terça-feira, agosto 16, 2005

Possuir um ideal ou ser possuído por ele?

Hoje, trago um texto de Annie Besant, retirado de "Os Ideais da Teosofia", tradução de Fernando Pessoa, Ed. Teosófica. Sem conclusões, mas como sempre para reflexões. E, se me acompanhar, leia com a ótica da distinção do divisor de águas do traço da lei, seja a pessoal ou a social, tendo o seguinte conceito em mente: o sintoma sempre será o mesmo, mas antes da lei pessoal ele é o algoz do sujeito e depois dela o traço brilhante de sua personalidade. Por isso não duvide que a lei legítima proibe, mas é para libertar! E, por favor, excluída qualquer vertente redutiva ou impositiva. Sou avessa ao totalitarismo, excluída uma única possibilidade. A explicação é coisa para bem lá adiante, mas só na teoria, assim espero.

"Para haver um ideal é preciso haver mais alguma coisa do que uma idéia. O ponto seguinte, portanto, na definição, é que Ideal é uma idéia fixa, não um pensamento passageiro. É uma idéia que não muda, que não varia, que é fixa e estável, que exerce uma forte influência sobre o espírito. Eis, pois, a segunda parte da definição da palavra Ideal: um Ideal é uma idéia fixa.

Mas, além disso, um Ideal é uma idéia construtiva, uma idéia vitalizadora, e que, portanto, tem um efeito sobre o caráter. Um Ideal é uma idéia, não morta, mas viva, exercendo uma forte influência sobre a vida. De sorte que chegamos a conceber um Ideal como sendo uma idéia ou um conceito caracterizado pela fixidez e pelo seu poder construtivo do caráter.

Temos, porém, ainda um pouco a acrescentar à nossa definição, antes que percebamos totalmente o que um Ideal significa. Uma idéia falsa pode ser fixa – uma idéia fixa que não está em harmonia com os fatos e com a natureza das coisas. Uma destas idéias fixas produz o maníaco, mas não o Herói ou o Santo. De modo que temos que acrescentar um adjetivo a essa palavra “idéia” Tem de ser uma idéia verdadeira, uma idéia justa, uma idéia que esteja em harmonia com os fatos e de acordo com a verdade.

Uma idéia fixa, tal qual os psicólogos a conhecem, tem características. Já disse que ela pode produzir um maníaco; porque é característico de uma idéia fixa, no sentido vulgar da expressão, que ela domina o espírito e exclui as influências que se lhe opõem. É quase inútil argumentar contra ela. As influências usuais da vida, que atuam sobre o espírito humano, recuam ao bater de encontro à idéia fixa, do mesmo modo que as ondas recuam, quebradas ao bater de encontro a um rochedo. Por isso uma idéia destas pode ser um perigo e não um auxílio, um mal e não um bem. Mas, mesmo quando a idéia fixa seja boa e verdadeira, mais alguma coisa é preciso para que ela seja realmente um Ideal Teosófico. A idéia que é boa e verdadeira produz o Herói e produz o Santo; mas aquela que torna um homem um servidor útil da humanidade é uma idéia fixa que é boa e verdadeira, mas que ela possui, e não ela a ele. Não há aqui uma mera sutileza ou simples jogo de palavras. Há uma profunda diferença,na evolução entre uma idéia fixa dominar um indivíduo, e um indivíduo dominar uma idéia fixa. Lembram-se decerto, de que Patanjali, no seu Yoga Sutras, ao traçar os estágios da evolução intelectual, observa que o homem que está possuído por uma idéia fixa está perto da porta do Ioga. Sim: isto é verdade. É um sinal de evolução acima do vulgar, isto de uma idéia que seja uma inspiração nobre e verdadeira, possuir um homem a tal ponto que nenhum dos usuais argumentos mundanos pode fazer com que ele abandone a sua atitude; mas é sinal de uma evolução ainda mais alta quando a idéia nobre é possuída por ele como um instrumento, e não o possui como um dono. Uma idéia deve ser serva do espírito, a fim de dominar a natureza inferior e coagi-la ao serviço da superior. Por isso Patanjali sabiamente traça a distinção, e aponta que a idéia fixa possuindo um indivíduo o traz para perto da porta do Caminho; mas que é só quando o indivíduo possui a idéia e não é possuído por ela que os seus pés podem transpor o limiar dessa porta.

Um Ideal é, pois, uma idéia fixa, justa ou verdadeira possuída pelo indivíduo, e a tal ponto viva que influencia o seu caráter. Este último ponto não deve nunca ser esquecido. Porque um Ideal que não vivemos torna-se um ídolo, e muitas vezes resulta ser um obstáculo em vez de um auxílio. Formar o caráter, inspirar o coração, iluminar o espírito, eis o valor de um Ideal. Temos que meditar num Ideal desses para que o possamos reproduzir dentro de nós. Porque o homem, com diz o Upanishad, é criado pelo pensamento e torna-se aquilo em que mais pensa. O pensamento forma o caráter, e a vida torna o pensamento fértil.”

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