sexta-feira, agosto 19, 2005

O feio recicla o belo. E vice, pois isso versa.

Hoje apenas reproduzo um texto mais antigo, já pedindo pelo desdobramento da sempre necessária atualização, nesse contínuo reciclar que é a vida. O degrau da estagnação tem como função propiciar a contemplação, no caminho em busca de uma serena aceitação das mudanças sempre necessárias para chegar-se a um melhor termo.



Festerê - festa no apê!?


Hoje eu estava lá no Mosteiro São Bento, arredores de Brasília. Mas não sou Carola, sou Claudinha... É que gosto de quebrar a rotina do dia na hora do almoço. Como interrompi esse mês a academia, que me custa algo em torno de 343 reais por mês, pensei num lugar onde pudesse ficar em paz e tranquila. E lá fui eu, pegar um solzinho, olhar o horizonte, escutar o silêncio.

Nas duas vezes em que estive lá, fui sozinha mas voltei acompanhada. Tudo culpa do padre, que está viajando...

Na primeira vez foram dois rapazes. Um empurrando o outro na cadeira-de-rodas. Josimar era tetraplégico, depois conseguiu recuperar parcialmente os movimentos do tronco, braços e mãos, mas acaba que nunca sai sozinho de casa. Puxei conversa depois que perguntei se o amigo precisava de ajuda para fazer a cadeira subir uma escadinha. Respondeu que não, que tava acostumado. Quando eu estava indo embora, no meio da rua comprida e solitária, avistei do carro os dois rapazes. Um na frente e o outro atrás, empurrando o amigo. Passei, lá na frente parei e voltei. Perguntei: querem carona? Já dentro do carro, contou-me o Josimar que tinha ido lá pedir uma sonda. Usa uma garrafa plástica de coca-cola pequena, no improviso. Ganha 300 reais por mês e cuida de dois filhos, depois que se acertou com a mulher e resolveram em conjunto que ela podia ir embora cuidar da vida dela, pois antes mesmo do acidente já era dessas mulheres avessas à fidelidade a quem não se ama de verdade. Disse-me que os filhos são seus maiores tesouros. Que é muito feliz, que tem esperança que daqui a uns 10 anos, com as células-tronco, vai voltar a andar. Falou que adorava os tempos em que passou no Sara Kubitschek e que o Jonathan, um rapaz bonitão que está fazendo propaganda na televisão para a inclusão social de pessoas com necessidades especiais, era o predileto das enfermeiras: todas elas queriam dar banho no Jonathan... fora o telefone que não parava de tocar e os milhares de bilhetinhos que o bonitão recebia. Mania dessas enfermeiras dizerem que homem bonito não dá trabalho... Enfim, o Josimar, se não fossem os filhos, disse que não precisava de mais que 300 reais por mês prá viver. Quando me despedi e olhei seu sorriso estampado no rosto, não tive dúvida alguma disso.

Já o seu Marcos, hoje, estava ali dentro da Igreja do Mosteiro, deitado, olhando para sei lá onde. Quando eu fui embora, ele perguntou se eu tinha dinheiro para ele pegar o ônibus de volta para casa. É que o padre, que da última vez arranjou-lhe uma cesta básica, tava viajando... Seu Marcos, nem um real eu tenho na bolsa. A única coisa que posso oferecer é carona. Aceita? Tá...respondeu ele. Seu Marcos é mais calado, olhar triste, perdido no horizonte... Lá em Formosinha, arredores de Brasília, onde mora com seus sete filhos, está difícil de arranjar emprego como 'prestador de serviços'. As fazendas de colheitas estão todas lotadas, não há vagas. Na casa dele, só tem sal. O gás acabou e ontem foi catar um pouco de lenha para acender o fogo. Ô seu Marcos, o senhor tem que acreditar que pode mudar. Arrumar emprego não depende só do senhor, mas o governo, agora com o 'Fome Zero', garante que Fome o senhor não pode passar. É...respondeu ele. Durante o caminho de volta, depois que passei no banco para dar-lhe um pouquinho de esperança, insistir que ele tinha que se ajudar antes de tudo, conversa vai, conversa vem, fui percebendo que a vergonha ía perdendo o jeito. Tanto que quando desceu do carro, recebi do seu Marcos um sorriso branco largo e iluminado, que branco quando contrasta com a morenice da pele fica é mais bonito.

Depois que deixei o seu Marcos para pegar o ônibus de volta para casa, acabei concordando com um amigo quando contestou a minha idéia de que o governo deveria ser proibido de fazer propaganda publicitária. Ele tem razão: o governo precisa divulgar os seus serviços. Assim que cheguei no trabalho entrei no site do governo, mas não consegui achar informações claras e precisas de como proceder para receber o auxílio do 'Fome Zero'. E no 0800, cansei de ouvir a musiquinha tocar. Mandei email perguntando como é que se faz. Pelo computador, lógico! Depois vim a descobrir que no programa fome zero você se cadastra para receber o auxílio bolsa família: 100 real. Se você vai ler com 'c' ou com 's', é pela escolha de quem chegou a esse básico discernimento da letra.

Enquanto isso, pensava no Prêmio Colunistas do Ano, que vai acontecer hoje lá no hotelzinho que sediou uma festa assombrosa, digna da elite da elite, que aconteceu semana atrás aqui no planalto central e ficou conhecida como Federal Weekend. Festa de arromba. E de roubo, já que não tinha convite por menos de algo em torno de 400 reais o mais xinfrim! Mas o que se ouviu mesmo falar é que estava assim de gente chegando de helicóptero, depois de desembolsar algo em torno de 22 mil reais para o fim-de-semana. Escutei também sobre outros pequenos delitos, tudo por culpa da inusitada operação policial que foi atrás dos consumidores de substâncias entorpecentes de uso proibido. Alguns frascos de lança-perfume, um pouco de maconha e apenas uma ‘bala’, diminutivo de baladas movidas a ecstasy... as outras balas, se rolaram, acho que deram o sabor de doçura da festa, repleta de gente muito bonita. Bonita como vai ser a festa de hoje, quando serão premiadas a agência do Marcos Valério e uma propaganda feita para os Correios. Essa, uma oportunidade única para reflexão: todo mundo gosta de coisa bonita, sai prá lá coisa feia! Só que a beleza depende muito dos olhos de quem vê. É... responderia o seu Marcos.

Bsb, 7.7.2005.

Nota explicativa: O jogo de nomes (Marco), para os que não estão inteirados da atual conjuntura política Brasileira, faz alusão ao nome de um famoso publicitário, acusado de estar envolvido com o que se costuma chamar por 'lavagem de dinheiro', cujo escândalo está conectado, infelizmente, com a propaganda feita para a Empresa Brasileira de Correios. Todos os nomes e fatos que inspiraram esse texto estão conectados com a realidade. Ou seja: isso não é obra de ficção científica e qualquer semelhança com a realidade não é ilusóira.

3 comentários:

Anônimo disse...

Amiga, esse vc já tinha me mandado, mas chorei de novo ao ler... muitos beijos...

Cláudia disse...
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Cláudia disse...

Ei, não é para chorar mas sim para nunca perder a esperança de poder mudar. Porém, mais do que esperança, acho que é uma questão de podermos nos conscientizar da nossa responsabilidade pelos valores sociais que aceitamos. Não quero explicar mais agora o que acho, pq num 'guento' mais me chamarem de complicada. Então, faça como eu: smile, smile, smile!!! Mas que não seja um sorriso vazio, mas sim um traga prá fora o que angustia o coração!!!