da ciência social. Propôs, em seu livro 'Opúsculus', que da mesma forma como não há liberdade de consciência na matemática ou na astronomia, não pode haver também em matéria de sociologia. O ponto de partida do pensamento de Comte é uma reflexão sobre a contradição interna da sociedade do seu tempo, entre o tipo teológico-militar e o tipo científico-industrial. Auguste Comte deseja ser, ao mesmo tempo, um cientista e um reformador. Qual é, pois, a ciência que pode ser certa nas suas afirmações e, ao mesmo tempo, imperativa, para um reformador... Incontestavelmente, seria uma ciência sintética a qual parte de leis mais gerais, das leis fundamentais da evolução humana, em busca de um determinismo global que os homens pudessem utilizar segundo a expressão positivista: uma 'fatalidade modificável'.

Montesquieu e Tocqueville atribuem uma certa primazia à política, à forma do Estado; Marx, à organização econômica. A doutrina de Auguste Comte se baseia na idéia de que toda sociedade se mantém pelo acordo dos espíritos. Só há sociedade namedida em que seus membros têm as mesmas crenças.

A filosofica de Comte pressupõe três grandes temas.

O primeiro é o de que a sociedade industrial, a sociedade da Europa ocidentral, é exemplar e se tornará a sociedade de todos os homens, cujos fundamentos são a condição da prosperidade e do poder. Ainda não está provado que Auguste Comte estivesse errado quando acreditava que certos aspectos da sociedade industrial da Europa tinham uma vocação universal.

O segundo é a dupla univerdalidade do pensamento científico. A vocação universal do pensamento positivo, que segue os métodos adotados pela espécie humana, quando os êxitos atribuídos à ela se tornam visíveis. No momento, porém, em que se começa a pensar positivamente em astronomia ou física, não se pode pensar de outro modo em termos de política ou de religião. O método positivo deve ser estendido a todos os aspectos do pensamento. Uma vez que a generalização do método positivo é evidente, estaremos condenados, então, a reproduzir em sociologia, moral ou em política o método da matemática e da física... o que se pode dizer é que esse debate continua, nas palavras de Raymond Aron.

O terceiro tema fundamental do pensamento de Comte é o do 'sistema de política positiva'. Como é possível explicar a diversidade, se a natureza humana é basicamente a mesma, se a ordem social é basicamente a mesma, de acordo com a sua concepção de que a história da humanidade é a história do espírito enquanto devenir do pensamento positivo ou enquanto aprendizado do positivismo pelo conjunto da humanidade.

Para Comte, a oposição entre operários e empresários é secundária, na medida em que o liberalismo não é a essência da nova sociedade formada com a partir da revolução industrial, mas um elemento patológico, um momento de crise no desenvolvimento de uma organização que será muito mais estável do que aquela fundada no livre jogo da concorrência.

A oposição essencial entre liberais e socialistas está no fato de que os primeiros acreditam na conciliação final dos interesses, e os segundos admitem o caráter fundamental da luta de classes.

Comte defende a propriedade privada e se opõe ao socialismo, por entender que a civilização material só se pode desenvolver se cada geração produzir mais e mais do que é necessário para a sua sobrevivência, transmitindo assim à geração seguinte um estoque de riqueza maior do que o recebido da geração precedente. A capitalização dos meios de produção é característica do desenvolvimento da civilização material, e leva à concentração, mas uma concentração que não deve determinar o caráter público da propriedade. Comte é, em verdade, indiferente à oposição entre propriedade privada e propriedade pública, porque considera que a autoridade, econômica ou política, é sempre pessoal. Em toda a sociedade, são homens, em pequeno número, que comandam. Um dos motivos da reivindicação da propriedade pública é a crença, bem ou mal fundamentada, de que a substituição do regime de propriedade modificaria a estrutura da ordem social e Comte é cético a esse respeito. Acredita que são sempre os ricos que detêm a parte do poder que não pode deixar de acompanhar a riqueza, e que é inevitável em qualquer ordem social. A propriedade privada é necessária, inevitável, indispensável; mas só é tolerável quando assumida, não como o direito de usar e abusar, mas como o exercício de uma função coletiva por aqueles que a sorte ou o mérito pessoal designou para isso.

Comte assumiu uma posição intermediária entre o liberalismo e o socialismo, podendo-se dizer ser um organizador que deseja manter a propriedade privada e transformar seu sentido, para que, embora exercida por alguns indivíduos, tenha também uma função social, concepção que não se afasta muito de certas doutrinas do catolicismo social.

Feitas essa breves interlocuções acerca de algumas nuances do pensamento do pai do positivismo, quem sabe seja de bom alvitre endossar um pedido de amém, de que assim seja, aos votos do imperativo categório que a nossa sociedade 'brasiliana' de hoje nos impõe para esse cinco de outubro de dois mil e oito. Assim, que a nossa obrigação seja cumprida de bom grado, em prol e benefício de quem este mundo habita e, de uma forma ou de outra, luta com afinco para não só fazer parte do que se conhece por sociedade, mas manter-se nela...

Excertos a partir de "As Etapas do Pensamento Sociológico", por Raymond Aron, Martins Fontes Editora, fls. 84-101.

Raymond-Claude-Ferdinand Aron (1905, 1983) nasceu na França e pode ser considerando um filósofo, um sociólogo e um comentador político, que recebeu seu doutorado em filosofia da história em 1930 na 'École Normale Supérieure'. Sua postura humanista e liberal fazia contra-ponto a Jean Paul Sartre e seu existencialismo marxista. Foi colunista influente do jornal "Le Figaro" e do semanário "L'Express", onde escreveu até a sua morte.

veja mais em http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u618.jhtm

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