segunda-feira, novembro 26, 2007
Bem-te-vi
Foi carinho que eu vi.
E então mais me comovi.
Era comiseração,
Pela idéia de um coração,
Fadado à inação.
Mas foi esperança que senti,
Quando o vento me assoprou
No canto de um bem-te-vi.
Em terno instante, momentos revivi.
E da vida desnuda, um eterno sorriso colhi,
Por impossível, amor, poder seguir sem ti...
II -
E foi assim,
Neste pós-fim,
Que bem-te-vi,
Ao pôr-de-mim.
Ah, é sim...
É sempre assim
Ah, esse fim...
Me diz enfim,
Destino meu,
Se estás em mim,
Como há de termos fim?!
Em 23.11.2007. E também em 30.11.2007.
quarta-feira, novembro 07, 2007
All Star
Para que correr, se a felicidade não tem pressa?
Para que casar, se dizem que o glamour se esvai
E o mesmo teto estressa?
Para sonhar, a realidade pouco interessa.
Para conquistar, o sonho d'alma na vida ingressa.
Desilusão não é motivo para acabar a festa.
Se o cansaço chegar, para cada estrela há um all star!
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Fotos por Alexander Muradas cedidas pelos noivos
quinta-feira, agosto 23, 2007
quarta-feira, agosto 15, 2007
Os encontros de um caracol aventureiro.
Por García Lorca
Há doçura infantil
na manhã quieta.
As árvores estendem
seus braços à terra.
Um bafo tremente
cobre as sementeiras,
e as aranhas estendem
seus caminhos de seda
-raias no cristal limpo
do ar.
Na alameda
um manancial recita
seu canto entre as ervas.
E o caracol, pacífico
burguês da vereda,
ignorado e humilde,
a paisagem contempla.
A divina quietude
da Natureza
deu-lhe valor e fé,
e esquecendo-se das penas
de seu lar, desejou
ver o fim da senda.
Pôs-se a andar e internou-se
em um bosque de heras
e de urtigas. No meio
havia duas rãs velhas
que tomavam sol,
entediadas e enfermas.
'Esses cantos modernos'
-murmurava uma delas-
'são inúteis.' 'Todos,
amiga' -lhe responde
a outra rã, que estava
ferida e quase cega. -
'Quando jovem acreditava
que se finalmente Deus ouvisse
o nosso canto, teria
compaixão. E minha ciência,
pois já vivi muito,
faz com que não o creia.
Eu já não canto mais...'
As duas rãs se queixam,
pedindo uma esmola
a uma rãzinha nova
que passa presumida
apartando as ervas.
Ante o bosque sombrio
o caracol se aterra.
Quer gritar. Não pode.
As rãs aproximam-se dele.
'É uma mariposa?'
-diz a quase cega.
'Tem dois cornichos'
- a outra rã responde.
'É o caracol. Vens,
caracol, de outras terras?'
'Venho da minha casa e quero
bem depressa voltar para ela.'
'É um bicho mui covarde'
- exclama a rã cega.
'Não cantas nunca?' 'Não canto',
diz o caracol. 'Nem rezas?'
'Tampouco - nunca aprendi.'
'Nem crês na vida eterna?'
'O que é isso?'
'É viver sempre
dentro da água mais serena,
perto de uma terra florida
que rico manjar sustenta.'
'Quando menino me disse
um dia minha pobre avó
que, ao morrer, eu iria
para junto das folhas mais tenras
das árvores mais altas.'
'Uma herege era tua avó.
A verdade te dizemos,
nós. Acreditarás nela' -
dizem as rãs furiosas.
'Por que quis ver a senda?'
-geme o caracol. 'Sim, creio
para sempre na vida eterna
que [me] predicais...'
As rãs,
muito pensativas, afastam-se,
e o caracol, assustado,
vai-se perdendo na mata.
As duas rãs mendigas
como esfinges ficam.
Uma delas pergunta:
'Crês tu na vida eterna?'
'Eu não' - diz mui triste
a rã ferida e cega.
'Por que dissemos, então,
ao caracol que cresse?'
'Porque... Não sei por quê'
- diz a rã cega.
'Encho-me de emoção
ao sentir a firmeza
com que chamam meus filhos
a Deus lá da acéquia...'
O pobre caracol
volta atrás. Na senda
um silêncio ondulado
emana* da alameda.
Com um grupo de formigas
encarnadas se encontra.
Vão muito alvoroçadas,
arrastando atrás de si
outra formiga que tem
truncadas as antenas.
O caracol exclama:
'Formiguinhas, paciência.
Por que assim tratais
vossa companheira?
Contai-me o que fez.
Eu julgarei com consciência.
Conta-o tu, formiguinha'.
A formiga, meio morta,
diz muito tristemente:
'Eu vi as estrelas'.
'Que são as estrelas', dizem
as formiguinhas inquietas.
E o caracol pergunta,
pensativo: 'Estrelas?'
'Sim' - repete a formiga-,
'vi as estrelas,
subi na árvore mais alta
que existe na alameda
e vi milhares de olhos
dentro de minhas trevas.'
E o caracol pergunta:
'Mas o que são as estrelas?'
'São luzes que levamos
sobre nossa cabeça'.
'Nós não as vemos',
as formigas comentam.
E o caracol: 'Minha vista
só alcança as ervas'.
E as formigas exclamam,
movendo as suas antenas:
'Matar-te-emos, és
perguiçosa e perversa.
O trabalho é a tua lei'.
'Eu vi as estrelas',
diz a formiga ferida.
E o caracol sentencia:
'Deixai-a ir,
continuai as vossas tarefas.
É possível que, muito em breve,
já rendida, morra'.
Pelo ar dulcífico,
cruzou uma abelha.
A formiga, agonizando,
cheira a tarde imensa,
e diz: 'É a que vem
levar-me a uma estrela'.
As demais formiguinhas
fogem ao vê-la morta.
O caracol suspira
e aturdido se afasta
cheio de confusão
por causa do eterno. 'A senda
não tem fim' - exclama.
'Talvez às estrelas
se chegue por aqui.
Mas minha grande fraqueza
me impedirá de chegar.
Não pensemos mais nelas.'
Tudo estava brumoso
de sol débil e névoa.
Campanários longínquos
chamam gente à igreja,
e o caracol, pacífico
burguês da vereda,
aturdido e inquieto,
a paisagem contempla.
Tradução de William Agel de Mello.
Já faz algum tempo que procurava escrever algo que combinasse com essa gravura, mas não veio qualquer inspiração publicável. Foi então que decidi reproduzir esse poema de Federico García Lorca, escrito em dezembro de 1918, em Granada, Espanha. E para me despedir, deixo a pergunta: se contássemos a uma lagartixa que desconhece a sua verdadeira natureza que, após a fase do casulo, o milagre da vida a transformará em borboleta, permitindo que de seu chão rastejante alcance a liberdade de voar aos quatro ventos, será que ela acreditaria?
*Na edição que tenho da tradução feita por William Agel de Mello foi mantida a palavra mana, que em espanhol corresponde à terceira pessoa do singular do verbo manar, brotar de uma parte um líquido. Por isso, preferi a alteração para emana.
O poema, em sua versão original, em espanhol, encontra-se no comentário a esse post.
terça-feira, julho 24, 2007
Céu de úmidas cinzas.
Uma época eu fui,
Uma época* eu era.
Hoje sou efeito,
Um momento de quimera.
As palavras se perderam do meu olhar.
Livro cansado, de tantas vezes,
Tantas foram as vezes,
Que'm busca de mim, pus-me a folhear.
Eu era uma vez,
E o momento se desfez.
E que hoje, sem mudez,
Minha história eu mude de vez.
*Geralmente, após o período de elaboração, não gosto de mudar minhas rimas. Mas aqui deu vontade de fornecer uma outra alternativa: Um tempo eu era.
sexta-feira, julho 20, 2007
Minisutras
"Cada um deve dar conta de si mesmo.
Segundo esta matemática invariável do universo,
dando a cada um sua medida,
conforme seus atos, suas palavras e seus pensamentos.
Esta lei exata, implacável e imutável, vigia eternamente,
e faz com que todos os futuros sejam frutos do passado".
"Produzem-se as COMPOSIÇÕES.
Condicionada pelas COMPOSIÇÕES,
Produz-se a CONSCIÊNCIA.
Condicionados pela CONSCIÊNCIA,
Produz-se o NOME e a FORMA.
Condicionados pelo NOME e a FORMA,
Produzem-se os CINCO DOMÍNIOS SENSORIAIS.
Condicionado pelos CINCO DOMÍNIOS SENSORIAIS,
Produz-se o CONTACTO.
Condicionada pelo CONTACTO,
Produz-se a SENSAÇÃO.
Condicionada pela SENSAÇÃO,
Produz-se a SEDE.
Condicionada pela SEDE,
Produz-se a APROPRIAÇÃO.
Condicionada pela APROPRIAÇÃO,
Produz-se a EXISTÊNCIA.
Condicionada pela EXISTÊNCIA,
Produz-se a NASCENÇA.
Condicionados pela NASCENÇA,
Produz-se a VELHICE e a MORTE,
os DESGOSTOS, as LAMENTAÇÕES,
os SOFRIMENTOS e os TORMENTOS.
Tal é a origem do conjunto de todas as dores"*.
'Há um não-nascido, um não-produzido, um não-feito, um não-condicionado: se não houvesse um não-nascido, não haveria saída para aquilo que é nascido; mas como há um não-nascido, há saída para aquilo que é nascido, produzido, feito, condicionado (Udana, VIII, 3,80; Itivuttaka, 37; Udánavarga, Bechk, XXVI, 21/24).
*Fragmentos do Tripitaka, que pode ser traduzido como os três cestos, é conhecido como o Cânon Páli,a primeira forma escrita dos ensinamentos do Buda, registrados em uma língua semelhante à que ele falava.
Para quem se interessar em ler o comentário que anexei a esse post, com o título 'A verdade sobre o Nirvana', compartilho um pouco do que instiga em mim a reflexão. Foi a psicanálise quem primeiramente me trouxe a idéia de que é preciso ter para ser e não ser para ter. Lógica que se assemelha ao fragmento do sutra que nos fala da sede de apropriação para que haja existência. E assim há o nascimento, mas um nascimento já apegado, sedento. E a consciência, dentro dessa ótica, notem, é prévia ao nome, à forma, à existência, ao nascimento.
E o que sempre pensei disso tudo: que há um caminho onde a busca do ser começa quando a busca do ter acena que ter não é tudo.
E eis o que basta por hora. Prosseguir na dicotomia aproximação/distanciamento entre tais óticas é tarefa que se mostra impossível para o meu aqui e agora.
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ilustração retirada de www.allposters.com,
Mae Chan,
Mark Standen,
Thailand
segunda-feira, julho 16, 2007
Minha Poesia
Minha poesia...
É canha, é às avessas.
É a mão esquerda,
É cachaça d'aguardente.
Desce queimando garganta adentro,
Inebriante e viciante.
É estro, é inspiração.
Poética,
É desejo sexual.
Latejante,
Espasma a razão,
A desdizê-la,
Por ímpetos e'moção.
sexta-feira, julho 13, 2007
Verso Estrilado
É uma dor intermitente,
Faz-se lembrar latente.
Queima a cadeira do coração,
E a razão a procurar razão.
Desnuda-se canha,
Entre vieses entrecortados -
A isso não sei quem há acordado,
Essa tal relação.
O pensar com emoção
É - para espasmos não há razão,
Destra presciência.
E tal estro estrilado,
Dum certame dardejante,
Atesta resiliência.
"O grilo possui uma longa antena, órgãos auditivos nas asas anteriores.
Os machos produzem sons chamados de estrilar para atrair a fêmea. O som é produzido pelo atrito dos pêlos que se encontram nas suas asas. Normalmente o estrilado do grilo é intenso para atrair a fêmea e se torna mais suave quando inicia o processo de cortejo. As fêmeas possuem um órgão ovopositor característico. Eles cavam até meio metro de profundidade para uma habitação circular aonde o macho vai para cantar. O grilo é um inseto de hábito noturno que costuma cantar. Diz o folclore brasileiro que quando se acha um grilo cantando em casa, não pode espantá-lo, pois o canto do grilo em casa significa dinheiro e sorte".(http://www.brasilescola.com/animais/grilo.htm).
Por isso, nada melhor do que versos estrilados para uma sexta-feira treze!
segunda-feira, julho 09, 2007
O amor dos encarrilhados
Há mais de um ano que estou para reproduzir aqui um trecho de uma entrevista publicada na Revista Seleções (Reader's Digest), edição de setembro de 2005, pág.109/111.
Trata-se de um texto escrito por Helena de Bertodano, onde relata o seu encontro com Kim Peek, o verdadeiro Raiman, como diz a chamada da reportagem, cujo trecho que aqui importa abaixo reproduzo:
"O papel ganhador do Oscar interpretado por Dustin Hoffman em 1988, sobre um autista superdotado com impressionantes habilidades matemáticas, é baseado em Kim Peek (entre outros), embora Kim não seja autista, mas uma pessoa com transtorno do desenvolvimento. A maioria dos superdotados domina até três áreas do conhecimento humano. Kim é megadotado, porque domina pelo menos 15 áreas diferentes.
Não se sabe de ninguém no mundo que tenha um cérebro tão extraordinário quanto o de Kim Peek. A NASA tem esperanaçs de utilizar os modernos avanços na captação de imagens e nas técnicas de fusão de dados como meio para desvendar o funcinamento do cérebro de Kim.
Pergunto a ele o que acha dessa idéia. 'É a melhor de todas', responde enigmaticamente. Pergunto também por que ele sabe tanto. ' Tenho um grande amor por todas as pessoas que vejo'. É difícil manter uma conversa com Kim. Sua mente pula de um assunto para outro com uma rapidez supreendente - com Fran (o pai) sempre tentando colocá-lo de volta aos trilhos".
O que mais me chamou a atenção quando li esse texto foi exatamente a colocação que se seguiu à resposta de Kim, quando justificou o seu extraordinário dom de armazenar conhecimento à sua capacidade de amar. A perplexidade da entrevistadora frente à verdade de Kim é imediata: é difícil manter uma conversa com Kim, diz ela, encontrando respaldo na sua aflição ao afirmar que também o pai busca trazê-lo de volta aos trilhos.
Eis aqui, então, o meu convite à reflexão: de onde vem a dificuldade nessa comunicação?
Se esse desafio instigar ao leitor, veja no comentário desse post o texto entitulado 'Os Normalpatas' (www.hottopos.com/mirand4/normalpa.htm.). E adiantando-me aos meus queridos amigos, que se bem conheço vão torcer o nariz para demonstrar que coisas complicadas como as ditas nesse artigo não são convidativas à leitura, dou, aqui, a minha conclusão particular, o efeito desse dito em mim.
A minha percepção assoprou em meus ouvidos a compaixão. O louco agride, mas apenas para assegurar-se da capacidade de compaixão daqueles que se propõem a amá-lo. A sua dor é tamanha, que é preciso amor demais, um doar-se sem limites, para amar os 'loucos' verdadeiramente. É preciso admitir-se louco antes, perder o medo de perder-se, ir além da aparência de si mesmo para encontrar aquele que 'preferiu' - conformando-se às suas condições singulares, ficar aquém do bem e do mal. Ou seja: só quem se permite ir além do seu próprio bem ou mal pode apreender que, às vezes, o insuportável da vida é o que suporta veladamente essa mesma vida.
E eis que encontramos inúmeros relatos que nos dão conta da personalidade gentil de Kim Peek, ao mesmo tempo em que se sabe que a formação de seu cérebro distingue-se dos demais por não haver divisão entre hemisfério direito e esquerdo, de forma que essa aparente 'anormalidade' nos acena que uma das portas de entrada para acessar a vasta capacidade de nosso cérebro, inerte no padrão da nossa atual generalidade, pode ser justo o cessar do divisor d'águas dos universos direito & esquerdo. O que me remete às divindades hindus/budistas, onde comumente se vê a representação do masculino e feminino em um mesmo ser divino.
A seguir, alguns retalhos a mais, para compor esta colcha, retirados de www.amigosdosautistas.zip.net, blog desativado, ao que parece, em 2004, mas que traz comentários que contribuem para esse pensar.
"O MITO: Os autistas gostam de ficar sozinhos.
A VERDADE: os autistas gostam de estar com os outros, principalmente se sentir-se bem com as pessoas, mesmo que não participem, gostam de estar perto dos outros.Podem as vezes estranhar quando o barulho for excessivo, ou gritar em sinal de satisfação, quando seus gritos não são compreendidos, muitas vezes pensamos que não estão gostando.Tente interpretar seus gritos. (Fonte:www.maoamigaong.trix.net/mitoseverdades.htm)
"DIFICULDADE DE RECONHECER VOZ ESTÁ NO CÉREBRO DO AUTISTA, DIZ ESTUDO".
Um estudo publicado na revista científica "Nature Neuroscience", edição de agosto, revela uma incapacidade dos autistas em ativar as zonas do cérebro responsáveis pelo reconhecimento da voz, o que pode explicar parte das dificuldades que os autistas apresentam em se relacionar com o mundo exterior. Uma ou duas crianças em cada mil têm probabilidades de nascer com autismo.
Para identificar as bases cerebrais desta doença, os investigadores recorreram a imagens obtidas por ressonância magnética funcional.
A voz é um estímulo auditivo rico em informação sobre a identidade e o estado emocional do interlocutor, e desempenham um papel crucial nas nossas interações sociais.
Os cientistas registraram a atividade cerebral de cinco autistas adultos e de oito voluntários sãos enquanto ouviam seqüências de sons de vozes humanas (palavras, choros, risos ou cantos) e outros barulhos (animais, sinos, instrumentos musicais ou carros).
Nos autistas, as regiões do cérebro ativadas são exatamente as mesmas para vozes humanas e outros sons. "Os resultados revelam nos autistas uma ausência de ativação da área específica da percepção da voz", dizem os pesquisadores.
Além disso, questionados sobre o que haviam entendido durante o exame, os autistas reconheceram apenas 8,5% dos sons como voz humana --contra 51,2% do restante dos indivíduos--, confirmando sua fraca capacidade de reconhecimento de voz.
Uma pesquisa anteriormente realizada revelou nos autistas uma disfunção semelhante no reconhecimento de rostos.
"Estas anomalias do tratamento da voz e dos rostos sugerem que as dificuldades dos autistas em compreender o estado emocional dos outros e em interagir com eles poderão estar ligadas a uma deficiência na percepção dos estímulos sociais", concluíram os cientistas.
Essas novas descobertas permitirão a elaboração de estratégias de reeducação.
A pesquisa foi realizada em Orsay (França) pela equipe de Monica Zilbovicius, do Instituto Francês da Pesquisa e da Saúde) em colaboração com a Universidade de Montreal (Canadá).
- Aqui, permito-me o parênteses para dizer que trago a informação do estudo realizado acerca da capacidade auditiva dos autistas, reservando-me, porém, a parcimônia quanto a aderir à conclusão de que os autistas possuem deficiência na percepção dos estímulos sociais. Do pouco que já ouvi acerca dos que convivem de alguma forma com autistas, as notícias da surpreendente capacidade que possuem de 'atravessar a alma, nas raras vezes em que fixam o olhar com seu interlocutor', bem como 'de antever algumas situações e até mesmo profetizar coisas a acontecer', somadas aos impressionantes dons demonstrados pelos denominados savans, são elementos que me permitem pensar em uma porta de entrada que nos convida a trilhar por um caminho que pode levar a uma nova percepção do que hoje se concebe como 'normalidade'.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u12308.shtml"
E se quiser saber um pouco mais sobre Kim Peek, dê uma olhada nos endereços:
http://216.239.51.104/search?q=cache:TCwimU5XcOkJ:ciberia.aeiou.pt/gen.pl%3Fp%3Dstories%26op%3Dview%26fokey%3Did.stories/659+Kim+Peek&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=3&gl=br&lr=lang_pt
www.wisconsinmedicalsociety.org/savant/kimpeek.cfm
http://216.239.51.104/search?q=cache:R6RRNQ6d1ZYJ:sl4.org/archive/0503/11043.html+Kim+Peek+Nasa&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=14&gl=br
en.wikipedia.org/wiki/Kim_Peek
quarta-feira, junho 27, 2007
Song for Birth Friends
Sounds of your birthday
Sings on me your poetry:
To show you how great,
It looks me your grace.
CWB, 26.06.2007.
Sings on me your poetry:
To show you how great,
It looks me your grace.
CWB, 26.06.2007.
segunda-feira, junho 25, 2007
Miramar, um convite à travessia.
Quero a ti,
Em versos decantar.
Fluir-me daqui,
Em riachos desaguar.
Imolei-me em altar,
Chameio-o miramar.
Mirei-me ao mar,
Para a ti entoar.
Vidas a conjugar,
Ele veio e eu também veio*.
Tu veias, nós veiamos,
Todos viam, convenhamos.
Nossas veias desembocar,
Em ondas pelo mar.
Tua poesia a me adentrar,
Minha foz acalentar.
*concessão poética para verbalizar, tornar verbo, a vida que corre em veias, a imensidão do mar de emoções que pulsa em nós.
Vitória-Régia
Rio sem sentido,
Riso sentido.
Lágrimas de chuva,
Meu leito inundam.
Eternamente tal fél,
Ser cova, abandonada.
Indigente, como a mim
Fora indiferente.
Para ti, morri.
Será um dia,
Em ti vivi?
Sepultaste-me em esquecimento.
Regou-me um céu d'acalento.
Floriu em mim contentamento.
terça-feira, junho 19, 2007
É sempre Presente.
De olhar em olhar,
Do que vivi, ao voltar,
Amigos - os verdadeiros,
Parecem sempre os mesmos.
Nestes instantes de memória,
Não há passado,
Sequer eu fui.
É como se a ternura do olhar,
Pudesse todo o Universo encerrar:
É sempre presente, no vórtice do coração.
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ilustração 'Momenti di Felicità',
por Rosina Wachtmeister
quarta-feira, junho 13, 2007
Capoeira Up Down Load
Sempre que insistes em me embaralhar,
Capo a poeira pro ar.
Tal ao se alevantar,
Torna-te à visão embaçar.
Faz o equívoco cegar,
E ouvir o coração falar.
Capo a poeira pro ar.
Tal ao se alevantar,
Torna-te à visão embaçar.
Faz o equívoco cegar,
E ouvir o coração falar.
terça-feira, junho 12, 2007
Casa para Morar
segunda-feira, junho 11, 2007
Os Dervixes Rodopiantes do Sufismo.
Nascido no Oriente Médio no século no século VIII, o pensamento sufi hoje se encontra difundido pelos quatro cantos do planeta. Um exemplo é a Indonésia, a mais populosa nação muçulmana do mundo, onde o Islã foi introduzido através das ordens sufis. Entende-se por sufismo um amplo grupo de correntes e práticas. As ordens sufis (Tariqas) podem estar associadas ao islã sunita, xiita ou uma combinação de várias correntes. Para alguns autores o termo é oriundo da palavra ‘suf’, que significa lã. Acredita-se que os primeiros praticantes desta vertente do islamismo tinham por hábito vestir-se com lã como forma de demonstrar simplicidade, uma provável influência dos ascetas cristãos da Síria e da Palestina. Nos tempos pré-islâmicos, a lã também possuía uma conotação espiritual. Há controvérsias, porém, pois alguns estudiosos acreditam que a origem desta palavra encontra-se na palavra árabe ‘safa’ (pureza).
Conhecido como o lado místico do Islã, o sufismo é uma filosofia de autoconhecimento e contato com o divino através de práticas meditativas, reclusão, danças, poesia e música. Através de uma união mística, os sufis acreditam que podem conectar-se com Deus, que é bom e amoroso. Por este conceito divino foram, muitas vezes, acusados de blasfêmia e perseguidos pelos próprios muçulmanos, pois contrariavam a idéia de um Deus severo, a quem a humanidade deveria se submeter. Um dos maiores seguidores na história do sufismo, Hallad, foi executado por dizer que Deus passara a morar dentro dele, pois havia atingido a total união e harmonia com Ele. Cerca de um século e meio depois, o persa Ghazali, um dos mais respeitados pensadores do mundo e seguidor sufi, disseminava a idéia de que a verdade mística não pode ser aprendida, mas sim experimentada por meio do êxtase.
Para os sufis a origem histórica da sua religiosidade pode ser encontrada nas práticas meditativas do profeta Maomé. Este tinha por hábito refugiar-se nas cavernas das montanhas de Meca onde se dedicava à meditação e ao jejum. Foi durante um desses retiros que Maomé recebeu a visita do anjo Gabriel, que lhe comunicou a primeira revelação de Deus. Entretanto, o ideal do sufismo era ascético, pois acreditavam que Jesus era tão importante quanto Maomé, e o Alcorão tão essencial quanto a Bíblia ou a Torá judaica.
A substância do sufismo é a verdade divina, e seus seguidores a procuram com amor e devoção, através de práticas místicas que conduzem ao Criador. Em seu caminho, buscam eliminar qualquer intermediário entre o indivíduo e Deus. A meta maior é atuar como uma extensão de Deus, não como uma barreira.
Atualmente, muitos praticantes do sufismo o consideram além da esfera do Islã, portanto podendo ser praticado independentemente da religião.
Mavlevi: No Museu Mevlana em Konya, Turquia, devixes rodopiantes realizam seus rituais místicos. Esta ordem deve o seu nome ao poeta Jalai al-Din Rumi, chamado Mevlana em turco (século XIII). Geograficamente, encontra-se circunscrita à atual Turquia e aos Bálcãs. Em suas práticas ‘drikr’, a música e a dança têm um papel preponderante. O exercício de meditação da ordem, denominado ‘sema’, envolve a recitação de orações e hinos, após os quais os participantes realizam voltas à sala, numa dança em que abrem os braços à altura dos ombros, com a palma da mão baixo. No Ocidente, conhecemos essa ordem como a dos ‘dervixes rodopiantes’.
Chishti: Batizada assim devido à Khaja Mu’in al-Din Chisti, que embora afegão, radicou-se na Índia, onde ensinou um grande número de discípulos. Estes discípulos, por sua vez, criaram centros por todo o subcontinente indiano através dos quais difundiram os ensinamentos de Chishti. O ‘drikr’ (forma de meditação) característico desta ordem é um tipo de interpretação musical chamado qawwali, no qual um grupo de músicos entoa cantos religiosos num ritmo sincopado.
Naqshbandi: Muito difundida no mundo islâmico, esta ordem é assim batizada em homenagem a Baha al-Din Naqshbandi, um erudito sufi natural do Uzbequistão. Não consideram essencial retirar-se da sociedade (ao contrário das outras ordens). Muitos membros desta ordem desempenham um importante papel de assistência social em países islâmicos. Consideram como fundamentais oito princípios: ter consciência da respiração, ver por onde se caminha, viajar interiormente, experimentar a solidão no meio da sociedade humana, a recordação, o refrear dos pensamentos, o controle dos pensamentos e a concentração no Divino.
Matéria retirada da Revista 'Medalhão Persa', págs. 17/18, Ano 3, Edição 20-2007.
Conhecido como o lado místico do Islã, o sufismo é uma filosofia de autoconhecimento e contato com o divino através de práticas meditativas, reclusão, danças, poesia e música. Através de uma união mística, os sufis acreditam que podem conectar-se com Deus, que é bom e amoroso. Por este conceito divino foram, muitas vezes, acusados de blasfêmia e perseguidos pelos próprios muçulmanos, pois contrariavam a idéia de um Deus severo, a quem a humanidade deveria se submeter. Um dos maiores seguidores na história do sufismo, Hallad, foi executado por dizer que Deus passara a morar dentro dele, pois havia atingido a total união e harmonia com Ele. Cerca de um século e meio depois, o persa Ghazali, um dos mais respeitados pensadores do mundo e seguidor sufi, disseminava a idéia de que a verdade mística não pode ser aprendida, mas sim experimentada por meio do êxtase.
Para os sufis a origem histórica da sua religiosidade pode ser encontrada nas práticas meditativas do profeta Maomé. Este tinha por hábito refugiar-se nas cavernas das montanhas de Meca onde se dedicava à meditação e ao jejum. Foi durante um desses retiros que Maomé recebeu a visita do anjo Gabriel, que lhe comunicou a primeira revelação de Deus. Entretanto, o ideal do sufismo era ascético, pois acreditavam que Jesus era tão importante quanto Maomé, e o Alcorão tão essencial quanto a Bíblia ou a Torá judaica.
A substância do sufismo é a verdade divina, e seus seguidores a procuram com amor e devoção, através de práticas místicas que conduzem ao Criador. Em seu caminho, buscam eliminar qualquer intermediário entre o indivíduo e Deus. A meta maior é atuar como uma extensão de Deus, não como uma barreira.
Atualmente, muitos praticantes do sufismo o consideram além da esfera do Islã, portanto podendo ser praticado independentemente da religião.
Mavlevi: No Museu Mevlana em Konya, Turquia, devixes rodopiantes realizam seus rituais místicos. Esta ordem deve o seu nome ao poeta Jalai al-Din Rumi, chamado Mevlana em turco (século XIII). Geograficamente, encontra-se circunscrita à atual Turquia e aos Bálcãs. Em suas práticas ‘drikr’, a música e a dança têm um papel preponderante. O exercício de meditação da ordem, denominado ‘sema’, envolve a recitação de orações e hinos, após os quais os participantes realizam voltas à sala, numa dança em que abrem os braços à altura dos ombros, com a palma da mão baixo. No Ocidente, conhecemos essa ordem como a dos ‘dervixes rodopiantes’.
Chishti: Batizada assim devido à Khaja Mu’in al-Din Chisti, que embora afegão, radicou-se na Índia, onde ensinou um grande número de discípulos. Estes discípulos, por sua vez, criaram centros por todo o subcontinente indiano através dos quais difundiram os ensinamentos de Chishti. O ‘drikr’ (forma de meditação) característico desta ordem é um tipo de interpretação musical chamado qawwali, no qual um grupo de músicos entoa cantos religiosos num ritmo sincopado.
Naqshbandi: Muito difundida no mundo islâmico, esta ordem é assim batizada em homenagem a Baha al-Din Naqshbandi, um erudito sufi natural do Uzbequistão. Não consideram essencial retirar-se da sociedade (ao contrário das outras ordens). Muitos membros desta ordem desempenham um importante papel de assistência social em países islâmicos. Consideram como fundamentais oito princípios: ter consciência da respiração, ver por onde se caminha, viajar interiormente, experimentar a solidão no meio da sociedade humana, a recordação, o refrear dos pensamentos, o controle dos pensamentos e a concentração no Divino.
Matéria retirada da Revista 'Medalhão Persa', págs. 17/18, Ano 3, Edição 20-2007.
segunda-feira, maio 28, 2007
Lumiére
Chanson de
Lumiére et
Amoureuse,
Unique et
Divine! Ton
Incommeusurable comme
Aiguail.
Précieuse... Ton
Ruisseau plein d'
Enchantemient
Vif,
Immense ton
Destin,
Infini comme
Merveille! L'
Or absolu du
Toujours,
Toujours,
Aimable comme brise!...
Lumiére et
Amoureuse,
Unique et
Divine! Ton
Incommeusurable comme
Aiguail.
Précieuse... Ton
Ruisseau plein d'
Enchantemient
Vif,
Immense ton
Destin,
Infini comme
Merveille! L'
Or absolu du
Toujours,
Toujours,
Aimable comme brise!...
domingo, maio 27, 2007
terça-feira, maio 22, 2007
Epitáfio em Sol Maior
Quiçá só,
Nem ao fim!
Pois lá, sem dó,
Fez sol em mim!
Mas se preferir à oriental, fique com um Haikai Póstumo, no post a seguir.
segunda-feira, maio 21, 2007
Sinfonia em Mim Maior.
Ora sem dó menor,
Esse sentir estar pó.
Horas as quero melhor,
Por conta d'um viver só.
Interroguei como a ti soava,
Em fá, em lá ou em si?
E demorou-se o silêncio
Que me destoava.
Recolhida em mim,
Ouvi, escondida,
Na minha pergunta a tua resposta.
Afinada em si,
Me dizias à tua finada,
Enquanto te respondia só ao fim.
Esse sentir estar pó.
Horas as quero melhor,
Por conta d'um viver só.
Interroguei como a ti soava,
Em fá, em lá ou em si?
E demorou-se o silêncio
Que me destoava.
Recolhida em mim,
Ouvi, escondida,
Na minha pergunta a tua resposta.
Afinada em si,
Me dizias à tua finada,
Enquanto te respondia só ao fim.
segunda-feira, maio 14, 2007
Pata-Pia & Pato-Pio, Patas-Fias & Pato-Fio.
Às vezes me flagro a brincar.
Entretida, me ponho em retroprojetor.
Minhas vidas a telespectar,
As revejo ao vivo e em cor.
Tem horas para a dor
E também cânticos e amor.
Prefiro a fé entoada,
A meras ladainhas desalmadas.
Ecológicas,
Só por em mantras papagaiadas?
Se me repito é por amor.
Oras sem dó menor,
Componho e me recomponho,
Nessa ária que desvaira.
Às vezes Ave,
Às vezes Maria,
Mas é Ela, sempre Ela,
Esse amor que paira em mim.
II
Ao me imaginar Ave,
Pouso de mansinho sobre o torvelino.
Umbigo abaixo, parece ninho.
Bato asas, repouso em mim,
Ao som de um mar sem fim.
Quando virá o meu Delfim?
III
Relembro o caminhar,
Manhã familiar.
O vento sopra,
Deslizando por d'entre galhos.
Eis aqui o farfalhar!
Escute bem, minha filha, o desprendimento.
Das folhas, o despertar!
* O título Pato-Pio & Cia. Ltda. foi inspirado no nome sugerido por minha mãe ao meu mais recente bichinho de estimação, que na hora certa virá até aqui para ilustrar esse post, certamente sob o farfalhar. E diante da referência familiar, acrescentei duas fias e um fio, pois lá em casa os filhos são três. Fio, uma referência à intimidade da brasilidade dos que chamam seus filhos de meu fio, minha fia, mesmo depois de cortado o umbilical.
* Delfim, sinônimo para golfinho, aqui foi utilizado na seguinte acepção: "Tem uma visão muito aguda e acompanha os navios em duplas dando saltos tão sincronizados que parecem ser um só. O golfinho (delfim), por sua comunicação é um dos símbolos do amor." E justo por isso, o nome foi tradicionalmente dado aos filhos primogênitos, na França, como símbolo do milagre do amor, que nos dá a vida: essa, a herança de todos nós.
at: diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=355797
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ilusração 'Duckling under Water' Kikki Hart
sexta-feira, abril 20, 2007
BIRUTA D'EIXO
quarta-feira, abril 04, 2007
A saída antropofágica da poesia
Foi Oswald de Andrade quem escreveu e, a partir daí, inaugurou o que se conhece por movimento antropofágico. Os comentários virão na oportuna reatualização do post. Por hora, apenas instigo o leitor com o nome do post: 'A saída antropofágica da poesia'. Um título, como sempre gosto de dizer, fala por si só. Então, eu nos pergunto, todo o resto está fadado à complicação?
"Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.
Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.
Tupi, or not tupi that is the question.
Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.
Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psicologia impressa.
O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema americano informará.
Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da cobra grande.
Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil.
Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.
Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida. E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar.
Queremos a Revolução Caraiba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem n6s a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem.
A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as girls.
Filiação. O contato com o Brasil Caraíba. Ori Villegaignon print terre. Montaig-ne. O homem natural. Rousseau. Da Revolução Francesa ao Romantismo, à Revolução Bolchevista, à Revolução Surrealista e ao bárbaro tecnizado de Keyserling. Caminhamos..
Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.
Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.
Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei-analfabeto dissera-lhe : ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia.
O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo. O antropomorfismo. Necessidade da vacina antropofágica. Para o equilíbrio contra as religiões de meridiano. E as inquisições exteriores.
Só podemos atender ao mundo orecular.
Tínhamos a justiça codificação da vingança. A ciência codificação da Magia. Antropofagia. A transformação permanente do Tabu em totem.
Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que é dinâmico. O indivíduo vitima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças românticas. E o esquecimento das conquistas interiores.
Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.
O instinto Caraíba.
Morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do eu. Subsistência. Conhecimento. Antropofagia.
Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo.
Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses.
Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro.
Catiti Catiti
Imara Notiá
Notiá Imara
Ipeju*
A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos, dos bens morais, dos bens dignários. E sabíamos transpor o mistério e a morte com o auxílio de algumas formas gramaticais.
Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comia.
Só não há determinismo onde há mistério. Mas que temos nós com isso?
Contra as histórias do homem que começam no Cabo Finisterra. O mundo não datado. Não rubricado. Sem Napoleão. Sem César.
A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. Só a maquinaria. E os transfusores de sangue.
Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas.
Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade de um antropófago, o Visconde de Cairu: – É mentira muitas vezes repetida.
Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti.
Se Deus é a consciênda do Universo Incriado, Guaraci é a mãe dos viventes. Jaci é a mãe dos vegetais.
Não tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação. Tínhamos Política que é a ciência da distribuição. E um sistema social-planetário.
As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses urbanas. Contra os Conservatórios e o tédio especulativo.
De William James e Voronoff. A transfiguração do Tabu em totem. Antropofagia.
O pater famílias e a criação da Moral da Cegonha: Ignorância real das coisas+ fala de imaginação + sentimento de autoridade ante a prole curiosa.
É preciso partir de um profundo ateísmo para se chegar à idéia de Deus. Mas a caraíba não precisava. Porque tinha Guaraci.
O objetivo criado reage com os Anjos da Queda. Depois Moisés divaga. Que temos nós com isso?
Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade.
Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio de Mariz.
A alegria é a prova dos nove.
No matriarcado de Pindorama.
Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada.
Somos concretistas. As idéias tomam conta, reagem, queimam gente nas praças públicas. Suprimarnos as idéias e as outras paralisias. Pelos roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas.
Contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte de D. João VI.
A alegria é a prova dos nove.
A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela contradição permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e o modusvivendi capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem. A humana aventura. A terrena finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males identificados por Freud, males catequistas. O que se dá não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.
Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João Ramalho fundador de São Paulo.
A nossa independência ainda não foi proclamada. Frape típica de D. João VI: – Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte.
Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama."
OSWALD DE ANDRADE Em Piratininga Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha." (Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928.)
* "Lua Nova, ó Lua Nova, assopra em Fulano lembranças de mim", in O Selvagem, de Couto Magalhães
Oswald de Andrade alude ironicamente a um episódio da história do Brasil: o naufrágio do navio em que viajava um bispo português, seguido da morte do mesmo bispo, devorado por índios antropófagos.
"Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.
Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.
Tupi, or not tupi that is the question.
Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.
Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psicologia impressa.
O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema americano informará.
Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da cobra grande.
Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil.
Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.
Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida. E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar.
Queremos a Revolução Caraiba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem n6s a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem.
A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as girls.
Filiação. O contato com o Brasil Caraíba. Ori Villegaignon print terre. Montaig-ne. O homem natural. Rousseau. Da Revolução Francesa ao Romantismo, à Revolução Bolchevista, à Revolução Surrealista e ao bárbaro tecnizado de Keyserling. Caminhamos..
Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.
Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.
Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei-analfabeto dissera-lhe : ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia.
O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo. O antropomorfismo. Necessidade da vacina antropofágica. Para o equilíbrio contra as religiões de meridiano. E as inquisições exteriores.
Só podemos atender ao mundo orecular.
Tínhamos a justiça codificação da vingança. A ciência codificação da Magia. Antropofagia. A transformação permanente do Tabu em totem.
Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que é dinâmico. O indivíduo vitima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças românticas. E o esquecimento das conquistas interiores.
Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.
O instinto Caraíba.
Morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do eu. Subsistência. Conhecimento. Antropofagia.
Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo.
Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses.
Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro.
Catiti Catiti
Imara Notiá
Notiá Imara
Ipeju*
A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos, dos bens morais, dos bens dignários. E sabíamos transpor o mistério e a morte com o auxílio de algumas formas gramaticais.
Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comia.
Só não há determinismo onde há mistério. Mas que temos nós com isso?
Contra as histórias do homem que começam no Cabo Finisterra. O mundo não datado. Não rubricado. Sem Napoleão. Sem César.
A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. Só a maquinaria. E os transfusores de sangue.
Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas.
Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade de um antropófago, o Visconde de Cairu: – É mentira muitas vezes repetida.
Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti.
Se Deus é a consciênda do Universo Incriado, Guaraci é a mãe dos viventes. Jaci é a mãe dos vegetais.
Não tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação. Tínhamos Política que é a ciência da distribuição. E um sistema social-planetário.
As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses urbanas. Contra os Conservatórios e o tédio especulativo.
De William James e Voronoff. A transfiguração do Tabu em totem. Antropofagia.
O pater famílias e a criação da Moral da Cegonha: Ignorância real das coisas+ fala de imaginação + sentimento de autoridade ante a prole curiosa.
É preciso partir de um profundo ateísmo para se chegar à idéia de Deus. Mas a caraíba não precisava. Porque tinha Guaraci.
O objetivo criado reage com os Anjos da Queda. Depois Moisés divaga. Que temos nós com isso?
Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade.
Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio de Mariz.
A alegria é a prova dos nove.
No matriarcado de Pindorama.
Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada.
Somos concretistas. As idéias tomam conta, reagem, queimam gente nas praças públicas. Suprimarnos as idéias e as outras paralisias. Pelos roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas.
Contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte de D. João VI.
A alegria é a prova dos nove.
A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela contradição permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e o modusvivendi capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem. A humana aventura. A terrena finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males identificados por Freud, males catequistas. O que se dá não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.
Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João Ramalho fundador de São Paulo.
A nossa independência ainda não foi proclamada. Frape típica de D. João VI: – Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte.
Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama."
OSWALD DE ANDRADE Em Piratininga Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha." (Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928.)
* "Lua Nova, ó Lua Nova, assopra em Fulano lembranças de mim", in O Selvagem, de Couto Magalhães
Oswald de Andrade alude ironicamente a um episódio da história do Brasil: o naufrágio do navio em que viajava um bispo português, seguido da morte do mesmo bispo, devorado por índios antropófagos.
Lamed Hey Pey, Vitória sobre meus Vícios
Lamed Hey Pey (*)
Da alegria exposta,
Brotam ciúmes intensos.
Minha tristeza é ignota
A olhares lânguidos.
Deslizando pela superfície
Da fascia que me retém,
A dor é descamuflada
Sob olhares cegos.
O corpo treme e grita:
Lamed Hey Pey!
Um abraço, por favor.
Um abraço, por favor.
Sem contorno eu me esvaio
Já não sou alguém.
E assim, como ninguém,
Sem contorno eu me descravo.
Vitória sobre meus vícios.
Lamed Hey Pey!
Lamed Hey Pey!
Sem eles agora eu vivo?
II
Lamed Hey Pey?
Não permitas à língua a traição!
Leia-me assim, bem devagar,
Ao contrário do primeiro instinto.
Passe-me os olhos,
A partir de trás.
Scaneie-me sim,
Vire-me, não me sacaneie assim!
Meu sentido é avesso
Da direita partem meus olhos.
Abandono erros
Na esperança de canhota retidão?
Persigo eu pura e simples ilusão?
Persegue-me sim funesta desilusão.
Espelho. Refletido. Vertido.
Rio. Suspiro. Vestido.
(*) Lamed Hey Pey é a transliteração do hebraico, cujos caracteres se lêem da direita para a esquerda. Dentro de uma visão cabalística, lendo-se da forma correta 'Pey Hey Lamed', a expressão pode ser traduzida como 'vitória sobre meus vícios'.
BSB, março/abril de 2005.
imagem em http://img157.imageshack.us/img157/3073/roadamareloel9.jpg
segunda-feira, abril 02, 2007
O princípio da legalidade para leigos - Parte II
Um certo silêncio depois, a curiosidade feminina resolveu personificar uma pergunta:
- Por que o silêncio?
- É que ando ocupado.
- Com o quê?
- Coisa séria.
- E como se chama essa coisa séria?
- Na verdade não é só uma coisa séria, são duas.
- Ah, por isso o silêncio foi mais demorado?
- Engraçadinha. Estou ocupado. Questão de patentes. E também de santidade.
- Como?
- Patentes, tenho que fazer uma defesa e preciso de mais detalhes técnicos.
- Putz, espero que você melhore rápido.
- Melhorar do quê? Do que você está falando ou já mudou de assunto de uma hora para outra como sempre, só para me enlouquecer?
- Não foi você quem disse que estava ocupado com uma patente? Ou será que eu não entendi direito?
- Bem, só conto se você prometer que não vai rir.
- Prometido, sempre prometido.
- Olha lá, não vale rir que não estou de bom humor!
- Por que você insiste sempre em duvidar, já não provei isso várias vezes, que mantenho a minha palavra?
- É que você me enlouquece falando para eu melhorar, justo quando uma das razões da minha ocupação se resume a uma diarréi@!
- Como?
- Questão de registro de marcas, de idéias, de patentes... duas pessoas brigando por conta de um domínio na internet grafado diarrei@. E para complicar ainda mais, meu cliente está prestes a concluir o desenvolvimento de um produto, que quer chamar justo de diarrei@.
- Depois eu é que faço confusão... quando você é que não sabe dar direito a explicação!
- Para evitar mais confusão, acho melhor voltar para o meu silêncio...
- Espera, só um pouquinho, já lembro de uma coisa importante que quero dizer para ajudar a esclarecer essa celeuma toda.
- Não me venha com asneiras.
- Lembrei! Li dia desses uma matéria na 'Superinteressante', sobre o inventor da Privada!
- Será que vou ter que repetir? Meu problema é de patente, não de privada...!!!!!!
- Escute: John Harington foi um sujeito que queria passar para a posteridade como um grande escritor, mas o destino revelou que o seu talento era mesmo ser um grande inventor. Ou quase isso. Lá pelos idos 1586, depois de cair em péssias graças com a Rainha Elizabeth I e perder o direito de frequentar o Castelo de Greenwich, perto de Londres, John resolveu mandar a rainha e seus súditos para as cucuias e foi viajar pela Europa! Passou dez anos dedicando-se aos encantos das moças da Côrte, italianas e austríacas em especial. De volta ao lar-uma propriedade rural, bem de família-, dedicou-se por um bom tempo ao pleno ócio e, distraindo-se na mesmice, começou a desenhar uma geringonça mecânica para a eliminação de dejetos humanos. Em dois ou três dias criou o primeiro modelo do que hoje se conhece por privada. Dizem que com essa engenhoca ele recuperou momentaneamente as graças da Rainha, mas não soube aproveitar a chance de voltar aos salões da nobreza. Já em suas primeiras reaparições à corte, declamou um poema satírico de sua autoria. Uma poesia que ironizava impiedosamente não só os nobres, mas também a própria realeza em pessoa, nas partes que aludia à sua rotina de evacuação intestinal. Foi o fim do seu projeto de ascenção social. Porém houve um fruto: a invenção da privada lhe rendeu o título de Sir, antes de recair no mau gosto da nobreza. Morreu em ostracismo aos 51 anos de idade, em 1616. Dizem alguns historiadores enfezados que atribuir-lhe a invenção é o mesmo que dizer que Leonardo da Vinci criou o helicóptero, pois foram apenas os pioneiros teóricos e o que importa é realizar com a teoria para se falar em patente! Essa, na realidade, só foi registrada por Alexander Cummings, no ano de 1775. Os ingleses, porém, renderam a devida homenagem ao primeiro inventor: afirmam muitos que a gíria John, eufemismo para privada, é uma justa reverência ao verdadeiro criador!
- Antes de ir-me, só quero fazer uma pergunta para a senhorita sabichona: por que falar com você dá sempre nisso?
- Nisso o quê?
- Nessa confusão toda, puta merda! Tchau!
- Ei, seu John, não vai embora assim. Faltou o Santo...
- Santo? Não vou dizer o nome do meu cliente, não insista. Sigilo profissional.
- Você disse que estava ocupado com patentes e santidade...
- Ah, isso? Estava escrevendo e fiquei na dúvida quando lia uma referência a Santo Tomás de Aquino. Não seria São Tomás de Aquino?
- A regra gramatical é clara: nomes de santo começados por consoante levam São e os iniciados por vogais levam Santo. E sei mais: sei também que essa regra tem uma exceção: ela não vale quando se trata de uma consoante não pronunciada (morta), como no caso de São Hilário.
- Isso aqui é que está ficando hilário, isso sim. E agora, será que até Santo está virando uma exceção?
- Li dia desses alguma coisa a respeito... espera aí... lembrei! Foi na "Veja", um tal de Reinaldo, se não me engano... Disse que não há nada de errado com Santo Tomás de Aquino, pois chamá-lo assim foi consagrado pelo uso e, justo por isso, deixou de ser errado para virar certo. Santo Tomás agora também faz parte da norma culta...
- Tem lógica, já que São é forma apocopada de Santo.
- E escrever por extenso não é pecado. Pode ser chato, mas não é errado para a língua culta...
- São Santo, dai-me paciência!
- Não entendi a sua graça. Explica?
- Agora não dá, antes preciso refletir sobre a expressão 'tende piedade, ela sabe o que faz?'
-Ela quem?
-Ela, ele, sei lá, o que importa afinal? O que importa é que quem saiba, saiba o que faz!
- Santo sempre sabe.
- Como você pode saber?
- Se é Santo sabe. E não só sabe, age de acordo com esse saber!
- Nem todas as biografias de Santos são assim tão repletas de santidades. Não a vida inteira. Teve muito santo que só foi santo depois de arrependido de suas próprias errâncias. Lembro bem das minhas aulas de catolicismo no colégio, quando era guri.
- Mas aí é outra coisa.
- Qual a coisa, ô dona Coisa?
- Eu não me chamo coisa e você sabe bem disso!
- Eu sei, se você não fosse uma mulherzinha metidinha a coisa sabichona, mas que no fundo tanto gosto, eu lhe dava agora um nó-de-gravata, de tanto que você consegue aporrinhar a minha santa paciência!
- Viu? Uma coisa é querer ser Santo, outra coisa é conseguir sê-lo...
- Mas isso é tão óbvio... Canso de você complicar coisas tão óbvias...
- Eu sei, mas o óbvio é o mais difícil de alcançar. E isso eu não sei porque direito ainda. Será que o sabichão sabe?
- Pelo menos você não me chamou de sai-bichão, tampouco sai-bichona, que alívio!
- Antes não fazia diferença alguma se era ela ou ele, mas agora o alívio depende dessa mesma tal diferença? E depois sou eu quem enlouquece você...
* Referências sobre a história da invenção da privada e o registro de sua patente foram retiradas de reportagem publicada na Revista Superinteressante, edição 237, março/2007, Editora Abril, pág. 50, texto por Álvaro Oppermann. A informação sobre a forma correta Santo Tomas de Aquino se encontra em nota da Revista Veja, Editora Abril, desta semana.
- Por que o silêncio?
- É que ando ocupado.
- Com o quê?
- Coisa séria.
- E como se chama essa coisa séria?
- Na verdade não é só uma coisa séria, são duas.
- Ah, por isso o silêncio foi mais demorado?
- Engraçadinha. Estou ocupado. Questão de patentes. E também de santidade.
- Como?
- Patentes, tenho que fazer uma defesa e preciso de mais detalhes técnicos.
- Putz, espero que você melhore rápido.
- Melhorar do quê? Do que você está falando ou já mudou de assunto de uma hora para outra como sempre, só para me enlouquecer?
- Não foi você quem disse que estava ocupado com uma patente? Ou será que eu não entendi direito?
- Bem, só conto se você prometer que não vai rir.
- Prometido, sempre prometido.
- Olha lá, não vale rir que não estou de bom humor!
- Por que você insiste sempre em duvidar, já não provei isso várias vezes, que mantenho a minha palavra?
- É que você me enlouquece falando para eu melhorar, justo quando uma das razões da minha ocupação se resume a uma diarréi@!
- Como?
- Questão de registro de marcas, de idéias, de patentes... duas pessoas brigando por conta de um domínio na internet grafado diarrei@. E para complicar ainda mais, meu cliente está prestes a concluir o desenvolvimento de um produto, que quer chamar justo de diarrei@.
- Depois eu é que faço confusão... quando você é que não sabe dar direito a explicação!
- Para evitar mais confusão, acho melhor voltar para o meu silêncio...
- Espera, só um pouquinho, já lembro de uma coisa importante que quero dizer para ajudar a esclarecer essa celeuma toda.
- Não me venha com asneiras.
- Lembrei! Li dia desses uma matéria na 'Superinteressante', sobre o inventor da Privada!
- Será que vou ter que repetir? Meu problema é de patente, não de privada...!!!!!!
- Escute: John Harington foi um sujeito que queria passar para a posteridade como um grande escritor, mas o destino revelou que o seu talento era mesmo ser um grande inventor. Ou quase isso. Lá pelos idos 1586, depois de cair em péssias graças com a Rainha Elizabeth I e perder o direito de frequentar o Castelo de Greenwich, perto de Londres, John resolveu mandar a rainha e seus súditos para as cucuias e foi viajar pela Europa! Passou dez anos dedicando-se aos encantos das moças da Côrte, italianas e austríacas em especial. De volta ao lar-uma propriedade rural, bem de família-, dedicou-se por um bom tempo ao pleno ócio e, distraindo-se na mesmice, começou a desenhar uma geringonça mecânica para a eliminação de dejetos humanos. Em dois ou três dias criou o primeiro modelo do que hoje se conhece por privada. Dizem que com essa engenhoca ele recuperou momentaneamente as graças da Rainha, mas não soube aproveitar a chance de voltar aos salões da nobreza. Já em suas primeiras reaparições à corte, declamou um poema satírico de sua autoria. Uma poesia que ironizava impiedosamente não só os nobres, mas também a própria realeza em pessoa, nas partes que aludia à sua rotina de evacuação intestinal. Foi o fim do seu projeto de ascenção social. Porém houve um fruto: a invenção da privada lhe rendeu o título de Sir, antes de recair no mau gosto da nobreza. Morreu em ostracismo aos 51 anos de idade, em 1616. Dizem alguns historiadores enfezados que atribuir-lhe a invenção é o mesmo que dizer que Leonardo da Vinci criou o helicóptero, pois foram apenas os pioneiros teóricos e o que importa é realizar com a teoria para se falar em patente! Essa, na realidade, só foi registrada por Alexander Cummings, no ano de 1775. Os ingleses, porém, renderam a devida homenagem ao primeiro inventor: afirmam muitos que a gíria John, eufemismo para privada, é uma justa reverência ao verdadeiro criador!
- Antes de ir-me, só quero fazer uma pergunta para a senhorita sabichona: por que falar com você dá sempre nisso?
- Nisso o quê?
- Nessa confusão toda, puta merda! Tchau!
- Ei, seu John, não vai embora assim. Faltou o Santo...
- Santo? Não vou dizer o nome do meu cliente, não insista. Sigilo profissional.
- Você disse que estava ocupado com patentes e santidade...
- Ah, isso? Estava escrevendo e fiquei na dúvida quando lia uma referência a Santo Tomás de Aquino. Não seria São Tomás de Aquino?
- A regra gramatical é clara: nomes de santo começados por consoante levam São e os iniciados por vogais levam Santo. E sei mais: sei também que essa regra tem uma exceção: ela não vale quando se trata de uma consoante não pronunciada (morta), como no caso de São Hilário.
- Isso aqui é que está ficando hilário, isso sim. E agora, será que até Santo está virando uma exceção?
- Li dia desses alguma coisa a respeito... espera aí... lembrei! Foi na "Veja", um tal de Reinaldo, se não me engano... Disse que não há nada de errado com Santo Tomás de Aquino, pois chamá-lo assim foi consagrado pelo uso e, justo por isso, deixou de ser errado para virar certo. Santo Tomás agora também faz parte da norma culta...
- Tem lógica, já que São é forma apocopada de Santo.
- E escrever por extenso não é pecado. Pode ser chato, mas não é errado para a língua culta...
- São Santo, dai-me paciência!
- Não entendi a sua graça. Explica?
- Agora não dá, antes preciso refletir sobre a expressão 'tende piedade, ela sabe o que faz?'
-Ela quem?
-Ela, ele, sei lá, o que importa afinal? O que importa é que quem saiba, saiba o que faz!
- Santo sempre sabe.
- Como você pode saber?
- Se é Santo sabe. E não só sabe, age de acordo com esse saber!
- Nem todas as biografias de Santos são assim tão repletas de santidades. Não a vida inteira. Teve muito santo que só foi santo depois de arrependido de suas próprias errâncias. Lembro bem das minhas aulas de catolicismo no colégio, quando era guri.
- Mas aí é outra coisa.
- Qual a coisa, ô dona Coisa?
- Eu não me chamo coisa e você sabe bem disso!
- Eu sei, se você não fosse uma mulherzinha metidinha a coisa sabichona, mas que no fundo tanto gosto, eu lhe dava agora um nó-de-gravata, de tanto que você consegue aporrinhar a minha santa paciência!
- Viu? Uma coisa é querer ser Santo, outra coisa é conseguir sê-lo...
- Mas isso é tão óbvio... Canso de você complicar coisas tão óbvias...
- Eu sei, mas o óbvio é o mais difícil de alcançar. E isso eu não sei porque direito ainda. Será que o sabichão sabe?
- Pelo menos você não me chamou de sai-bichão, tampouco sai-bichona, que alívio!
- Antes não fazia diferença alguma se era ela ou ele, mas agora o alívio depende dessa mesma tal diferença? E depois sou eu quem enlouquece você...
* Referências sobre a história da invenção da privada e o registro de sua patente foram retiradas de reportagem publicada na Revista Superinteressante, edição 237, março/2007, Editora Abril, pág. 50, texto por Álvaro Oppermann. A informação sobre a forma correta Santo Tomas de Aquino se encontra em nota da Revista Veja, Editora Abril, desta semana.
sexta-feira, março 30, 2007
O direito a uma vingança carnavalesca, vista pelo Direito.
Superior Tribunal de Justiça diminui multa de prefeito que tentou cassar o carnaval.
"Quando era prefeito de Itapira, no estado de São Paulo, João Antônio Barros Munhoz não gostou quando seus convidados foram barrados num baile de carnaval. Ficou tão aborrecido que cassou o alvará de funcionamento do clube onde ocorriam as festividades e ordenou que servidores da prefeitura cavassem valetas nas estradas de acesso ao estabelecimento. A represália do prefeito rendeu uma ação de improbidade administrativa e uma multa de 50 vezes o valor da remuneração de prefeito. O processo chegou ao STJ e foi relatado pelo ministro João Otávio de Noronha, que decidiu baixar a multa. A decisão foi seguida unanimemente pela Segunda Turma do Tribunal.
Em 1998, o prefeito João Antônio tentou entrar num baile de carnaval com vários convidados que não estavam na lista. O porteiro do clube não permitiu a entrada e se iniciou um bate-boca. Posteriormente um dos diretores do estabelecimento autorizou a entrada, mas o prefeito se recusou a entrar. No dia seguinte, João Antônio cassou o alvará de funcionamento do clube. O baile ainda foi realizado graças a um mandado de segurança. O prefeito, então, ordenou que servidores da prefeitura abrissem valetas nas estradas de acesso ao clube.
O Ministério Público de São Paulo entrou com uma ação pública contra João Antônio, por improbidade administrativa, desvio de finalidade e mau uso de recursos públicos. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) aplicou uma multa de 50 vezes a remuneração que ele recebia quando era prefeito e suspendeu seus direitos políticos. A defesa do réu alegou que a punição era desproporcional ao ato, já que o prejuízo ficou em torno de R$ 3 mil e a multa chegaria a 230 vezes esse valor. Além de o dano ser de pequena monta, o ex-prefeito não teria tido nenhum ganho financeiro com a ação.
Em seu voto, o ministro Noronha criticou a postura do ex-prefeito, destacando que a vingança era um sentimento menos nobre no ser humano e que uma autoridade pública deveria se portar com mais brio. Entretanto, seguindo o princípio da proporcionalidade, ele admitiu ser o valor da multa realmente excessivo e fixou o valor em 10 vezes a remuneração do prefeito. O ministro Herman Benjamim destacou a gravidade da questão do desvio de finalidade e do mau uso da máquina pública, mas acompanhou o voto do relator."
Autor(a):Fabrício Azevedo
REsp 897499/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª Turma de Direito Público/STJ.
Ação Civil Pública - Improbidade Administrativa - Prefeito / Ex-Prefeito , retirado do site www.stj.gov.br, em 29/03/2007.
"Quando era prefeito de Itapira, no estado de São Paulo, João Antônio Barros Munhoz não gostou quando seus convidados foram barrados num baile de carnaval. Ficou tão aborrecido que cassou o alvará de funcionamento do clube onde ocorriam as festividades e ordenou que servidores da prefeitura cavassem valetas nas estradas de acesso ao estabelecimento. A represália do prefeito rendeu uma ação de improbidade administrativa e uma multa de 50 vezes o valor da remuneração de prefeito. O processo chegou ao STJ e foi relatado pelo ministro João Otávio de Noronha, que decidiu baixar a multa. A decisão foi seguida unanimemente pela Segunda Turma do Tribunal.
Em 1998, o prefeito João Antônio tentou entrar num baile de carnaval com vários convidados que não estavam na lista. O porteiro do clube não permitiu a entrada e se iniciou um bate-boca. Posteriormente um dos diretores do estabelecimento autorizou a entrada, mas o prefeito se recusou a entrar. No dia seguinte, João Antônio cassou o alvará de funcionamento do clube. O baile ainda foi realizado graças a um mandado de segurança. O prefeito, então, ordenou que servidores da prefeitura abrissem valetas nas estradas de acesso ao clube.
O Ministério Público de São Paulo entrou com uma ação pública contra João Antônio, por improbidade administrativa, desvio de finalidade e mau uso de recursos públicos. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) aplicou uma multa de 50 vezes a remuneração que ele recebia quando era prefeito e suspendeu seus direitos políticos. A defesa do réu alegou que a punição era desproporcional ao ato, já que o prejuízo ficou em torno de R$ 3 mil e a multa chegaria a 230 vezes esse valor. Além de o dano ser de pequena monta, o ex-prefeito não teria tido nenhum ganho financeiro com a ação.
Em seu voto, o ministro Noronha criticou a postura do ex-prefeito, destacando que a vingança era um sentimento menos nobre no ser humano e que uma autoridade pública deveria se portar com mais brio. Entretanto, seguindo o princípio da proporcionalidade, ele admitiu ser o valor da multa realmente excessivo e fixou o valor em 10 vezes a remuneração do prefeito. O ministro Herman Benjamim destacou a gravidade da questão do desvio de finalidade e do mau uso da máquina pública, mas acompanhou o voto do relator."
Autor(a):Fabrício Azevedo
REsp 897499/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª Turma de Direito Público/STJ.
Ação Civil Pública - Improbidade Administrativa - Prefeito / Ex-Prefeito , retirado do site www.stj.gov.br, em 29/03/2007.
terça-feira, março 20, 2007
O princípio da legalidade para leigos
- E aí, tu vives? E se sim, vamos lá: como vives?
- Vivo bem, vivo legal.
- Legal, de um jeito legal?
- Legalmente, dentro da legalidade, é isso que quis dizer.
- Sei, entendi. De um jeito legal para ti, de um jeito legal para mim. Para mim isso é que é viver legalmente. Estou errada?
- Bem, nunca pensei assim, mas escutando tu dizeres assim, bem... nunca pensei assim...
- Sei... mas e daí, legal ou não legal? O que é diferente de legal e ilegal...até onde sei...ou já não mais?
- Ouvi dizer que há quem diga que viraram sinônimos, de tão confundidos que ficaram um com o outro.
- Quem?
- Esse legal e esse ilegal.
- Aí já não sei... ou será que sei?
- Eu acho que tu sempre soubes...
- Tem horas que acho que sei, outras que já não sei mais ...
- Sei... tu não sabes que sabes?
- Se me contas assim, quem sabe agora eu saiba melhor...
- Sei...
No outro dia, continuando com o tête-à-tête, que em português é quase como dizer tititi:
- Estive pensando na nossa conversa de ontem, sobre o saber e o não saber...
- Saber o que mesmo?
- Sobre esses boatos de que o legal e o ilegal estão virando sinônimos, de tão confundidos que andam um com o outro...
- Para que perder tempo com isso, se é só abrir o dicionário da língua portuguesa? Só consigo relevar essas suas perdas-de-tempo se lembrar dessa tal de diferença biológica dos sexos.
- Mas lá no dicionário não diz que legal é sinônimo de ilegal. Aposto sem abri-lo...
- Continue, por favor... sem apostas.
- Tá, mas só se você prometer que nunca vai esquecer da premissa do meu raciocínio: que a culpa não é do povão brasileiro.
- Como? Continue, por favor...
- Legal é um adjetivo que provém do latim legale, que quer dizer relativo à lei. Só que na história da nossa língua, criou-se mais um significado para legal, que no jargão popular quer dizer alguém, ou mesmo algo, que tem a qualidade de ser ótimo, excelente, leal, digno, bacana mesmo, sabe como?
- E eu lá quero saber o que diz a língua inculta?
- Mas não foi você quem mencionou que alguns letrados arriscam a dizer que o legal e o ilegal estão querendo infringir a lei da antinomia da língua, para virar sinônimos? Veja lá o que diz o Aurélio, um dos pai-de-burros mais famosos por essas terras: “palavra-ônibus que exprime numerosas idéias apreciativas...”!
- E desde quando palavra virou ônibus, nunca ouvi algo tão estapafúrdio!
- Você vai entender quando aprender a viajar pelas incríveis metamorfoses da língua...
- Sei...
- Eu sei. E você, será que sabe?
- Vivo bem, vivo legal.
- Legal, de um jeito legal?
- Legalmente, dentro da legalidade, é isso que quis dizer.
- Sei, entendi. De um jeito legal para ti, de um jeito legal para mim. Para mim isso é que é viver legalmente. Estou errada?
- Bem, nunca pensei assim, mas escutando tu dizeres assim, bem... nunca pensei assim...
- Sei... mas e daí, legal ou não legal? O que é diferente de legal e ilegal...até onde sei...ou já não mais?
- Ouvi dizer que há quem diga que viraram sinônimos, de tão confundidos que ficaram um com o outro.
- Quem?
- Esse legal e esse ilegal.
- Aí já não sei... ou será que sei?
- Eu acho que tu sempre soubes...
- Tem horas que acho que sei, outras que já não sei mais ...
- Sei... tu não sabes que sabes?
- Se me contas assim, quem sabe agora eu saiba melhor...
- Sei...
No outro dia, continuando com o tête-à-tête, que em português é quase como dizer tititi:
- Estive pensando na nossa conversa de ontem, sobre o saber e o não saber...
- Saber o que mesmo?
- Sobre esses boatos de que o legal e o ilegal estão virando sinônimos, de tão confundidos que andam um com o outro...
- Para que perder tempo com isso, se é só abrir o dicionário da língua portuguesa? Só consigo relevar essas suas perdas-de-tempo se lembrar dessa tal de diferença biológica dos sexos.
- Mas lá no dicionário não diz que legal é sinônimo de ilegal. Aposto sem abri-lo...
- Continue, por favor... sem apostas.
- Tá, mas só se você prometer que nunca vai esquecer da premissa do meu raciocínio: que a culpa não é do povão brasileiro.
- Como? Continue, por favor...
- Legal é um adjetivo que provém do latim legale, que quer dizer relativo à lei. Só que na história da nossa língua, criou-se mais um significado para legal, que no jargão popular quer dizer alguém, ou mesmo algo, que tem a qualidade de ser ótimo, excelente, leal, digno, bacana mesmo, sabe como?
- E eu lá quero saber o que diz a língua inculta?
- Mas não foi você quem mencionou que alguns letrados arriscam a dizer que o legal e o ilegal estão querendo infringir a lei da antinomia da língua, para virar sinônimos? Veja lá o que diz o Aurélio, um dos pai-de-burros mais famosos por essas terras: “palavra-ônibus que exprime numerosas idéias apreciativas...”!
- E desde quando palavra virou ônibus, nunca ouvi algo tão estapafúrdio!
- Você vai entender quando aprender a viajar pelas incríveis metamorfoses da língua...
- Sei...
- Eu sei. E você, será que sabe?
* A foto não sei quem produziu, foi-me enviada por email por um amigo: um amigo que fala comigo! A foto, ao que tudo indica, foi retirada do site http://patodelaranja.com/
Enjoy, saboreie dentro do seu melhor paladar!
Agradecimento à Telegramática, serviço disponibilizado pela Prefeitura Municipal de Curitiba (tel. 041-3218-2425), através do qual são designados quatro professores de português, com formação superior, da rede municipal de ensino, para atender às dúvidas gramaticais da população local, gratuitamente. Isso, para mim, é um legal legal. Aliás, tão redundantemente legal, que mereceria ser escrito assim: legal², que é o mesmo que dizer legal ao quadrado. Se eu quiser dizer a mesma coisa, na linguagem juridicamente técnica, posso optar pela expressão latina bis in idem, ou seja: o legal, aqui, incide duas vezes... e por isso mesmo um legal legítimo.
quinta-feira, março 01, 2007
Cadios
Ao me despedir da justa metade do ser balzaquiana, brindei minha passagem com uma brincadeira de palavras. Não quis passar minha trajetória em brancas nuvens, sem uma contribuição sequer para a minha língua.
Foi em um sábado fim-de-tarde, quando peguei para me distrair um livro em cima de um balcão de bar, que naquele instante jamais poderia imaginar que faria parte da minha vida: as 101 coisas que você precisa fazer antes de morrer. Foi ali que o acaso abriu na página que desafiava: inventar uma palavra. Pedi o livro emprestado ao dono do boteco-restauranteria, mas se não devolver não tem problema, a livraria não cobra, deixa livros aqui e acolá, trocados mensalmente, para divulgar o hábito da leitura.
Inventar uma palavra é fácil. O que distingue esses inventores de nomes feito Sheakspeare, porém, é o dom de despertar no interlocutor um sentimento genuíno que o faça repetir: a mesma palavra. E de tanta repetição dá-se o fenômeno da criação e também de mutação da língua.
Eu quis escrever cadios, mas essa palavra não existia para adjetivar esses tais calafrios. Talvez existisse alguma outra para dizer o mesmo, uma palavra terminada em ditongo 'io'? Tentei vadio, mas voltei ao cadio, pois queria algo mais bravio.
Palavra nova, sensações antigas: aqui, um sentimento cadio descrito por Mário de Sá-Carneiro, no exato contra-ponto de dois poemas. Uma sensação incerta, não se sabe direito o que a provoca e como defini-la, mas de alguma forma sabe-se a certa, como uma estrela, a nos indicar o rumo.
Confira.
Além-tédio
Nada me expira já, nada me vive —
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.
Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital…
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.
Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.
Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu… Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!
Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.
E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios…
Mário de Sá-Carneiro
Ápice
O raio do sol da tarde
Que uma janela perdida
Refletiu
Num instante indiferente —
Arde,
Numa lembrança esvaída,
À minha memória de hoje
Subitamente…
Seu efêmero arrepio
Ziguezagueia, ondula, foge,
Pela minha retentiva…
— E não poder adivinhar
Porque mistério se me evoca
Esta idéia fugitiva,
Tão débil que mal me toca!…
-Ah, não sei porquê, mas certamente
Aquele raio cadente
Alguma coisa foi na minha sorte
Que a sua projeção atravessou…
Tanto segredo no destino de uma vida…
É como a idéia de Norte,
Preconcebida,
Que sempre me acompanhou…
Mário de Sá Carneiro
Quando invento, não me rendo à arte solitária. Servem-me de inspiração Sheakspeare e, para um aproach mais tupiniquim, lembro do crackear, verbo inventado por Oswald de Andrade, licença poética para ficar na memória.
E para terminar, depois da poesia, fique com um pouquinho de antropofagia, por Oswald de Andrade, cujo manifesto antropofágico você poderá ler na íntegra no post 'A saída antropofágica da poesia'.
Memórias Sentimentais de João Miramar
Verbo Crackar*
Eu empobreço de repente
Tu enriqueces por minha causa
Ele azula para o sertão
Nós entramos em concordata
Vós protestais por preferência
Eles escafedem a massa
Sê pirata
Sede trouxas
Abrindo o pala
Pessoal sarado.
Oxalá eu tivesse sabido que esse verbo era irregular.
(* verbo inventado, baseado no crack da Bolsa de Nova York em 1929)
fontes: www.wikedia.com e http://www.lumiarte.com/luardeoutono/oswald/index.html. As justas referências ao autor do livro que me fez tomar a decisão de ficar com o termo 'cadio' virão oportunamente, assim que localizar onde é que larguei o talzinho... do livro.
Foi em um sábado fim-de-tarde, quando peguei para me distrair um livro em cima de um balcão de bar, que naquele instante jamais poderia imaginar que faria parte da minha vida: as 101 coisas que você precisa fazer antes de morrer. Foi ali que o acaso abriu na página que desafiava: inventar uma palavra. Pedi o livro emprestado ao dono do boteco-restauranteria, mas se não devolver não tem problema, a livraria não cobra, deixa livros aqui e acolá, trocados mensalmente, para divulgar o hábito da leitura.
Inventar uma palavra é fácil. O que distingue esses inventores de nomes feito Sheakspeare, porém, é o dom de despertar no interlocutor um sentimento genuíno que o faça repetir: a mesma palavra. E de tanta repetição dá-se o fenômeno da criação e também de mutação da língua.
Eu quis escrever cadios, mas essa palavra não existia para adjetivar esses tais calafrios. Talvez existisse alguma outra para dizer o mesmo, uma palavra terminada em ditongo 'io'? Tentei vadio, mas voltei ao cadio, pois queria algo mais bravio.
Palavra nova, sensações antigas: aqui, um sentimento cadio descrito por Mário de Sá-Carneiro, no exato contra-ponto de dois poemas. Uma sensação incerta, não se sabe direito o que a provoca e como defini-la, mas de alguma forma sabe-se a certa, como uma estrela, a nos indicar o rumo.
Confira.
Além-tédio
Nada me expira já, nada me vive —
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.
Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital…
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.
Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.
Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu… Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!
Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.
E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios…
Mário de Sá-Carneiro
Ápice
O raio do sol da tarde
Que uma janela perdida
Refletiu
Num instante indiferente —
Arde,
Numa lembrança esvaída,
À minha memória de hoje
Subitamente…
Seu efêmero arrepio
Ziguezagueia, ondula, foge,
Pela minha retentiva…
— E não poder adivinhar
Porque mistério se me evoca
Esta idéia fugitiva,
Tão débil que mal me toca!…
-Ah, não sei porquê, mas certamente
Aquele raio cadente
Alguma coisa foi na minha sorte
Que a sua projeção atravessou…
Tanto segredo no destino de uma vida…
É como a idéia de Norte,
Preconcebida,
Que sempre me acompanhou…
Mário de Sá Carneiro
Quando invento, não me rendo à arte solitária. Servem-me de inspiração Sheakspeare e, para um aproach mais tupiniquim, lembro do crackear, verbo inventado por Oswald de Andrade, licença poética para ficar na memória.
E para terminar, depois da poesia, fique com um pouquinho de antropofagia, por Oswald de Andrade, cujo manifesto antropofágico você poderá ler na íntegra no post 'A saída antropofágica da poesia'.
Memórias Sentimentais de João Miramar
Verbo Crackar*
Eu empobreço de repente
Tu enriqueces por minha causa
Ele azula para o sertão
Nós entramos em concordata
Vós protestais por preferência
Eles escafedem a massa
Sê pirata
Sede trouxas
Abrindo o pala
Pessoal sarado.
Oxalá eu tivesse sabido que esse verbo era irregular.
(* verbo inventado, baseado no crack da Bolsa de Nova York em 1929)
fontes: www.wikedia.com e http://www.lumiarte.com/luardeoutono/oswald/index.html. As justas referências ao autor do livro que me fez tomar a decisão de ficar com o termo 'cadio' virão oportunamente, assim que localizar onde é que larguei o talzinho... do livro.
domingo, fevereiro 25, 2007
Soneto Claudicante de Aniversário
Chamaram-na Cláudia.
Incerta, vacilante, hesitante
Acrescento excitante?
Que arrepios,
Esses calafrios
Incertos de cadios*?
Claudicar é coxear,
Coxa para cá, coxa para lá.
Coxa, anda.
Anca pra cá, anca pra lá.
Rebola nessa bola.
Redonda rola.
Quem rola, não manca:
deslisa lisa.
Lisa pra cá, lisa pra lá...
Feito brisa, deslisa
Viva!
Viva pra cá, viva pra lá...
Notas explicativas:
Soneto tem esta "fôrma":
quatro estrofes no total
duas de quatro versos
duas de três versos
Essa é a razão desse soneto ser claudicante, um soneto que decidiu sê-lo para além da fôrma.
*Cadios? Foi um inventar-se, aqui, em palavras. O significado deixo o leitor buscar por si só a sensação de poder caminhar para além de suas próprias falhas ou faltas, se assim preferir. Faltas, justo o que nos faz seguir em frente.
Marcadores:
fundo da ilustração: www.exoteric.roach.org
domingo, fevereiro 11, 2007
Poema sem preconceito.
Quero um poema branco,
sem preconceito.
Poema, não quero um que me diga
do que poderia mais não foi.
Se falo de memórias ou de sonhos,
é porque preconcebi.
E nesse entanto,
O que quero é um poema
E que seja branco.
Mas poderá assim existir,
Se em branco não se pode constituir?
Mas aqui o que quero é existir,
Em branco, sem pré-constituir.
sem preconceito.
Poema, não quero um que me diga
do que poderia mais não foi.
Se falo de memórias ou de sonhos,
é porque preconcebi.
E nesse entanto,
O que quero é um poema
E que seja branco.
Mas poderá assim existir,
Se em branco não se pode constituir?
Mas aqui o que quero é existir,
Em branco, sem pré-constituir.
Fotos por Dalio Zippin Neto, Patagônia, janeiro/2006.
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