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Esse continho começou a partir da idéia sobre o que consiste a arte da sedução, do latim seducere, que significa desviar, afastar, desencaminhar, conduzir para o lado. Nas palavras de Latuf Isaias Mucci, em "Uma teoria da tradução", seduzir
"indica a atração de um lugar (ou pessoa) para outro (ou outra). No campo semântico dos verbos, originados de “ducere”, ocorre, portanto, um movimento, uma atração, um ímã. ("www.arscientia.com.br/materia/ver_materia.php?id_materia=451)".
Diz Ivo Lucchesi, em "Sedução e Poder", que "nada mais oportuno quanto necessário do que, na abertura do tema proposto, se recuperar a etimologia da palavra “sedução”. Com o intuito de não se incorrer em mera repetição do que, em outra época, a respeito já escrevemos, melhor será a transcrição direta da fonte: A palavra provém do Latim seducere (se[d] + ducere). Sed, além de conjunção equivalente a “mas”, atuava nos textos antigos como prevérbio, significando “separação”, “afastamento”, “privação”, e ducere queria dizer “levar”, “guiar”, “atrair”. Em síntese, portanto, “seduzir” era o processo pelo qual se atraía para privar o outro da autonomia de si, sob a promessa de possibilitar-lhe a experiência do prazer pleno". ("www.brasilcultura.com.br/conteudo.php?id=414&menu=87&sub=454").
Feito esse breve intróito de ordem língüística, que não pára por aqui, continuo com as apropriadas referências de Zygmunt Bauman, em "Modernidade e Ambivalência", Ed. Zahar, que inicia com a abordagem nominada "A busca da ordem" (fls. 9/26) e dá o primeiro passo refletindo acerca do conceito de ambivalência, por ele assim definida:
"possibilidade de conferir a um objeto ou evento mais de uma categoria, é uma desordem específica da linguagem, uma falha da função nomeadora (segregadora) que a linguagem deve desempenhar. O principal sintoma de desordem é o agudo desconforto que sentimos quando somos incapazes de ler adequadamente a situação e optar entre ações alternativas". Assim começa o autor a discorrer acerca do que nomina como uma ambivalência que não é nada mais do que um aspecto normal da prática lingüística, da qual decorre a função da língua de nomear, classificar, ordenar, propondo que a ambivalência é o 'alter ego' indissociável da linguagem. A angústia da ambivalência, segundo ele, decorreria da sua capacidade de confundir o cálculo dos eventos, de acordo com os padrões de conduta memorizados por cada um, no seu instinto natural de sobrevivência, porquanto nenhum dos padrões previamente apreendidos seriam claros o suficiente para conduzir o sujeito com segurança ao trilhar por situações ambivalentes. Dessa forma, o ato de classificar, de por ordem no mundo, acena como uma saída segura contra a dúvida e a angústia que própria ambivalência gera. Entretanto, o ato de classificar só se realiza pelos atos de incluir e excluir, reflexão que dá a conhecer que a essência classificatória, na busca da ordem, não deixa de trazer em si um ato de violência contra o mundo, na medida em que necessita excluir para se realizar. Torna-se, assim, evidente que a genuína busca de erradicar a ambivalência tem, em sua força motriz, não apenas o efeito de buscar extirpar a ambigüidade, mas é também geradora de si mesma, na medida em que o ato de classificar se constitui na força propulsora que gera mais ambigüidade. Prossegue o autor com o contra-posto entre a ordem e o caos, propondo que são gêmeos modernos, que vieram ao mundo após a perda daquele ordenado de modo divino, previamente à concepção do Leviatã de Hobbes. Assim, sugere que a consciência da ordem adveio a partir da visão de Hobbes, que introduziu o seu conceito em contraposição ao natural. Pode-se, assim, dizer que a modernidade existe pelo fato de bifurcar-se nas possibilidades entre ordem e caos, tendo-se, entretanto, que fazer uma opção entre essas duas alternativas, na hoje já clássica concepção de amódio que nos habita nesses tempos ditos modernos.
É dentro dessa visão que a luta pela ordem não se constitui na luta entre propostas e visões concorrentes, mas sim a luta contra a ambivalência, da transparência contra a obscuridade, da clareza contra a confusão, como meio para o discernimento da ambivalência total, do acaso do caos. "O outro da ordem não é uma outra ordem: sua única alternatia é o caos. O outro da ordem é o miasma do indeterminado e do imprevisível. O outro é a incerteza, essa fonte e arquétipo de todo medo. Os tropos do 'outro da ordem' são: a indefinibilidade, a incoerência, a incongruência, a incompatibilidade, a ilogicidade, a irracionalidade, a ambigüidade, a confusão, a incapacidade de decidir, a ambivalência. O caos, 'o outro da ordem', é pura negatividade. É a negação de tudo o que a ordem empenha em ser. É contra essa negatividade que a positividade da ordem se constitui. Mas a negatividade do caos é um produto da autoconstituição da ordem, seu efeito colateral, sua resíduo e, no entanto, condição 'sine qua non' da sua possibilidade (reflexa). Sem a negatividade do caos, não há positividade da ordem: sem o caos, não há ordem".
E prossegue brilhantemente Zygmunt Bauman: "A prática tipicamente moderna, a substância da política moderna, do intelecto moderno, da vida moderna, é o esforço para exterminar a ambivalência: um esforço para definir com precisão - e suprimir ou eliminar tudo que não poderia ser ou não fosse precisamente definido. A prática moderna não visa à conquista de terras estrangeiras, mas o preenchimento das manchas vazias no 'compleat mappa mundi'. É a prática moderna, não a natureza, que realmente não tolera o vazio".
Bem, prosseguindo agora bem ao estilo "Sanidade Bandida", do vazio, que remete à fome, vamos fazer um tour pelo apetite de embarcar no mundo e abarcar os caminhos que se abrem frente à imensidão de rios que a língua nos proporciona, nesse encontro de águas doces e salgadas do mar da vida.
O continho fala de uma conversa virtual entre Obelix-a e Asterix. Fazia tempo que não se viam e Asterix resolveu dizer olá justo quando Obelix-a planejava conhecer as redondezas da região que ficava ao nordeste do grande reino que habitavam, próximas à cidade natal de Asterix, conhecida por suas praias que remetem ao paraíso perdido aqui na terra. Asterix, sempre gentil e carinhoso, confidenciou-lhe, depois de receber algumas fotos suas, que ela continuava atraente como dantes, com suas curvas e cabelos de fogos ardentes e que muito lhe agradava a idéia de ser por ela seduzido, aditando que seria um imenso prazer revê-la em qualquer lugar, fosse ao sul, ao norte, ao centro-oeste ou mesmo ao nordeste, menos na sua cidade natal, por conta de sua namorada que era de lá. Obelix-a, realmente e quase sempre muito ardente, respondeu-lhe sem titubear:
- Quanto à idéia de seduzir você, para isso eu precisaria antes de um grande vazio, aliado a uma tentativa de desviar-me do caminho, para que a fome, em busca de sua ânsia de saciedade, se entregasse sem maiores reflexões aos pecados dessa gula, pelo instinto básico de sobrevivência. Entretanto, ao contrário do meu irmão e seu amigo inseparável, o Obelix, que vive acima do peso e é louco por beliscos, eu, sempre às voltas com a balança e vaidosa, prefiro ser um belo e sinuoso obelisco do que fazer as vezes de um saboroso petisquinho. É fato que um bom belisco será sempre um bom belisco e, embora às vezes engordativo, seu paladar é muito bem-vindo para abrir o apetite numa refeição! Minha fome, porém, apenas consigo saciar plenamente degustando um substancial prato principal, posto que um petisco, não importa o quão delicioso, vai bem de entrada, mas, definitivamente, não sacia a minha fome, principalmente a de 'pertencer' a uma relação de carinho, afeto e companheirismo, com todos os eteceretas de não menos importância!
Com afeto, Obelix-a!
Afeto que vagueia entre a ordem e a desordem, nesse medo, que nada mais é que a tradução de angst, que significa medo em alemão, e que deu origem a uma palavrinha intrigante chamada angústia ;))